Sudaneses protestam contra o golpe militar

Opositores ao golpe de estado no Sudão convocaram para sábado (30) uma grande manifestação para exigir a restituição do poder ao governo de transição, usurpado pela ala militar na segunda-feira (25). O golpe foi condenado pela ONU, União Africana e Liga Árabe.

Sob pressão internacional, o primeiro-ministro Abdalla Hamdok pôde voltar à própria residência, embora siga sob vigilância, depois um dia ‘hospedado’ pelo general Abdel Fattah Al Burhan, líder do golpe. Ele exortara os sudaneses a “resistir” pacificamente.

Ex-economista do Banco Africano de Desenvolvimento e mais tarde da Comissão Econômica das Nações Unidas para a África, Hamdok havia sido apontado como nome de consenso nas negociações de 2019.

Manifestantes vêm se mantendo nas ruas para exigir a volta da democracia e bradando “o povo é mais forte” e “recuar não é uma opção”. Na repressão aos protestos, sete pessoas foram mortas e dezenas ficaram feridas só na segunda-feira.

Os protestos em massa foram convocados pela Associação de Profissionais do Sudão, Comitês de Resistência, Forças de Liberdade e Mudança, Partido Umma e Partido Comunista do Sudão, e exigiram que o conselho militar transitório devolva o poder ao governo civil.

Pedidos de greve geral vêm sendo feitos nos alto-falantes das mesquitas e ruas são bloqueadas por barricadas de manifestantes e queima de pneus.

O governo de transição, composto por civis e militares, foi criado após o levante de 2019, que derrubou o regime de Omar Al Bashir, para preparar as condições para eleições democráticas em 2023. Pelo acordo, seria encabeçado nos dois primeiros anos pelo general Al Burhan, que deveria passar a seguir a presidência para um civil.

Faltando cerca de um mês para essa transferência, o general Al Burhan se decidiu pelo golpe, alegando risco de “guerra civil” no sofrido país, dissolveu o Conselho Soberano Civil-Militar e decretou estado de emergência em todo o país.

Ele asseverou – acredite quem quiser – que está mantida a promessa de realizar eleições em julho de 2023 e entrega do poder ao governo civil eleito.

“Condeno o golpe militar em curso no Sudão. O primeiro-ministro Hamdok e todos os outros funcionários devem ser libertados imediatamente. Deve haver total respeito pela carta constitucional para proteger a transição política duramente conquistada. A ONU continuará a apoiar o povo do Sudão”, afirmou o secretário-geral Antonio Guterres.

A União Africana, organização que congrega os 53 países africanos, anunciou a suspensão do Sudão. O secretário-geral da Liga Árabe, Ahmed Aboul Gheit, exortou todas as partes a “cumprirem integralmente” a declaração constitucional de agosto de 2019.

O golpe não surgiu como um relâmpago em céu azul. No mês passado, ocorreram manifestações opostas, contra e a favor do governo de transição, que também se desgastou por ter, sob pressão de Washington, estabelecido relações diplomáticas com Israel, no que é visto como uma traição aos palestinos, em troca de ser retirado da lista norte-americana de ‘países promotores de terrorismo’.

A administração Hamdok também foi ao FMI e se comprometeu a extraditar o ex-presidente Bashir ao Tribunal Penal Internacional.

O pesado pedágio cobrado pelo FMI incluiu ainda o fim dos subsídios aos combustíveis, dobrando os preços nas bombas, e fim da taxa de câmbio fixa do Sudão, o que fez a inflação disparar para mais de 400%, ante 144% um ano atrás.

O FMI também exigiu a privatização de 600 empresas estatais. A isso se soma a escassez de alimentos, inundações e a pandemia de Covid-19.

Com o país sob sanções dos EUA, 80 por cento da população de 40 milhões vivia com menos de US$ 1 por dia (dado de 2018), com 5,8 milhões precisando de ajuda humanitária, e mais de 2,7 milhões de crianças sofrendo da desnutrição aguda.

Como o golpe foi no dia seguinte à ida de um enviado especial do governo norte-americano, não se sabe exatamente o que os generais entenderam da visita. Após o golpe, Washington suspendeu ajuda de US$ 700 milhões e o secretário de Estado Antony Blinken falou com o primeiro-ministro Hamdok assim que ele foi liberado para voltar para casa.

No mês passado, líderes tribais e grupos étnicos aliados ao deposto Al Bashir montaram um bloqueio no principal porto do país no Mar Vermelho, Port Sudan, causando uma drástica escassez de produtos básicos, inclusive petróleo, na capital, Kartoum. Outra fonte de tensão é que dois dos sete grupos rebeldes armados vêm se recusando a assinar o Acordo de Paz de Juba, já assinado pelos militares sudaneses, e que busca encerrar as ameaças de secessão no país.