V Marcha pela Ciência em Minas Gerais

O desmonte sistemático das instituições de educação, ciência, tecnologia e inovação promovido pelo Governo Federal é uma demonstração inequívoca do projeto de destruição nacional em curso. Subordinado aos interesses dos grandes oligopólios financeiros e das potências estrangeiras, notadamente do imperialismo estadunidense, que têm por objetivo permanente manter o Brasil em uma condição de colônia exportadora de commodities, minando o seu desenvolvimento industrial, tecnológico e econômico, tal projeto tem redundado em retrocessos civilizacionais e no obscurecimento das perspectivas de construção de uma nação soberana e próspera, que garanta qualidade de vida e dignidade para o seu povo.

Por Paulo Basso*

Uma perspectiva histórica

Em seu premiado livro Armas, Germes e Aço: os destinos das sociedades humanas, de 1997, o biólogo evolucionista Jared Diamond desenvolve o instigante argumento de que a dominação de uma população sobre outra estaria vinculada a fundamentos militares (armas), tecnológicos (aço) e nas doenças epidêmicas (germes). Contradizendo visões de cunho racista, que explicavam os resultados das conquistas em termos de superioridade e inferioridade biológica, o autor apresenta uma visão muito mais complexa onde o desenvolvimento tecnológico de determinados povos possibilitou a ampliação dos seus domínios e a resistência imunológica a vários patógenos, resultando em poder econômico e político. Dessa forma, a diversidade das sociedades humanas é resultado das contingências ambientais e da dinâmica dos processos históricos e não de diferenças intrínsecas de aptidão e inteligência entre as populações.

Essa leitura, atual e pertinente, coloca em perspectiva histórica o que as forças políticas nacionalistas e desenvolvimentistas têm defendido diuturnamente: o Brasil será um país subalternizado, sem voz e sem vez no tabuleiro geopolítico mundial, enquanto não assumir um projeto de nação. Não seria prudente acreditar que essa tomada de posição depende única e exclusivamente dos desejos mais contundentes. As condicionantes históricas não podem ser superadas somente com voluntarismo. Entretanto, a compreensão do movimento da realidade e o apontamento de soluções efetivas são fundamentais para a constituição de uma nova maioria política, sustentada pelo esclarecimento da sociedade brasileira acerca da gravidade do momento histórico em curso e das consequências nefastas de se abrir mão de um projeto de nação.

Valendo-se do tripé proposto por Diamond, é possível citar alguns exemplos desses fatores de dominação na atualidade: 1- fundamentos militares: armas inteligentes, espionagem cibernética e capacidade de dissuasão nuclear; 2- fundamentos tecnológicos: big data, inteligência artificial, semicondutores, química fina e capacidade energética; 3- doenças epidêmicas: produção de vacinas, insumos e fármacos e capacidade de controle e contenção. Por outro lado, fica patente o elo entre esses fatores. Na atual quadra histórica, estão todos relacionados com o fortalecimento da pesquisa científica e da inovação tecnológica.

A resolução dos problemas e dos gargalos históricos, além dos que emergem do processo de desenvolvimento da humanidade e, em especial, da sociedade brasileira, como os relacionados à produção de energia, ao enfrentamento de pandemias, à geração de emprego e renda em um cenário de transformação nas cadeias produtivas, à destinação de resíduos, à mobilidade urbana, ao sistema de saúde pública, às mudanças climáticas, à prevenção e gerenciamento de desastres naturais, à utilização racional e sustentável da biodiversidade, além do soerguimento econômico em um cenário pós crise sanitária, deverá ser ancorada em uma política robusta de financiamento da ciência, da tecnologia e da inovação (CT&I), dialogando permanentemente com os setores educacional e industrial – umbilicalmente ligada a um novo projeto de desenvolvimento nacional.

Subalternidade concedida

Na contramão dessa perspectiva, o governo autoritário e ultraliberal do presidente Jair Bolsonaro atua no sentido do enfraquecimento das universidades, dos órgãos de fomento e das instituições de pesquisa. Assistimos ao desmantelamento de laboratórios e projetos de inovação, causando, entre outras mazelas, a evasão de pesquisadores para o exterior, uma fuga de cérebros que talvez só encontre paralelo na emigração de cientistas e pensadores durante o nazifascismo europeu, no período da Segunda Grande Guerra. É incomensurável o impacto negativo que isso tem causado sobre o presente e o futuro da sociedade brasileira, como um todo.

