“No sobrevoo vimos que a comunidade estava queimada. Segundo relatos, viviam lá, cerca de 24 yanomamis, mas não havia ninguém. Em todos meus 35 anos, nunca vi isso. Um Yanomami não abandona sua casa, a menos que seja uma situação muito grave. Quem queimou? Por que queimou? Para onde eles foram?”, questionou Júnior Hekurari, presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Yek’wana (Condisi-YY) em entrevista ao Mídia Ninja.

A comunidade indígena Aracaçá, do povo Yanomami, em Roraima, localizada a 390 quilômetros da capital Boa Vista, teve suas casas queimadas e cerca de 20 moradores seguem desaparecidos.

O abandono de suas casas, atribuída aos Yanomami, estaria ligada ao estupro e assassinato de uma menina de 12 anos e ao desaparecimento de um menino de quatro anos na semana passada. Não se sabe ainda quem incendiou a aldeia, mas há suspeitas que garimpeiros sejam os autores desse e dos outros  crimes. A menina foi seqüestrada junto a uma tia dela e o primo, de 4 anos. A tia tentou defender a garota e foi empurrada para dentro de um rio.

A denúncia do assassinato da adolescente foi feita por Júnior Yanomami na terça-feira (26/04). Ele também já havia denunciado o sequestro da criança.

Estima-se que mais de 20 mil garimpeiros estejam atuando ilegalmente em território homologado, praticando crimes de diversas naturezas. Os indígenas são os alvos desses criminosos. Mulheres, jovens, adolescentes e crianças são as principais vítimas.

A FUNAI e a Polícia Federal afirmaram em nota que “não foram encontrados indícios da prática dos crimes de homicídio e estupro ou de óbito por afogamento”. Os agentes destruíram barracões e equipamentos de exploração mineral em um acampamento de garimpeiros nas proximidades da aldeia incendiada. As investigações seguem, inclusive com envolvimento do Ministério Público Federal.

Entretanto, Júnior informou em nota oficial que o que pode ter ocorrido é que os moradores queimaram a comunidade por conta da morte de um ente querido. Como parte da cerimônia fúnebre, a adolescente também pode ter sido cremada, indicando que houve uma morte e que ela foi alvo de muita comoção. Isso pode ter levado os moradores da comunidade a migrarem para outro local.

Hekurari Yanomami disse ainda que outros Yanomami foram interrogados pela PF, mas é possível que tenham sido cooptados e coagidos por garimpeiros para atrapalhar as investigações. Representantes indígenas, que acompanharam a PF na operação, alegam que os moradores da aldeia estão sendo coagidos pelos criminosos, que compraram com ouro o silêncio sobre o caso.

“Após insistência, alguns indígenas relataram que não poderiam falar, pois teriam recebido 0,5 gramas de ouro para manter o silêncio”, afirmou o Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Ye’kwana (Condisi-YY), em nota. “[Os indígenas] relataram ainda que outros crimes já aconteceram na região e que, recentemente, um recém-nascido foi levado para a capital [de Roraima], Boa Vista, por um garimpeiro que alegava ser o pai da criança”.

A violência contra os yanomamis provocou uma enxurrada de tweets cobrando providências do governo Bolsonaro em relação à invasão de garimpeiros à Terra Indígena Yanomami.

“Levaram a jovem Yanomami, sangraram a jovem Yanomami, mataram a jovem Yanomami. Um bebê Yanomami foi afogado. Os Yanomami todos desapareceram. O Brasil vai reagir? Tristes tempos, trópicos malditos!”, denuncia Adriana Dias.  “Cadê os Yanomami? Você tem ideia do quanto isso é absurdo? Uma comunidade dizimada e não há nenhuma resposta até agora sobre o que aconteceu. O genocídio dos povos originários é uma das marcas do desgoverno Bolsonaro”, critica Klaysson, jornalista e youtuber.

 “Mais um dia sem respostas! Cadê os Yanomami? Uma comunidade desapareceu após sofrer ataques de garimpeiros. As casas do local foram queimadas. E não há respostas sobre o que de fato ocorreu ali. Cadê os Yanomami?”, Pergunta Leandro Barbosa, jornalista e ambientalista.

“Se jogassem uma criança de 3 anos de algum bairro chique em um rio, estuprassem até a morte uma outra de 12 e ameaçassem 25 moradores que depois desapareceram e tiveram suas casas incendiadas isso estaria nas capas de jornais e no plantão, mas como é com Yanomamis de Roraima…”, compara Karibux, Jornalista indígena, idealizadora do @ProIndigenas e co-idealizadora do boletim #IndígenasECovid19

Apuração

Além da revolta dos internautas, os crimes cometidos contra os povos da floresta também mobilizaram os poderes da República. Por meio da ministra Carmen Lúcia, o Supremo Tribunal Federal (STF) cobrou uma apuração rigorosa do caso. A magistrada é relatora da ação que derrubou decretos do governo federal que restringiam a participação pública em colegiados de política ambiental. “Não é mais pensável qualquer espécie de parcimônia, tolerância, atraso ou omissão em relação à prática de crimes tão cruéis e gravíssimos”, disse Carmen Lúcia.

O presidente da Corte, ministro Luiz Fux, assinalou que a situação dos yanomami representa um “momento trágico da vida brasileira” e que os crimes que estão sendo cometidos na Reserva precisam ter uma “solução exemplar”.

Já a Comissão de Direitos Humanos do Senado aprovou requerimento para diligência externa em Roraima. O documento foi apresentado pelo presidente do colegiado, Humberto Costa (PT-PE). A viagem dos senadores está prevista para 12 de maio. O objetivo é apurar quais são as medidas que estão sendo tomadas no enfrentamento ao garimpo ilegal.

“Este colegiado tem de ir presencialmente àquela região para acompanhar as medidas que estão sendo tomadas para preservar esta comunidade e, também, tomar as ações necessárias para garantir o cumprimento dos direitos invioláveis deste povo”, defendeu no documento.

No requerimento afirma que é “obrigação” da CDH tomar providências contra esta “mazela que está matando os Yanomami”, e que o “Estado brasileiro ainda é omisso e está deixando a comunidade Yanomami desaparecer”.

Garimpo responsável por mortes

O relatório Conflitos no Campo Brasil 2021, divulgado em abril pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) revela que o garimpo ilegal é responsável por 92% das mortes por confrontos no campo. Durante 2020 – segundo ano do mandato de Jair Bolsonaro – a entidade identificou nove mortes por conflitos no campo em todo o território nacional. Em 2021, o número saltou para 109, um aumento de 1.110%. Desse total, 101 mortes foram de indígenas Yanomami provocadas por ações de garimpeiros.

A advogada e coordenadora do CPT, Andréia Silvério, avalia que esse cenário resulta da atuação desse (des)governo em favor dos garimpeiros. Modificações na legislação e na estrutura da administração pública diminuem a capacidade de órgãos federais ligados à proteção do meio ambiente e dos povos indígenas, aponta.

“Bolsonaro visitou a Terra Índigena (TI) Yanomami em 2021. Ele esteve lá e fez a defesa do garimpo dentro do território, contra a representação das próprias lideranças da associação indígena que estava presente durante o encontro”, lembra Silvério.