General do Sudão, Abdel Fattah al-Burhan, e o premiê Abdalla Hamdok assinam acordo

Abdallah Hamdok, primeiro-ministro do Sudão que foi preso em golpe de Estado há quase um mês, foi solto neste domingo (21), depois de passar quatro semanas sob prisão domiciliar efetiva desde a tomada de poder pelo tenente-general Abdel Fattah al-Burhan que assumiu a presidência interina, fato que desencadeou uma onda de protestos de rua em que 40 manifestantes foram mortos, segundo fontes médicas.

Um acordo de 14 pontos assinado no palácio presidencial, na capital Cartum, inclui a libertação dos líderes que haviam sido detidos no golpe e o retorno de Hamdok ao cargo de primeiro-ministro para restabelecer o processo de transição para um governo civil no Sudão.

Foi reafirmado que as regras constitucionais são a principal referência para esse período.Também estipulou-se que um governo civil de especialistas técnicos será formado para o período de transição até novas eleições.

Em 25 de outubro último, Abdel Fattah al-Burhan declarou estado de emergência e encabeçou a deposição do governo em uma medida que provocou amplas condenações internacionais.

“Um acordo político foi alcançado entre o general Burhan, Abdalla Hamdok, forças políticas e organizações da sociedade civil para o retorno de Hamdok ao seu cargo e a libertação de presos políticos”, disse à AFP Fadlallah Burma, chefe do maior partido político do país, o Umma.

A declaração abriu as portas para que o Sudão, país do nordeste da África, possa retornar ao processo de transição rumo à democracia plena que começou após protestos em massa que se seguiram à derrubada do presidente Omar al-Bashir em 2019.

Um grupo de mediadores sudaneses, incluindo políticos, acadêmicos e jornalistas que estiveram em negociações sobre a crise nas últimas semanas, registraram que o acordo foi alcançado após conversas entre facções políticas, grupos de ex-rebeldes e figuras militares.

O retorno de Hamdok, um economista que trabalhou para as Nações Unidas e organizações africanas, tem sido uma das principais demandas da comunidade internacional.

Enquanto o acordo era anunciado, organizações civis e políticas pró-democracia se preparavam para mais um protesto para denunciar o golpe e a repressão que se seguiu, em que médicos dizem que 16 pessoas foram mortas apenas na quarta-feira (17).

Os manifestantes, marchando na capital sudanesa Cartum e nas cidades de Bahri e Omdurman, exigiram uma entrega total do poder às autoridades civis e que os líderes do golpe de 25 de outubro fossem julgados.

O governo de transição, composto por civis e militares, tinha sido criado após o levante de 2019, que derrubou o regime de Omar Al Bashir, para preparar as condições para eleições democráticas em 2023.

“Condeno o golpe militar em curso no Sudão. O primeiro-ministro Hamdok e todos os outros funcionários devem ser libertados imediatamente. Deve haver total respeito pela carta constitucional para proteger a transição política duramente conquistada. A ONU continuará a apoiar o povo do Sudão”, afirmou o secretário-geral Antonio Guterres logo depois do golpe no mês passado.

A União Africana, organização que congrega os 53 países africanos, na época, definiu a suspensão do Sudão. O secretário-geral da Liga Árabe, Ahmed Aboul Gheit, exortou todas as partes a “cumprirem integralmente” a declaração constitucional de agosto de 2019.

O golpe não surgiu como um relâmpago em céu azul. Durante os últimos meses ocorreram manifestações opostas, contra e a favor do governo de transição, que também se desgastou por ter, sob pressão de Washington, estabelecido relações diplomáticas com Israel, no que é visto como uma traição aos palestinos, em troca de ser retirado da lista norte-americana de ‘países promotores de terrorismo’.

A administração Hamdok também foi ao FMI e se comprometeu a extraditar o ex-presidente Bashir ao Tribunal Penal Internacional.

O pesado pedágio cobrado pelo FMI incluiu ainda o fim dos subsídios aos combustíveis, dobrando os preços nas bombas, e fim da taxa de câmbio fixa do Sudão, o que fez a inflação disparar para mais de 400%, ante 144% um ano atrás.

O FMI também exigiu a privatização de 600 empresas estatais. A isso se soma a escassez de alimentos, inundações e a pandemia de Covid-19.

Com o país sob sanções dos EUA, 80 por cento da população de 40 milhões vivia com menos de US$ 1 por dia (dado de 2018), com 5,8 milhões precisando de ajuda humanitária, e mais de 2,7 milhões de crianças sofrendo da desnutrição aguda.

Em setembro, líderes tribais e grupos étnicos aliados ao deposto Al Bashir montaram um bloqueio no principal porto do país no Mar Vermelho, Port Sudan, causando uma drástica escassez de produtos básicos, inclusive petróleo, na capital, Cartum.

Os manifestantes marcham pela capital Cartum e nas cidades de Bahri e Omdurman, desde 25 de outubro, exigindo a devolução do poder às autoridades civis e o julgamento dos líderes do golpe.

Abdalla Hamdok que voltou ao poder como primeiro-ministro defendeu o acordo assinado e afirmou que ele visa restaurar a transição democrática, acabar com o derramamento de sangue e organizar as eleições para regularizar a democracia do país.

O Sudão tem um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 0,510 e, em um ranking com 189 países, está empatado na 170ª posição com o Haiti (o país mais pobre das Américas) e atrás do Afeganistão (169º).