Socorro direto ao Capitólio foi a última opção que passou pela cabeça de Walter Piatt

O tenente-general Walter Piatt, diretor do Estado-Maior do Exército, contestou na segunda-feira o relato ao jornal Washington Post do ex-chefe da Polícia do Capitólio, Steven Sund, sobre a demora na autorização para que a Guarda Nacional socorresse o Congresso dos EUA, invadido por uma turba de fanáticos açulados por Trump na semana passada, no dia da certificação final da vitória do oposicionista Joe Biden.

Piatt asseverou que não partiu dele a areia na engrenagem, ao contrário do que Sund revelou. O relato do ex-chefe de polícia do Capitólio, Sund, foi, de acordo com o jornal, confirmado pela prefeita de Washington, a democrata Muriel Bowser, e mais três integrantes da videoconferência com o Pentágono no dia.

A prefeita disse ao Post que Sund tinha “deixado perfeitamente claro que eles precisavam de ajuda extraordinária, incluindo a Guarda Nacional”.

É impossível negar a essa altura dos acontecimentos que por horas algo de muito estranho ocorreu, impossibilitando o imediato socorro ao Congresso dos EUA pela Guarda Nacional.

Socorro pedido em desespero pelos parlamentares, pela prefeita de Washington Muriel Bowser, e com a manifesta disposição de ajudar do governador republicano do vizinho estado de Maryland, Larry Hogan

Já era suficientemente estranho que o Congresso dos EUA, o local mais simbólico da democracia norte-americana, fosse o mais desprotegido do país mais armado do planeta no dia da certificação final da eleição de Joe Biden, e com uma Marcha a Washington de extremistas, amplamente anunciada.

Quando a primeira turma da Guarda Nacional foi afinal autorizada a chegar até o Capitólio, já haviam ocorrido quatro das cinco mortes durante a invasão e vandalização do Congresso dos EUA.

Há horas que senadores e deputados tinham que se esconder para não caírem nas mãos da turba, que gritava pelos corredores “Enforquem Pence [o vice-presidente dos EUA]” e “Cadê a Pelosi”.

Antes, Trump havia dito que “Espero que Mike [Pence] faça a coisa certa. Se ele fizer, venceremos a eleição”. O jogo era contar com o Pence, a quem caberia presidir no Congresso o ato de certificação final, para que fraudar a eleição deixando de declarar Biden vencedor e devolvendo aos Estados os resultados, em que assembleias de maioria republicana mudariam o voto no Colégio Eleitoral, reconduzindo o bilionário à Casa Branca.

Pence e o líder republicano do Senado, Mitch McConnell, roeram a corda, e o plano “Frauda Pra Mim, Mike” foi pelo ralo. Na véspera, Trump chamara de ‘fake news’ informação do The New York Times dando conta da recusa de Pence.

“Ele nunca disse isso. O vice-presidente e eu estamos totalmente de acordo que o vice-presidente tem o poder de agir”, disse Trump em uma declaração, antes de listar várias opções que ele dizia que Pence teria sob a constituição: “Ele pode descertificar os resultados ou enviá-los de volta aos estados para mudança e certificação. Ele também pode descertificar os resultados ilegais e corruptos e enviá-los para a Câmara dos Deputados para um voto a favor de uma tabulação estadual”.

Na versão do general Piatt, “assim que” o Secretário do Exército Ryan McCarthy recebeu o pedido da Polícia do Capitólio para destacar a Guarda Nacional, “ele correu para o escritório do Secretário de Defesa em exercício para solicitar a aprovação”. No caso, um trumpista de quatro costados, ali postado como interino, para não ser vetado pelo Congresso, e fazer tudo que Trump mandasse.

O que está em contradição flagrante com o que ex-chefe da Polícia do Capitólio Sund afirmou ao Post, que o general Piatt lhe disse que não poderia imediatamente recomendar a McCarthy a autorização para o deslocamento [da Guarda Nacional], já que desordeiros pró-Trump haviam invadido o prédio.

Citando Sund e quatro autoridades na chamada de videoconferência, o Post registrou que o general Piatt disse que não “gostava do visual da Guarda Nacional em uma linha de policiamento com o Capitólio ao fundo”.

Em declaração na segunda-feira, o general Piatt negou tal “comentário” que lhe teria sido “atribuído pelo Chefe Sund no artigo do Washington Post”, observando, porém, que mesmo nessa declaração Sund deixaria claro “que nem eu, nem ninguém do [Departamento de Defesa], neguei o envio do pessoal solicitado”.

