Declaração do líder republicano McConnell eleva desgaste de Trump em seu próprio partido

Após a votação do julgamento do ex-presidente Donald Trump no Senado no sábado, em que faltaram os votos de dez republicanos para a aprovação do impeachment, o líder da minoria no Senado, Mitch McConnell, contrariando o próprio voto que emitira minutos antes, confessou que o então chefe da Casa Branca era “prática e moralmente responsável” pelo assalto ao Capitólio, acrescentando que os invasores fizeram o que fizeram “porque foram alimentados com falsidades selvagens pelo homem mais poderoso da Terra – porque ele estava com raiva por ter perdido uma eleição”.

As pessoas que invadiram este prédio – continuou McConnell – “acreditaram que estavam agindo de acordo com os desejos e instruções de seu presidente”. “Ter essa crença era uma consequência previsível do crescendo de declarações falsas, teorias da conspiração e hipérboles imprudentes que o presidente derrotado gritava no maior megafone do planeta Terra”.

Em uma declaração na noite de sábado, o presidente Joe Biden disse que “a substância da acusação [contra Trump] não está em disputa” e observou a natureza bipartidária da votação , com sete republicanos votando com os democratas para declarar Trump culpado.

“Embora a votação final não tenha levado a uma condenação, o conteúdo da acusação não está em disputa. Mesmo aqueles que se opõem à condenação, como o líder da minoria no Senado McConnell, acreditam que Donald Trump foi culpado de ‘negligência vergonhosa do dever’ e ‘ praticamente e moralmente responsável por provocar ‘a violência desencadeada no Capitólio’”, destacou Biden

“Temos uma maioria clara e convincente de membros do Congresso de que o presidente realmente incitou a insurreição violenta contra a União e contra o Congresso”, sublinhou o líder da equipe de acusação, o deputado e professor de direito constitucional Jamie Raskin. Para ele, a Acusação saiu vitoriosa na argumentação de que Trump tentou interromper a transferência pacífica do poder e impedir a certificação do Congresso para as eleições de novembro.

“Povo está ciente do que Trump fez”

“Foi a maior votação bipartidária que já existiu”, afirmou o senador republicano Pat Toomey, que votou para deter a Trump. “A maioria dos senadores acreditava que ele era culpado. Não os dois terços necessários para realmente condenar pelos nossos padrões constitucionais, mas essa é uma repreensão extremamente poderosa. E isso não vai embora. O povo americano está ciente do que ele fez.”

Sete senadores republicanos votaram pela condenação de Trump pela “incitação à insurreição” e na Câmara foram 10 deputados. Sob o poder de fogo do gabinete do ódio de Trump e ameaça de se tornarem alvos preferenciais de neonazistas e delirantes do QAnon, não era propriamente fácil aos parlamentares republicanos romper com o ex-presidente.

“Não vejo como, depois que o público americano viu toda a história apresentada aqui – não apenas em um trecho neste dia e outro naquele -, mas todo esse cenário que foi exposto diante de nós, eu não vejo como Donald Trump poderia ser reeleito para a presidência, simplesmente não vejo isso”, enfatizou a senadora republicana Lisa Murkowski.

O voto do senador republicano Richard Burr pela punição de Trump foi considerado uma agradável surpresa. “Pelo que ele fez e pelo que não fez, o presidente Trump violou seu juramento de preservar, proteger e defender a Constituição dos Estados Unidos”, afirmou Burr. “Minha esperança é que, com a votação de hoje, a América possa começar a avançar e se concentrar nas questões críticas que nosso país enfrenta hoje.”

Na véspera, mais trincas no muro trumpista. A ex-embaixadora na ONU e ex-governadora, Nikki Haley, até então tida como fiel escudeira do presidente bilionário, disse que Trump “percorreu um caminho que não deveria ter seguido, não devíamos tê-lo seguido, e não devíamos tê-lo ouvido. Não podemos deixar que isso aconteça novamente.”

 

“Enforquem Pence”

O dia 6 de janeiro “foi uma desgraça”, acrescentou o número 1 dos republicanos no Senado. “Os cidadãos americanos atacaram seu próprio governo. Eles usaram o terrorismo para tentar impedir a transição democrática de poder de que não gostavam. Companheiros americanos espancaram e ensanguentaram nossa própria polícia. Eles invadiram o plenário do Senado. Eles tentaram caçar o presidente da Câmara. Eles construíram uma forca e gritaram sobre o assassinato do vice-presidente”.

Em suma, assumindo cada uma das imputações apresentadas pelos promotores indicados pela Câmara de “incitamento” contra o governo norte-americano e contra a democracia, mas sem se dispor a tirar a conclusão lógica de repelir inequivocamente tamanha agressão às instituições democráticas do país.

Conforme McConnell – que, repita-se, votou contra o impeachment -, a questão “não é apenas a linguagem destemperada” de Trump em 6 de janeiro. “Não é apenas o seu endosso às observações em que um associado pediu ‘julgamento por combate’”.

“Foi também toda a atmosfera fabricada de catástrofe iminente; os mitos cada vez mais selvagens sobre uma eleição avassaladora que estava sendo roubada em algum golpe secreto de nosso agora presidente”, ele enfatizou.

