“Sérgio Rubens foi plantado para florescer novos guerreiros como ele”
O último adeus a Sérgio Rubens de Araújo Torres, vice-presidente do PCdoB, foi um momento bucólico, sereno e emocionado sob uma frondosa árvore do cemitério da Vila Alpina, em que foram lembrados seus feitos e caráter, na tarde desta segunda-feira (6), após o falecimento em decorrência de um aneurisma. O amigo Carlos Lopes e a presidenta nacional do PCdoB e vice-governadora de Pernambuco, Luciana Santos, foram os únicos a dizer as últimas palavras, antes do enterro.
“Quando a gente perde um guerreiro, a gente não enterra ele, a gente planta, para que floresçam mais e mais guerreiros dessa luta pela humanidade”, disse Luciana.
Seu contato maior com o dirigente do PPL, foi por ocasião da incorporação do partido ao PCdoB, após a eleição de 2018. Segundo ela, a primeira impressão foi de “apaixonamento”, pelo homem tranquilo, sereno, de densa formação cultural. “A gente estava se encontrando num momento muito adverso, nada mais nada menos, que a vitória de Jair Bolsonaro, em que a nossas duas legendas, o PPL e o PCdoB, estávamos exercitando o que nos unia”, lembrou.
Ambos conheciam bem as trajetórias de ambos os partidos e movimentos de resistência à ditadura militar.
“Ali, fizemos o exercício da unidade. Ele dizia que nós, num momento como esse, devíamos buscar nossas convergências. Nós desejamos o mesmo para o Brasil, os brasileiros e brasileiras. Não queremos nada mais que o socialismo no Brasil. Temos formulações dos caminhos para onde chegarmos a isso. Somos marxistas e defendemos o socialismo científico. As nossas diferenças táticas são secundárias neste momento. Assim, ele agiu e praticou”, relata a dirigente comunista.
Ao longo do tempo, ela afirma ter tido a honra de conviver e admirá-lo cada vez mais, por sua consistência e capacidade de elaboração. “Antes de tudo pelo espirito partidário e de unidade que movia ele. Qualquer que fosse a circunstancia e o momento, ele era honesto intelectualmente, nunca deixou de afirmar suas convicções, sempre procurando o caminho de harmonizar”, observou Luciana.
Mas ela também notou que, cada um que conviveu mais intimamente com ele, “têm memória da afetividade, da generosidade, do cuidado”. “Isso parece óbvio, mas o verdadeiro comunista é aquele que, ao entender que esse mundo tem jeito, procura cuidar, formar, dar consistência ideológica, persistir. Ele era um formador de gerações, um educador; sei do quanto ele primava por isso”.
Luciana provocou risos ao dizer que, em sua paixão pelo cinema, não tinha uma semana que Sérgio não mandasse um filme para ela assistir. Ela mencionou o projeto recente dele, em parceria com a Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), de um cineclube para exibir os filmes que refletissem o debate da luta dos trabalhadores.
“Camaradas, Sérgio Rubens era um homem de perspectiva, e suas ideias estão entre nós e permanecerão como uma necessidade. Uma necessidade de um futuro que ele lutou para percorrermos e alcançar”, definiu.
“Nessas horas é fato que a gente se sente órfão, porque essas são pessoas insubstituíveis. Mas essa convicção que sempre moveu ele, desse mundo que a gente tanto persegue, recai sobre nós com mais responsabilidade ainda”, disse ela.
“Quando a gente perde um guerreiro, a gente não enterra ele, a gente planta, para que floresçam mais e mais guerreiros dessa luta pela humanidade. Ainda mais ele, que é um desses quadros políticos. Muitos de nós temos qualidades e defeitos, mas é impressionante como Sérgio era um quadro acima da média, porque conseguia reunir muitas qualidades difíceis de serem desenvolvidas por uma pessoa só.