Na explicação do general, ele ficara ao telefone enquanto McCarthy se reunia com o Secretário de Defesa em exercício Christopher Miller, e que ele, Piatt, teria “deixado claro” aos participantes da teleconferência que “não era a autoridade de aprovação, mas que o Secretário McCarthy estava trabalhando na aprovação”.

Ainda segundo Piatt, ele aproveitou a longa demora para “trabalhar” com os participantes da videoconferência para “desenvolver um plano de implantação”.

“Isto incluiu opções de aliviar a aplicação da lei em toda a cidade para que esses ativos pudessem ajudar nas ações de aplicação da lei no Capitólio, ou usar a Guarda Nacional para estabelecer um perímetro no Capitólio para fornecer à aplicação da lei um ambiente seguro no qual conduzir as operações de compensação”, disse candidamente o tranqüilo general, numa situação de absoluto caos na capital Washington.

No final, concluiu, “a Guarda Nacional foi destacada para estabelecer o perímetro no Capitólio”.

Em suma, o que ele confirma é que, enquanto congressistas e a Prefeita Bowser pediam desesperadamente socorro para o Congresso invadido e o envio urgente da Guarda Nacional, essa era a última opção, sob a ótica militar.

Segundo o general Piatt, a autorização para ativar a Guarda Nacional veio “aproximadamente quarenta minutos depois daquela chamada iniciada”.

Sund, que se demitiu em meio à pressão dos líderes do Congresso no dia seguinte à invasão, relatou ao Post que o general Piatt havia dito que preferiria que a Guarda Nacional assumisse posições na capital, para permitir que “a polícia de D.C. respondesse no Capitólio”.

Mas outras informações dão conta de que, por ordem do Pentágono, na semana que antecedeu a invasão a “polícia de DC” havia sido desarmada, apesar dos apelos em contrário da prefeita Bowser.

O desacordo sobre a solicitação da Guarda Nacional e a autorização para seu envio surge quando os congressistas norte-americanos – e o país inteiro – tentam juntar as peças para descobrir o que aconteceu antes e durante a invasão do Capitólio, por uma turba de supremacistas brancos, nazistas, delirantes da seita Qanon e negacionistas da Covid, depois de insuflados por Trump, com o objetivo de impedir a certificação final da vitória do democrata Joe Biden nas eleições presidenciais de 3 de novembro e a ajudar a chamada “Bancada da Sedição” a virar a mesa, cassando a vitória de Biden.

Na entrevista ao Post, o ex-chefe de Polícia do Capitólio disse ainda que sua tentativa de contar com a Guarda Nacional antes de quarta-feira foi dificultada pelos principais operativos da segurança do Congresso, o Sargento-de-Armas da Câmara, Paul Irving, e o Sargento-de-Armas do Senado Michael, Stenger, que já renunciaram.

Na semana passada, o governador republicano do estado de Maryland, Larry Hogan, conhecido opositor de Trump no partido, em uma coletiva de imprensa deu detalhes sobre o impasse que perdurou por duas horas, impedindo que as tropas da Guarda Nacional fossem deslocadas para socorrer o Congresso dos EUA invadido.

Ele relatou como o líder democrata da Câmara, Steny Hoyer, que é deputado por Maryland, falou com ele, desde o porão do Capitólio, pedindo o envio da Guarda Nacional, cuja autorização supostamente teria sido dada pelo Pentágono, pelo menos essa era a informação que eles detinham.

“Ele estava gritando do outro lado da sala para Schumer [líder democrata no Senado], e eles iam e vinham dizendo que ‘nós temos a autorização’ e eu estou dizendo: não temos”.

A Guarda Nacional do estado de Maryland, para entrar em território federal (a capital, Washington), precisava de autorização do Pentágono, estava pronta para ir, mas a autorização não era dada.

Só “duas horas depois”, de acordo com o governador Hogan, ele recebeu o que chamou de “uma chamada ‘do nada’, não do secretário de Defesa [o interino, recém-nomeado por Trump], não através do que seria um canal normal”, mas do secretário do Exército, Ryan McCarthy, que deferiu o envio da Guarda Nacional.

Segundo outras fontes, foi preciso que a liderança democrata conseguisse acionar o Estado-Maior Conjunto do Exército dos EUA, que falou com o vice-presidente Mike Pence, e foi por esse caminho que o cerco trumpista ao Capitólio foi desbaratado.

Foi Trump que “acendeu o estopim que explodiu na quarta-feira no Capitólio. Cada dia que ele continuar no cargo, ele é um perigo para a República”, sublinhou o presidente do Comitê de Inteligência da Câmara, Adam Schiff, sobre os fatos do 6 de janeiro.