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O Brasil – e a diplomacia brasileira – tem larga tradição de defesa da soberania nacional. Essa tradição remonta à Independência, ocorrida faz 196 anos, em 7 de setembro de 1822 – autonomia nacional que, ao contrário do que diz a renitente lenda conservadora, foi conquistada pelos brasileiros de armas nas mãos. Que derrotou os portugueses e os expulsou do território brasileiro em regiões tão diferentes e distantes como Pernambuco (onde a luta começou em 1821), Bahia (lá a derrota lusa se deu em 2 de julho de 1823), Maranhão (que aderiu à Independência em 28 de Julho de 1823), Piauí (onde ocorreu a batalha do Jenipapo, em 13 de março de 1823, que marca o heroísmo das brasileiras na luta pala Independência) e Pará (ensanguentado pelo assassinato de mais de 250 populares no brigue Palhaço, no porto de Belém, em outubro de 1823).

Por José Carlos Ruy*

Foram brasileiros que ousaram lutar pela Independência. Entre os quais se fortaleceu, ao longo do tempo, o sentimento de nacionalidade que inspira a forte defesa da soberania nacional e repudia a subserviência a nações estrangeiras.

É uma convenção histórica a comemoração da Independência em 7 de setembro. Convenção ligada à tese conservadora de que a separação com Portugal teria sido pacífica e consensual (o historiador conservador Francisco Adolfo de Varnhagen chegou ao absurdo de dizer que a Independência teria sido uma “doação” dos reis de Portugal). Apesar disso há sentido na comemoração em setembro. Afinal, foi no dia 2 que o Conselho de Estado do Reino do Brasil, sob direção da princesa Leopoldina (que exercia a regência durante a ausência de seu marido, D. Pedro, que estava em viagem a São Paulo), decidiu separar definitivamente o Brasil de Portugal, assinando a declaração de independência. Uma semana antes do Grito do Ipiranga, e sob comando da futura Imperatriz Leopoldina!

Naqueles dias a defesa da soberania nacional levou a atos de afirmação como a recusa do príncipe Pedro em voltar para Portugal e a determinação para que o general português Jorge Avilez, enviado com dois mil soldados para buscá-lo, deixasse o território brasileiro. Sua presença causou tamanha revolta que quase resultou numa batalha nas praias do Rio de Janeiro, onde foram cercados por 10 mil brasileiros em armas.

A classe dominante brasileira, é preciso reconhecer, é ciosa – pela maioria de seus membros – da Independência e da soberania do Brasil. Trata-se de um sentimento nacional conservador que decorre da natureza de classe do processo da separação com Portugal, no qual a mudança seria apenas política, como queriam os senhores de terras e escravos e o grande capital que controlava o comércio externo – sobretudo o tráfico de escravos -, mas sem nenhuma mudança social ou econômica que favorecesse o povo, mantendo o Brasil na mesma subordinação externa que fazia dele o grande exportador de commodities que sempre foi. É como se a classe dominante brasileira dissesse ao mundo: esta é minha fazenda e nela mando eu!

Sentimento conservador que a levou, ao longo da história, a muitos episódios de resistência contra decisões tomadas em outros países, mesmo com algum sentido humanitário ou democrático.

Um exemplo é a oposição às pressões inglesas, desde a época da Independência, pelo fim do tráfico de escravos e da escravidão. Chegou a adotar a Lei Feijó, de 7 de novembro de 1831, que proibia aquele comércio nefando, mas não a cumpriu (foi uma lei para “inglês ver”…). Quando a pressão inglesa cresceu, na década de 1840 (é de 9 de agosto de 1845 o chamado Bill Aberdeen, que dava aos navios de guerra ingleses o direito de abordar e confiscar navios suspeitos de tráfico, mesmo em portos brasileiros), a indignação entre os brasileiros foi enorme. Em 4 de setembro de 1850, foi aprovada a Lei Eusébio de Queiróz, proibindo finalmente o tráfico de seres humanos.

Naqueles anos cresceu a tensão com os ingleses, e seu auge foi a chamada Questão Christie, em meados da década de1860. E que levou ao rompimento de relações entre o Brasil e a Inglaterra. Foi uma forte resistência brasileira contra a tentativa de afrontar a soberania nacional. O navio inglês Prince of Wales havia encalhado (e naufragou), em junho de 1861, na costa gaúcha; alguns tripulantes morreram e a carga foi saqueada por moradores da região.