Além de grande capacidade de elaboração teórica, tinha opinião própria, era um ideólogo de uma densa cultura. Por isso, falava com fundamento e consistência. Não havia nada que falasse que não fosse transformar a reflexão daquela circunstância e determinado momento”.
Ao dizer que sabia o quanto Sérgio era amado, Luciana embargou a voz, declarando a certeza do quanto ela passou a admirá-lo e amá-lo, também, por tudo que vinham construindo juntos.
“Ele teve um gesto de grandeza num momento que não era fácil encontrar. Afinal ele foi o sucessor de Claudio Campos, portanto um sucessor de um grande legado, de uma grande história. De grandes feitos da história e grandes momentos de virada da conjuntura brasileira”, dizendo do momento de incorporação do PPL ao PCdoB.
“Ele podia não engrossar essa fileira, mas fez um gesto político de grandeza, do tamanho das ideias dele e da estatura que ele era”, disse. “Podem ter certeza, camaradas, que esse legado que o Sérgio deixou pra gente, vamos fazer jus a ele, vamos ter que, cada vez mais, jogar luz e dar o peso e o tamanho que ele tem. E servir de referência para a gente e a nossa perspectiva”, garantiu. Luciana chamou um longo aplauso ao aclamar: Sérgio Rubens, presente!
O amigo
As despedidas começaram com as palavras amigas do diretor de redação da Hora do Povo, Carlos Lopes. Falou de sua relação de debate e aprendizado pelas décadas que conviveu diariamente com ele. “Sérgio era, e até agora foi, a alma do Hora do Povo. Ele era um homem extremamente inteligente, comprometido e rigoroso”, disse.
“Eu sabia perfeitamente que quando as coisas publicadas no jornal não estavam rigorosamente exatas, eu ia receber um telefonema que não ia ser agradável, E, no entanto, meus amigos, era o que ele devia fazer mesmo e isso foi bom para todos nós”, prosseguiu o jornalista.
Carlos apontou as qualidades que tornavam Sérgio “tão especial”. “É fundamentalmente a identificação dele com tudo que é humano”, disse, parafraseando do latim o “nada do que é humano me é estranho”. Para Sérgio, o homem só se desumaniza naquilo em que erra, e faz de ruim para desumanizar o outro. Isso era o que ele não suportava.
“Desde cedo, desde secundarista, na ligação dele com a cultura, na ligação com a luta do povo brasileiro, ele foi um homem de partido. Brecht, poeta que ele gostava muito, escreveu uma coisa muito importante: ‘um homem sem partido é um homem medíocre’. E isso, Sérgio compreendia muito bem. Ele sempre foi um homem de partido”, destacou o dirigente do PCdoB.
Mas Carlos aponta também o cuidado com a família, para além da dedicação à política. “Eu como amigo pessoal dele, várias vezes conversamos sobre os netos. E em tudo era aquele sentimento de humanidade e de humor. Era um homem severo, mas ao mesmo tempo um homem de uma compreensão imensa”, prosseguiu.
Carlos relata ter conhecido Sérgio pessoalmente em 1978, durante as conferências regionais para o II Congresso do MR8, em Alagoinhas (BA). “Eu estava bastante mal e disse algumas besteiras. No intervalo ele me chamou e começou a fazer perguntas. A capacidade do Sérgio de fazer perguntas que ninguém tinha pensado ainda, para descobrir a verdade, para fazer com que a gente estudasse era impressionante”, relatou, apontando a questão da educação e formação do trabalhador como uma necessidade imprescindível para a tomada do poder.
Carlos Lopes enfatizou que “nós perdemos um grande homem”. “Engels, no enterro de Marx, disse que uma das qualidades impressionantes de Marx é que ele nunca teve um inimigo pessoal. E a mesma coisa nós podemos dizer do Sérgio, durante toda sua vida. Era preciso ser um canalha para ser inimigo pessoal do Sérgio.”, concluiu o jornalista.