Após relembrar sua defesa do “direito do presidente [Trump] de trazer qualquer reclamação” aos tribunais, McConnell destacou que “o sistema jurídico falou. O Colégio Eleitoral falou. Quando me levantei e disse claramente na ocasião, a eleição estava resolvida”.

Realidade que, como apontou o líder republicano no Senado, “abriu um novo capítulo de reivindicações ainda mais selvagens e infundadas”.

“Foi num crescendo cada vez maior de teorias da conspiração, orquestrado por um presidente cessante que parecia determinado a derrubar a decisão dos eleitores ou incendiar nossas instituições na saída”, assinalou o senador McConnell.

“O líder do mundo livre não pode passar semanas trovejando que forças sombrias estão roubando nosso país e depois fingir surpresa quando as pessoas acreditam nele e fazem coisas imprudentes”, apontou o veterano senador republicano.

“O que quer que nosso ex-presidente afirme que pensou que poderia acontecer naquele dia … qualquer reação que ele diga que pretendia produzir … naquela tarde, ele estava assistindo à mesma televisão ao vivo que o resto do mundo. Uma multidão estava atacando o Capitólio em seu nome. Esses criminosos carregavam seus estandartes, penduravam suas bandeiras e gritavam sua lealdade a ele”.

“Era óbvio que apenas o presidente Trump poderia acabar com isso”, ressaltou o republicano. “Antigos assessores imploraram publicamente que ele o fizesse. Aliados leais ligaram freneticamente para o governo. Mas o presidente não fez seu trabalho. Não tomou medidas para que a lei federal pudesse ser fielmente executada e a ordem restaurada”.

Após lembrar relatos públicos sobre como Trump assistiu “feliz” ao caos pela televisão, aparentemente McConnell se espantou em como o chefe da Casa Branca continuava “pressionando seu esquema para derrubar a eleição!”.

O líder da bancada republicana no Senado, então, denunciou a caçada ao vice-presidente Mike Pence: “mesmo depois de ficar claro para qualquer observador razoável que Pence estava em perigo … mesmo enquanto a multidão carregando faixas de Trump estava espancando policiais e violando perímetros … o presidente postou um novo tweet atacando seu vice-presidente”.

McConnell também registrou os supostos acenos de “paz” de Trump aos invasores do Capitólio. “Ele não ligou imediatamente para que o motim acabasse. Mesmo com policiais sangrando e vidros quebrados cobrindo o chão do Capitólio, ele repetia mentiras eleitorais e elogiava os criminosos”.

O líder da maioria republicana no Senado durante todos os quatro anos de mandato de Trump repudiou, ainda, como nas últimas semanas “os associados de nosso ex-presidente tentaram usar os 74 milhões de americanos que votaram pela reeleição dele como uma espécie de escudo humano contra as críticas”.

“74 milhões de americanos não invadiram o Capitólio. Várias centenas de manifestantes o fizeram. E 74 milhões de americanos não arquitetaram a campanha de desinformação e ódio que a provocou. Uma pessoa fez”.

No discurso pós-julgamento, McConnell assinalou que o fato do impeachment não ter passado não encerra, do ponto de vista legal, o caso. “Temos um sistema de justiça criminal neste país. Temos litígios civis. E os ex-presidentes não estão imunes de serem responsabilizados por qualquer um deles”, acrescentou.

Fora isso, a parte final é uma espécie de folha de parreira, voltada a compatibilizar todas as imputações feitas por McConnell com seu voto “não” ao impeachment de Trump.

Na interpretação de McConnell, como não é possível proceder à remoção de Trump do cargo [pois o mandato já terminou], seria “inconstitucional” o julgamento, embora admita que seja uma questão “controversa”.

Argumentação derrotada em votação no plenário por duas vezes, repelida pelos juristas da atualidade e contrariada pelos precedentes históricos.

Na interpretação da CNN, o discurso de McConnell tem uma “mensagem clara”: “Trump não pode ser o futuro do Partido Republicano”. As palavras do líder da minoria republicana retratam o “desafio perante o Partido Republicano para seguir em frente”.

Por sua vez, a presidente da Câmara, Nancy Pelosi, repudiou a “covardia” dos senadores republicanos na votação do impeachment de Trump – inviabilizando que fosse sinalizado ao país e a todas as forças políticas que não serão toleradas tentativas de impedir a transmissão pacífica de poder.

Stacey Plaskett, uma das condutoras da acusação no julgamento no Senado, referindo-se ao derradeiro esforço para mover os senadores republicanos dessa cumplicidade com Trump, disse que “não faltaram testemunhas, o que faltou foram senadores republicanos com coluna vertebral”.

Plaskett se esquivou à indagação da mídia sobre já estavam em curso as medidas legais ex-impeachment assinaladas por McConnell.

“Vou deixar isso para a liderança”, afirmou. “Tenho certeza de que a liderança terá essas discussões e que Deus abençoe o procurador-geral da Geórgia, de Nova York, o gabinete do procurador distrital aqui em DC também.” Em Washington, os promotores federais que investigam o assalto ao Capitólio sinalizaram que “ninguém está acima da lei, incluindo Trump”.

 

(PL)