Bolsonaro e Salles

A crise instalada no governo Jair Bolsonaro (PSL), com a escalada de críticas da comunidade internacional aos incêndios na Amazônia, provocou uma divisão no Planalto nos últimos dias. O núcleo militar voltou a ganhar força ao conduzir uma mudança de rumos no discurso do presidente. Em contrapartida, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, ficou isolado, sem papel relevante no processo de “redução de danos”.

Bolsonaro e Salles

Um dos fatores que contribuíram para agravar a crise foi, justamente, o discurso “oficial”, sobretudo depois que Bolsonaro insinuou que ONGs poderiam estar por trás de focos de incêndio. Com a incapacidade da pasta de Salles em dar respostas eficazes ao problema, contudo, entraram em cena os ministros Fernando Azevedo e Silva, da Defesa, que se tornou uma espécie de “porta-voz da crise”, e Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional (GSI).

As relações do presidente com a cúpula militar estavam estremecidas após uma série de episódios interpretada por um grupo de aliados como tentativa de tutelá-lo. A verborragia e a aproximação excessiva dos evangélicos incomodam os militares. Apontada como o pilar de sustentação do governo no começo, hoje a relação de Bolsonaro com parte dos militares é de desgaste. O socorro dos militares na crise da Amazônia, entretanto, impôs condições que o presidente deverá seguir.

Com a crise internacional, Bolsonaro precisou dos militares, dois deles ex-comandantes na Amazônia com autoridade para falar sobre a floresta: o ex-comandante do Exército Eduardo Villas-Bôas e Heleno – que havia perdido influência no processo decisório. Foi de Heleno a ideia de convencer Bolsonaro a editar decreto que autoriza o emprego das Forças Armadas para a Garantia da Lei e da Ordem (GLO) na Amazônia, de 24 de agosto a 24 de setembro.

Não por acaso, o pronunciamento de Bolsonaro em rede nacional na última sexta-feira – em que ele resolveu modular o discurso – trouxe um tom mais ameno, abandonando o confronto direto com o presidente francês, Emmanuel Macron, que havia chamado Bolsonaro de mentiroso em relação à realidade na floresta amazônica. “Estou sendo extremamente educado. Se ele [Macron] ligar, eu atendo”, comentou o presidente, no sábado, após sair do Palácio do Alvorada para um almoço com o vice-presidente, Hamilton Mourão, no Palácio do Jaburu.

Na avaliação de uma fonte do governo que acompanha o gabinete de crise criado na sexta-feira, as queimadas na Amazônia poderiam ter sido acudidas com a ação rotineira do Ibama em articulação com governos estaduais e forças policiais federais, como sempre acontece todos os anos. A condução do problema por Ricardo Salles, marcada pelo enfrentamento, no entanto, criou condições para ressurgir o poder dos militares.

Ao mesmo tempo, o ministro do Meio Ambiente passou a ser responsabilizado, dentro do núcleo político do governo, por uma crise “muito mais de imagem”, causada em grande parte por sua retórica agressiva, que ganhou proporção mundial inesperada. Não à toa, no sábado, em entrevista coletiva com o general Azevedo, na sede do Ministério da Defesa Salles estava mais contido e se limitou a dar respostas curtas.

O ministro buscou negar que o governo é permissivo com desmatamentos e afirmou que, desde o começo do ano, “tem tentado com muita força” promover ações de fiscalização na Amazônia. Mesmo mais discreto, no Twitter Salles chamou o presidente francês de “Mícron” e o ironizou sobre o anúncio de ajuda dos países do G-7 à Amazônia, dizendo que Macron poderia começar pagando os “US$ 2,5 bilhões de crédito do Brasil pendentes desde 2005”.

Diante das insatisfações no governo com essas e outras falas de Salles, os militares assumiram o protagonismo. Azevedo anunciou a atuação de 43 mil militares na região Norte do país e o desbloqueio de R$ 38,5 milhões do orçamento da Defesa para fins emergenciais que estavam contingenciados pelo ajuste fiscal. O militar ainda disse que as Forças Armadas atuariam em ações preventivas e repressivas contra ilícitos ambientais e contenção de incêndios, sob pedido dos estados. Governadores de sete pediram ajuda: Amazonas, Acre, Rondônia, Roraima, Mato Grosso, Pará e Tocantins.

Sob pressão interna e externa, Bolsonaro não fez o pronunciamento de TV e recorreu à ação militar – mas também determinou investigação da Polícia Federal sobre suspeitas de conluio entre fazendeiros e grileiros no Pará para incendiar florestas. O caso era conduzido pelo Ministério Público Federal.

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Da redação, com informações

Edição: André Cintra