Cabe destacar que o caminho adotado pelos países desenvolvidos e em vias de desenvolvimento é o do investimento maciço em CT&I. Contrariando o mantra neoliberal do “Estado mínimo”, os principais atores da geopolítica global recorrem a soluções estatais para galvanizar suas economias. Países como EUA, Alemanha, China, Japão, Coreia do Sul e Israel vêm investindo por décadas, de maneira consistente e continuada, cerca de 2,5 a 4,5% do PIB em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D). Enquanto isso, no Brasil, esse investimento está em torno de 1% e vem caindo, sistematicamente. Resultando em cortes de 34%, em relação ao ano de 2020, o Governo Federal propõe que o orçamento para o setor de P&D, para esse ano, seja de irrisórios R$ 2,7 bilhões. Pode-se ter a dimensão exata da tragédia verificando que esses valores representam menos de um terço de uma década atrás.

Disputa entre projetos antagônicos

A batalha em curso tem mobilizado inúmeras instituições em defesa da ampliação e valorização da produção científica e tecnológica nacional. A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), sempre acompanhada de dezenas de outras instituições de ensino, pesquisa e inovação, tem atuado de maneira enfática para a garantia e ampliação dos recursos destinados para áreas tão sensíveis em uma perspectiva estratégica, deixando clara a importância do setor e as consequências deletérias decorrentes da política de desfinanciamento e sucateamento em curso.

Importante lembrar que a grande maioria da população brasileira entende a importância do setor. Pesquisa acerca da percepção pública da C&T, coordenada pelo CGEE/MCTI, realizada em 2018, aponta que cerca de 2/3 dos brasileiros (66%), acreditam que os investimentos em pesquisas científicas e tecnológicas devem ser ampliados. Não parece descabido aventar que, após o cenário de guerra instaurado pela pandemia da Covid-19, esse número tenha aumentado substancialmente.

Além disso, o Artigo 218 da Constituição Federal deixa claro o papel estratégico da pesquisa científica básica e tecnológica e da necessidade de tratamento prioritário por parte do Estado: “Art. 218. O Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa, a capacitação científica e tecnológica e a inovação. §1º A pesquisa científica básica e tecnológica receberá tratamento prioritário do Estado, tendo em vista o bem público e o progresso da ciência, tecnologia e inovação” (Brasil, 2005, p.154).

Uma das maneiras de analisar a história do Brasil, nos últimos cem anos, suas contradições e conflitos, é através da disputa entre dois projetos de País. De um lado, a busca pela implementação de uma nação autônoma e soberana, calcada no desenvolvimento e progresso nacional. Do outro lado, uma concepção de integração subordinada ao capital estrangeiro, apartada das aspirações do povo brasileiro e que se vale sempre do uso da força para manter seus privilégios e dominação. Esse embate e suas consequências trágicas perpassa todo o período varguista, a década que antecedeu ao golpe cívico-militar de 1964, o período ditatorial e toda a Nova República.

A profunda crise pela qual o Brasil atravessa pode ser melhor compreendida sob a ótica dessa disputa de projetos antagônicos. Por outro lado, como pano de fundo histórico, é esclarecedor citar a frase de abertura do capítulo 5, de Armas, Germes e Aço, onde o autor afirma que “boa parte da história humana é constituída de conflitos desiguais entre os que têm e os que não têm: entre povos que dominavam a agricultura e aqueles que não dominavam; ou entre aqueles que adquiriram esse domínio em diferentes momentos” (Diamond, 2001, p.91). Se substituirmos “agricultura” por CT&I teremos uma boa medida dos desafios que se apresentam.

 

Referências bibliográficas:

BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. 37ª. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2005. – (Coleção Saraiva de legislação).

DIAMOND, Jared. Armas, germes e aço: os destinos das sociedades humanas. 2ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2001.

 

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Paulo Basso* é professor no Centro para Desenvolvimento do Potencial e Talento – CEDET, Mestrando em Educação Profissional e Tecnológica, IFSULDEMINAS – Campus Poços de Caldas e Presidente do PCdoB Poços de Caldas/MG.

 

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