Outro incidente, que se juntou à alegação de pilhagem do navio naufragado, foi a prisão, no Rio de Janeiro, em 17 de junho de 1862, de um grupo de marinheiros ingleses que, bêbados, promoviam arruaças e ameaçavam pessoas nas ruas.

Naqueles dias, William Dougal Christie, o embaixador inglês no Rio de Janeiro recebeu de Londres uma nota que alegava ter ocorrido “o mais brutal ultraje cometido contra 3 oficiais do navio de sua Majestade Forte”, e exigia do governo brasileiro a investigação do “atroz ultraje”, e a indenização mais ampla para “as indignidades cometidas contra a honra nacional e pelo brutal ataque realizado nas pessoas destes oficiais”.

O governo brasileiro reagiu com altivez e Christie, em 7 de agosto de 1862, escreveu para seus chefes em Londres dizendo que “o governo brasileiro tem procedido com inadequada lentidão e indiferença dada a gravidade dos feitos e o grave caráter das denúncias”.

O governo imperial exigia, através de nota do Ministro de Relações Exteriores do Brasil, Antônio Coelho de Sá e Albuquerque, que os responsáveis pelo incidente fossem postos à disposição das autoridades brasileiras. Em resposta, Christie exigiu a compensação aos afetados pelos acontecimentos do Prince of Wales, acusando os brasileiros de terem assassinado os membros da tripulação. Sobre a prisão dos marinheiros ingleses, pressionava pela demissão dos policiais envolvidos e por um pedido de desculpa do governo imperial para a Grã-Bretanha. E ameaçava com o bloqueio da Baia da Guanabara por navios de guerra ingleses. Bloqueio que de fato ocorreu, em novembro de 1862, quando navios de guerra ingleses bloquearam o porto do Rio de Janeiro, tomaram cinco navios lá ancorados, e exigiram uma compensação financeira. Isto provocou a fúria da população que, em represália, passou a ameaçar propriedades inglesas na cidade. E o governo imperial exigiu, através de seu embaixador, em Londres, indenização pelo confisco das embarcações no Rio de Janeiro. E um pedido de desculpa do governo inglês pela violação do território brasileiro.

Os acontecimentos foram se sucedendo, havendo inclusive a arbitragem de Leopoldo, rei da Bélgica que, afinal, reconheceu os direitos do Brasil.

A tensão foi num crescendo até 25 de maio de 1863, quando o Brasil rompeu relações com a Inglaterra, e só as restabeleceu em 23 de setembro de 1865, depois que a Inglaterra aceitou cumprir parte da reclamação brasileira e aceitou o resultado da intermediação belga.

Este talvez tenha sido o mais dramático enfrentamento da diplomacia brasileira com uma potência estrangeira – a maior e mais importante da época, a Inglaterra.

Houve outros confrontos através dos anos, nos quais a diplomacia brasileira se esmerou na defesa da soberania nacional. Sobretudo depois da Segunda Grande Guerra (1939-1945), da qual os EUA emergiram como a grande potência capitalista.

O mesmo padrão de conservadorismo se repetiu inúmeras vezes. Como, por exemplo, durante o governo do General Ernesto Geisel (1974/1979), que, contrariando a vontade estadunidense, restabeleceu relações diplomáticas com a China (1974), reconheceu a independência de Angola (1975), rompeu como acordo militar Brasil-EUA, que existia desde 1952, e assinou um acordo nuclear com a Alemanha (1975).

Mesmo conservadora, esta tradição de defesa da soberania nacional é traída pelo governo golpista de Michel Temer, que coloca o Brasil de joelhos ante o imperialismo dos EUA. A quem entrega riquezas nacionais muito cobiçadas, como o pré-sal, empresas estratégicas para o desenvolvimento nacional, como a Embraer, e abre mão mesmo de parte do território nacional, ao ceder aos EUA a base de lançamento de foguetes de Alcântara, no Maranhão. É um servilismo externo estranho mesmo a setores conservadores da diplomacia brasileira.

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*Jornalista, escritor, estudioso de história e do pensamento marxista.

 

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