Steven Bannon, guru Trump, é indiciado por júri federal dos EUA
O ex-conselheiro sênior de Trump e guru das fake news, Steven Bannon, um dos mais notórios chefetes da invasão do Capitólio em 6 de janeiro, foi indiciado na sexta-feira (12) por um grande júri federal por duas acusações de desacato ao Congresso, após não cumprir uma intimação emitida pelo comitê seleto da Câmara que investiga o ataque e se recusar a apresentar a documentação pedida.
Como destacou o portal Axios, “é a primeira acusação desse tipo a sair da investigação do comitê sobre a insurreição do Capitólio – e a primeira vez que o Departamento de Justiça [o equivalente ao nosso Ministério da Justiça] acusa alguém por desacato ao Congresso desde 1983”.
Cada acusação de desacato ao Congresso acarreta um mínimo de 30 dias e um máximo de um ano de prisão, de acordo com o DOJ.
O comitê de investigação da Câmara, nas figuras da republicana Liz Cheney e do presidente, o democrata Bennie Thompson, saudaram o indiciamento, assinalando que “envia uma mensagem clara para quem pensa que pode ignorar o comitê restrito ou tentar bloquear nossa investigação: Ninguém está acima da lei”.
“Não hesitaremos em usar as ferramentas à nossa disposição para obter as informações de que necessitamos”, sublinharam.
O indiciamento veio no mesmo dia em que o comitê ameaçou enquadrar por desacato o ex-chefe de gabinete da Casa Branca Mark Meadows, depois que ele se recusou a comparecer a depoimento programado. Dezenas de outros ex-assessores de Trump estão também intimados.
Relatório do comitê de investigação evidenciara, com base em declarações públicas do próprio Bannon de 5 de janeiro, que ele “tinha conhecimento prévio sobre eventos extremos que ocorreriam no dia seguinte”. Em 21 de outubro, o desacato de Bannon foi votado por 229 a 202, com nove republicanos a favor da resolução.
No dia 6 de janeiro, dia em que o Colégio Eleitoral se reuniria para formalizar a certificação de Joe Biden como presidente eleito, um violento assalto ao Capitólio, que manteve o Congresso por horas sob ocupação de uma turba trumpista e chegou a suspender a certificação, chocou o mundo.
A marcha fora insuflada pelo próprio Trump, que desencadeara por semanas uma campanha contra o “roubo nas eleições” e para deter a certificação, e que desde a Casa Branca ficou vendo o circo pegar fogo. Um centro de poder paralelo foi montado no Hotel Willard, de onde os comparsas de Trump operavam.
Senadores, deputados e até o próprio vice-presidente tiveram de ser retirados às pressas e levados para locais secretos no Capitólio, enquanto o esquema trumpista retardou por horas o envio da Guarda Nacional para liberar o Congresso, apesar de insistentes pedidos nesse sentido.
No mês passado, o advogado de Bannon dissera que ele não cooperaria com a investigação da Câmara, alegando estar protegido por afirmação de privilégio executivo pelo ex-presidente Trump.
O que havia sido prontamente contestado por juristas e parlamentares, já que Bannon havia sido demitido por Trump em 2017 e, portanto, era um cidadão privado na época do ataque ao Capitólio de 6 de janeiro.
“O inferno vai explodir”
A vice-presidente da comissão de investigação, a republicana Liz Cheney, filha do vice de W. Bush, Dick Cheney, afirmou durante a discussão da convocação de Bannon para depor que “o que já conseguimos avançar em termos de conhecimento sobre os planos para o dia 6 de janeiro mostram que ele teve um papel importante na formulação destes planos”.
Em seu podcast, no dia 5 de janeiro, Bannon declarou que “o inferno explodiria” no dia seguinte. A deputada revelou que Bannon “estava no quarto do hotel Williard no dia 6 de janeiro”, o centro de poder paralelo a serviço da tentativa de golpe de Trump.
“Ao que tudo indica ele também tinha conhecimento detalhado dos esforços do presidente Trump para vender a milhões de americanos a fraude de que as eleições teriam sido roubadas, como muitos depoentes que participaram do ataque de 6 de janeiro atestam”.
Cheney disse ainda que o conhecimento privilegiado dos fatos por parte de Bannon apontam para a conclusão de que “Trump esteve pessoalmente envolvido no planejamento e execução do 6 de janeiro”. “Nós vamos até o fundo na investigação”, finalizou.
O procurador-geral do governo Biden (cargo que corresponde ao nosso ministro da Justiça), Merrick Garland, que vinha sendo acusado até mesmo de “inação”, afirmou que o indiciamento reflete “o compromisso inabalável” do DOJ.
“Desde meu primeiro dia no cargo, prometi aos funcionários do Departamento de Justiça que juntos mostraríamos ao povo americano por palavras e atos que o departamento cumpre o Estado de direito, segue os fatos e a lei e busca justiça igual perante a lei “, reiterou.
Além das investigações a cargo do comitê da Câmara, em paralelo têm surgido outros relatos sobre a gravidade dos fatos ocorridos no 6 de janeiro, como refletido no livro de Bob Woodward e Robert Costa, Peril (Perigo), e quão longe foi a desfaçatez e ousadia dos trumpistas.
“Bom senso”
Esta semana, em entrevista à ABC News, o ex-presidente Trump defendeu como “bom senso” a gritaria da turba trumpista de “Enforquem Mike Pence!”. Cinicamente ele disse não ter compreendido o porquê de seu vice-presidente não ter intervindo para mudar os resultados da vitória eleitoral do democrata Joe Biden nas eleições presidenciais, uma vez que presidia o Congresso.
“É bom senso, Jon [o entrevistador]. É senso comum que é suposto proteger. Como é que você pode – se sabe que o voto é fraudulento, certo? – como é que pode aprovar um voto fraudulento no Congresso? Como é que pode fazer isso?”, sublinhou, tornando claro que pretendia que o seu vice invalidasse os votos do Colégio Eleitoral nos cinco estados a mais em que Biden saiu vitorioso.
Trump disse ainda não ter ficado preocupado com a segurança de Pence, por estar “bem protegido”. “Ouvi dizer que estava bem”, acrescentou, mesmo com os seus acólitos trouxeram uma réplica de uma forca para a frente do Capitólio no dia da invasão.
Uma corte de apelação adiou até o dia 30 a decisão sobre a pretensão de Trump de continuar mantendo o “privilégio executivo” sobre documentos referentes ao dia 6 de janeiro, para impedir o acesso do comitê de investigação a papéis, registros telefônicos e gravações possivelmente comprometedores.
O presidente Biden, no caso, decidiu não alegar ‘privilégio executivo’ sobre esses documentos da Casa Branca. Uma juíza federal negara pedido de Trump, assinalando que não cabe já que ele não é mais presidente, mas ex-presidente, e não existe ‘privilégio executivo’ vitalício nos EUA, até porque não tem rei.