Chefes da diplomacia dos EUA e da Rússia, Blinken e Lavrov, na Cúpula do Ártico

O ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, chamou de “construtivas” as discussões mantidas na quarta-feira (19) com o seu homólogo norte-americano, Antony Blinken, à margem da Cúpula do Ártico, na Islândia, e disse ter sentido uma disposição de Washington de reparar as relações com Moscou “em escombros”, atualmente no ponto mais baixo desde o fim da Guerra Fria.

O que reflete a transformação nos últimos anos da russofobia em elemento chave da política interna norte-americana, acompanhada pela decretação em massa de sanções e expulsão de diplomatas, ao que se soma o rompimento de acordos estratégicos em vigor há décadas.

A Cúpula do Ártico reúne os países da região em torno do Polo Norte, incluindo Dinamarca (Groenlândia), Islândia, Noruega, Suécia, Finlândia, Rússia, Estados Unidos e Canadá.

Expressão desse quadro, no momento o embaixador russo nos EUA está em Moscou para ‘consultas’ e o embaixador norte-americano voltou para os EUA atendendo ‘sugestão’ do próprio Lavrov, na seqüência de uma ofensa gratuita ao presidente Putin feita em uma entrevista pelo presidente Biden.

Foi a primeira reunião cara a cara entre os chefes da diplomacia das duas maiores potências nucleares do mundo, desde a posse de Biden. As conversas duraram duas horas – “mais do que o planejado”, como observou Lavrov.

“Acredito que tivemos uma conversa muito construtiva. Vamos reportar aos nossos presidentes. Há uma compreensão da necessidade de superar a situação doentia que se desenvolveu nas relações entre Moscou e Washington nos anos anteriores. Senti que Anthony Blinken e sua equipe estão determinados a fazer isso”, disse Lavrov. “Estamos prontos para fazer nossa parte”, sublinhou.

“Temos diferenças significativas na avaliação da situação internacional e na abordagem das tarefas que precisam ser resolvidas para normalizá-la. Nossa posição é muito simples: estamos prontos para discutir qualquer assunto, sem exceção, desde que essa discussão seja honesta, com os fatos sobre a mesa e, claro, com base no respeito mútuo”, afirmou Lavrov.

O chefe da diplomacia russa acrescentou que “como potências nucleares líderes”, um dos principais problemas com que a Rússia e os EUA se defrontam “é a responsabilidade de garantir ‘a estabilidade estratégica’”

“Reiteramos nossa disposição para iniciar o diálogo e considerar todos os fatores que influenciam a estabilidade estratégica, incluindo [armas] nucleares e não nucleares, ofensivas e defensivas”, disse Lavrov.

Respondendo a repórteres, Lavrov disse que “é claro que abordamos o trabalho das missões diplomáticas russas nos Estados Unidos e das missões dos Estados Unidos na Rússia; esse ciclo vicioso de golpes que foi iniciado pelo presidente Obama quando estava deixando a Casa Branca” e mantido no governo Trump. “Ninguém está interessado nesta reação em cadeia”, acrescentou.

Em um breve comunicado divulgado pelo Departamento de Estado após a reunião, o porta-voz Ned Price expressou sua percepção do que aconteceu na Islândia. Ele apontou áreas em que Washington e Moscou têm interesses comuns, como o Afeganistão, a ‘restrição dos programas nucleares do Irã e da República Popular Democrática da Coreia’, e Armênia-Azerbaijão, em que EUA e a Rússia deveriam “unir esforços”.

A declaração, apesar de registrar que Blinken busca “uma relação mais estável e previsível com Moscou”, aproveitava para reclamar que um cidadão norte-americano foi condenado por espionagem na Rússia, além da costumeira arenga sobre a ‘ingerência russa na Ucrânia’.

Ainda mais cínica dado que foi a CIA que operou o golpe de 2014 junto com neonazis – taí Victoria Nuland e seu telefonema célebre para comprovar -, que resultaram na revolta antifascista no Donbass e no referendo da Crimeia de reunificação com a Rússia.

Já Blinken, pelo Twitter, sentiu necessidade de asseverar que falou a Lavrov sobre “Navalny”. No início do dia, Washington anunciara que não iria mais sancionar a empresa do gasoduto Nord Stream 2, o que foi recebido em Kiev e no Congresso dos EUA com exasperação. Mas as sanções contra as embarcações russas que o constroem foram mantidas.

Na semana passada, ao recepcionar em Moscou o secretário-geral da ONU Antonio Guterres, Lavrov havia rechaçado a nova fórmula com que o governo Biden vem buscando remendar o abalado domínio unilateral dos EUA sobre o planeta, a tal “ordem mundial baseada em regras”. Regras feitas por Washington e meia dúzia de países ocidentais, passando ao largo da Carta da ONU e da lei internacional e visando sabotar o multilateralismo.

Antes disso, a movimentação de tropas russas, dentro de suas fronteiras, quando o atual regime de Kiev ensaiou nova operação punitiva contra a população do Donbass e emitiu novo chamado à anexação pela Otan, mais a advertência de Putin sobre as “linhas vermelhas”, injetaram uma lufada de ar fresco no Mar Negro, e até dois barcos de guerra dos EUA deram meia volta.

Esta semana, a Duma aprovou a saída da Rússia do Tratado de Céus Abertos, do qual Washington se retirou sob Trump e ao qual não foi até aqui reconduzido por Biden, apesar dos muitos gestos russos nesse sentido.