Se esse memorando desarmando a proteção ao Capitólio não é uma confissão de golpe, o que seria?

Memorando do ex-secretário de Defesa interino, Christopher Miller, dois dias antes do ataque de 6 de janeiro ao Capitólio confirma que o Pentágono desarmou deliberadamente os soldados da Guarda Nacional na véspera do golpe.

O memorando garantiu que os soldados seriam incapazes de se proteger, muito menos ao Capitólio, permitindo que milhares de neonazistas pró-Trump e supremacistas brancos subjugassem a Polícia do Capitólio, cujo contingente no local havia sido deliberadamente desfalcado. (Segundo Michael Moore, 80% da força recebeu ordens de ficar em casa no dia).

O julgamento do segundo impeachment de Trump, por “incitação à insurreição contra os Estados Unidos” terá início no próximo dia 8.

O titular do Pentágono, Mark Esper, havia sido demitido por Trump logo após a eleição de 3 novembro e trocado por Miller, que, por ser interino, não precisava da aprovação do Congresso.

O memorando, de 4 de janeiro de 2021, foi em resposta a pedido ao Secretário do Exército Ryan McCarthy para apoio à Guarda Nacional de DC (sigla que designa a capital dos EUA).

O memorando, junto com os documentos do FBI que vieram a público nas últimas duas semanas, contradizem diretamente as afirmações feitas por McCarthy após o golpe fracassado de que o Pentágono “não tinha inteligência” mostrando que o Capitólio poderia ser alvo de ataque potencialmente violento.

O memorando de Miller limitou a 340 os soldados disponíveis na capital, e ainda impôs à força restrições escandalosas. Internamente, o interino do Pentágono chamava o ato convocado por Trump de “defesa da Primeira Emenda” (a da liberdade de expressão).

DESARME

“Sem a minha autorização pessoal subseqüente”, deixou explícito no referido memorando o preposto de Trump no Pentágono, o interino Miller, a Guarda Nacional não está autorizada a:

* Receber armas, munições, baionetas, bastões, agentes antimotim ou equipamentos de proteção balística, como capacetes e coletes à prova de balas.

* Compartilhar “equipamento com agências de aplicação da lei” ou buscar apoio de qualquer unidade da Guarda Nacional não-DC.

* Realizar “buscas, apreensões, prisões ou outras atividades diretas de aplicação da lei semelhantes”.

* Usar “Ativos de inteligência, vigilância e reconhecimento” ou realizar “atividades de incidente, conscientização e avaliação”.

E ainda: “sem helicópteros ou quaisquer outros meios aéreos”.

Miller também proibia expressamente a Guarda Nacional de “interagir fisicamente com os manifestantes”, o que era disfarçado com a inócua observação de “exceto quando necessário em legítima defesa ou defesa de terceiros”.

Se isso não for uma confissão de que a Guarda Nacional na capital foi desarmada para facilitar a invasão do Capitólio pela turba trumpista, não se sabe o que seria, então.

Tal ordem de retirada geral contrasta fortemente com o esquema lançado na capital durante os protestos em 1º de junho do ano passado contra o assassinato do negro George Floyd.

Na ocasião, dois helicópteros militares, um BlackHawk e um Lakota com emblema da Cruz Vermelha, voaram baixo sobre os manifestantes em frente à Casa Branca, levantando sujeira e escombros. Manobras ameaçadoras manobras que violaram várias leis da autoridade federal de Aviação (FAA)e normas internacionais, que proíbem o uso de helicópteros médicos para dispersão de multidões.

Para completar a diretriz de desarmamento da Guarda Nacional da capital [‘Distrito de Colúmbio’], o interino Miller deixou claro que a cadeia de comando passava por ele e McCarthy e Miller, acrescentando que uma “força de reação rápida” de 40 pessoas deveria ser implantada apenas como um “último recurso”. Nesse caso, McCarthy era explicitamente instruído a informar Miller imediatamente.

Na semana passada, em entrevista ao Washington Post, o comandante da Guarda Nacional da capital, general William J. Walker, afirmou que antes do ataque de 6 de janeiro ao Congresso, o Pentágono o havia destituído de sua autoridade normal para enviar tropas ao Capitólio.

Walker disse ao Washington Post que teve que esperar a aprovação de McCarthy e Miller, atrasando a chegada dos soldados por aproximadamente quatro horas.

No estado-maior em operação no dia 6 estava, também, um general irmão do ex-conselheiro de segurança nacional de Trump, o notório Michael Flynn, adepto do QAnon e da instauração de lei marcial para fraudar a eleição em favor do presidente bilionário.

É atribuída a McCarthy a declaração, em meio aos pedidos desesperados de socorro de parte dos líderes do Congresso, de que “não lhe agradava o visual” dos soldados da Guarda Nacional enfileirados, “tendo ao fundo o Capitólio”.

O memorando de Miller é a mais recente confirmação de que o que aconteceu no dia 6 não foi apenas, um esparramo de alguns fanáticos pró-Trump, mas uma tentativa de impedir a certificação, pelo Congresso, da vitória nas urnas e no Colégio Eleitoral de Biden, orquestrada desde a Casa Branca e coordenada com altos escalões do Pentágono e polícia, assim como de integrantes do Partido Republicano (maioria substancial de deputados e sete senadores votaram contra a certificação da vitória de Biden nas horas seguintes ao fracasso do golpe).

Percepção que foi reforçada por vídeo divulgado pelo Post, da véspera do golpe, de uma câmera de vigilância, entre 19h30 e 20h30, que mostra um indivíduo de moletom colocando duas bombas, uma na sede de cada comitê nacional dos partidos Democrata e Republicano.

As bombas com mecanismo de tempo não foram descobertas por cerca de 18 horas, aproximadamente ao mesmo tempo em que a multidão estava violando o Capitólio em 6 de janeiro. Foram encontradas, não pelo FBI ou a polícia, mas por um civil. Ambas foram consideradas “em funcionamento” quando encontradas e foram desativadas.

O uso de bombas como medida diversionista para atrair a polícia para longe do Capitólio é a mesma tática que foi discutida pelos membros da milícia de extrema direita do Michigan e por Boogaloo Bois, que planejaram sequestrar e matar a governadora democrata Gretchen Whitmer no verão passado. A conspiração veio à tona e os líderes foram presos em outubro.

Também no fim de semana, vídeos e arquivos judiciais foram divulgados detalhando o plano executado por milícias de direita e grupos de vigilantes na preparação para o ataque. Em 5 de janeiro, o escritório do FBI em Norfolk, na Virgínia, emitiu um relatório de inteligência alertando sobre atividades violentas relacionadas ao evento de 6 de janeiro.

O Washington Post revelou que esses avisos incluíam um mapa detalhado mostrando o layout dos túneis que conectam o complexo do Capitólio, enquanto outro mapa tinha o título “criar perímetro”.

Os processos judiciais em curso mostram como vários grupos de extrema direita, incluindo os Proud Boys, cujo líder foi declarado um informante federal “prolífico” na semana passada, os Oath Keepers e os III Percenters, se envolveram em uma ação conjunta para invadir a Polícia do Capitólio pouco antes das 13h. A promotoria denunciou que as ações mostraram “planejamento, determinação e coordenação”.

Análise recente da CNN descobriu que das 150 pessoas que enfrentaram acusações federais até agora por seu papel no ataque ao Capitólio, 21, ou 14%, são atuais ou ex-militares. Outra compilação confirma que pelo menos outras 39, mas possivelmente 42, eram atuais ou ex-policiais.