TCU adia julgamento da privatização da Eletrobras por 20 dias
Adiada por 20 dias pelo pedido de vista do ministro Vital do Rêgo, a segunda etapa do julgamento da privatização da Eletrobras pelo Tribunal de Contas da União (TCU) contou nesta quarta (20) com uma mudança de posição do relator do processo, ministro Aroldo Cedraz, com relação à cláusula chamada “pílula de veneno” (poison pill, no termo original em inglês), que poderia dificultar um provável processo de reestatização da estatal.
De acordo com a agência Folhapress, Cedraz propôs a revisão da proposta original que abre espaço para a reestatização da empresa, caso o governo federal considere estratégico. “As ‘pílulas de veneno’ são medidas defensivas comuns no mercado financeiro, tomadas por empresas de capital aberto para impedir que um acionista se torne majoritário repentinamente, com uma oferta hostil. Nesse caso, tenta-se impedir que um novo controlador possa tomar decisões que prejudiquem os demais acionistas”, explica a agência.
Na visão de Cedraz, o problema desta cláusula está no fato de que ela se estenderia também ao governo federal, que precisaria realizar uma oferta pública até três vezes superior à maior cotação histórica das ações no mercado, caso fosse necessária uma reestatização. O relator avalia que o Estado tem assegurado pela Constituição a prerrogativa de retomar o controle da Eletrobras, caso haja uma necessidade estratégica que justifique essa decisão e considera que o processo precisa ser revertido mediante pagamento de valores justos, mas não exorbitantes.
As legendas Partido Democrático Trabalhista (PDT), Partido Comunista do Brasil (PCdoB), Partido Socialista Brasileiro (PSB), Partido dos Trabalhadores (PT), Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) e Rede Sustentabilidade contestam a lei de privatização da Eletrobrás. O ex-presidente Lula já afirmou que não apoia a operação.
“Não tem como fazer política pública sem a Eletrobras, fazer política tarifária sem a Eletrobras. Você não pode obrigar uma empresa privada a investir no setor elétrico”, afirmou ao Portal Vermelho o Engenheiro Eletricista da Eletronorte e Diretor da Associação dos Engenheiros e Técnicos do Sistema Eletrobras (Aesel), Ikaro Chaves. “Se esse governo conseguir concretizar essa irresponsabilidade, esse crime, ele precisa ser desfeito”, defendeu.
De acordo com o jornal Hora do Povo, Eduardo Assunção, o Chicão, presidente do Sindicato dos Eletricitários de São Paulo, denunciou a privatização e alertou que ela vai expulsar o que resta de indústria no Brasil. “É um desastre. Primeiro vai espantar a indústria. Vão acabar com o que resta da indústria no país. Em toda privatização o preço da energia aumentou. Quando é privado, o lucro vai para o acionista”, apontou.
“Nunca vi o setor privado fazer uma usina. Eles querem chegar e pegar o que foi mobilizado pelo Estado e tirar lucro em cima disso. Os caras não investem a longo prazo. Querem usurpar o que é público. A privatização é um escárnio. Eu não sou contra a iniciativa privada no setor elétrico. Desde que peguem o fluxo d’água de um rio, formem um lago, criem uma usina, gerem energia, emprego e aí tirem seu lucro. Não! Eles querem pegar o que já está gerando energia, cumprindo seu objetivo social e tirar o lucro”, acrescentou Chicão.
“É minha obrigação não deixar que o patrimônio público seja liquidado. Estão fazendo liquidação”, criticou o ministro Vital do Rêgo do Tribunal de Contas da União (TCU), em entrevista ao Estadão/Broadcast, nesta quarta-feira (20), onde confirmou que pediria vista para analisar o processo da privatização da Eletrobras. O pedido significou uma derrota para o Governo Bolsonaro, que planejava realizar o leilão em 13 de maio.
No julgamento anterior, o ministro questionou a fórmula de cálculo do valor da estatal, avaliando que a maior companhia de energia da América Latina, valeria R$ 130 bilhões e não os R$ 67 bilhões definidos. “Estamos falando de subavaliações que superam facilmente a casa das várias dezenas de bilhões de reais. Estamos falando de obscuridades no impacto tarifário para o consumidor de energia elétrica, ou seja, a quase totalidade da população brasileira”, disse Vital do Rêgo na época, ao apresentar o voto revisor. E destacou que “nenhum país cuja matriz elétrica possua hidroeletricidade como parte significativa [caso do Brasil] privatizou seu setor elétrico. Estados Unidos, China, Canadá, Suécia, Noruega, Índia, Rússia. Nenhum deles”.
A Eletrobrás é dona ou sócia das mais importantes hidrelétricas do Brasil, como Belo Monte e Furnas, e ainda é responsável por quase 44% do sistema de transmissão do país. Com base em dados do site Statista, sobre “as mais valoradas” empresas do setor elétrico do mundo, o especialista e diretor do Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Energético (Ilumina), Roberto Pereira D’Araújo, afirmou que “a Eletrobrás não pode valer um quarto de uma empresa inglesa, que tem muito menos transmissão do que Eletrobrás e nenhuma usina”. A décima colocada é a inglesa National Grid, “uma empresa que só tem transmissão, não tem nenhuma usina e vale US$ 44 bilhões”.
“Se uma empresa que só tem transmissão – e muito menos transmissão do que a Eletrobrás – e não tem nenhuma usina vale 44 bilhões de dólares, como é que a Eletrobrás vai valer 10 bilhões de dólares?”, questionou o engenheiro eletricista. “É doar de graça uma empresa com um potencial impressionante”, criticou D’Araújo.
O mestre em engenharia nuclear e doutor em energia pela USP Joaquim Francisco de Carvalho denunciou que “o controle das grandes usinas hidrelétricas é estratégico. Por esta razão, até nos Estados Unidos, as grandes hidrelétricas pertencem e são operadas por entidades públicas”.
“A energia elétrica é um monopólio natural, do qual dependem a produção industrial, as comunicações, o ensino, a conservação dos alimentos, ou seja, praticamente tudo. Assim, as tarifas elétricas não devem visar à maximização de lucros para grupos privados, pois influenciam todos os custos da economia, podendo gerar tendências inflacionárias, inviabilizar indústrias e excluir do consumo as famílias menos favorecidas”, acrescentou Carvalho, lembrando que 77% dos consumidores ingleses querem a reestatização das empresas de energia elétrica que foram privatizadas pela premier Margareth Tatcher.