Senado condena Trump por 57 a 43 mas sem quórum para impeachment
Com apenas sete dos 17 republicanos que eram necessários para aprovar o impeachment de Trump (somados aos 50 democratas), o julgamento no Senado dos EUA, como esperado, terminou deixando Trump livre da dura condenação da lei, mas, do ponto de vista político, ampliou-se enormemente a percepção, entre os mais diversos setores da sociedade norte-americana, do seu caráter extremista e antidemocrático e do que esteve em jogo: impedir a transição pacífica de poder para o democrata Joe Biden.
Os republicanos que assumiram em público o rompimento com Trump foram Mitt Romney, Ben Sasse, Bill Cassidy, Susan Collins, Lisa Murkowski, Ben Sasse e Pat Toomey. Mitch McConnell, ex-líder da maioria republicana no Senado que responsabilizou explicitamente Trump pelo assalto ao Capitólio, votou pela absolvição.
A consequência mais de fundo do julgamento foi ter tornado muito mais evidente, do que se percebia no início, de que se tratou de uma tentativa de impedir a transmissão pacífica de poder para Joe Biden, ou, no popular, uma tentativa de golpe, cujo alvo não eram apenas democratas, como Nancy Pelosi ou Bernie Sanders, mas todos os que não aceitaram participar do complô, como o então vice, Mike Pence, vítima da ameaça “enforquem Pence”.
Talvez a cena definitiva daquele 6 de janeiro tenha sido a do segurança do vice Pence, carregando a maleta dos códigos nucleares, ao lado dele, na fuga desabalada para escapar – “por segundos”, como alguém descreveu – de cair nas mãos dos fanáticos açulados por Trump.
Também, os berros – que segundo o New York Times deveriam causar arrepios em qualquer mulher – de “Naaaancy, apareça para brincar”.
E a bandeira da escravidão, a bandeira confederada, conspurcando o Capitólio, com nazistas fazendo selfies.
Nos argumentos finais, o professor de direito constitucional e deputado, Jamie Raskin, reiterou que Trump foi o “incitador-chefe” da violência que aconteceu em 6 de janeiro e “apoiou a turba”.
“Provamos que ele traiu seu país, provamos que ele traiu a Constituição, provamos que ele traiu seu juramento de mandato”, disse Raskin.
“Senadores, este julgamento em última análise não é sobre Donald Trump, o país e o mundo sabem quem é Donald Trump. Este julgamento é sobre quem somos”, acrescentou.
“Agora está claro, sem sombra de dúvida, que Trump apoiou as ações da turba” em 6 de janeiro e então “ele deve ser condenado. É simples assim.”
Raskin disse que o ex-presidente ficou do lado daqueles que invadiram o Capitólio e falhou em proteger os legisladores, inclusive seu vice-presidente. Seu “abandono do dever … foi fundamental para seu incitamento à insurreição, e inseparável disso”, apontou.
A revelação do telefonema entre o então presidente e o líder do Partido Republicano, Kevin McCarthy, “confirma que Trump não estava fazendo nada para ajudar as pessoas nesta sala ou edifício”, apontou ainda Raskin.
E concluiu: “Trump deve ser condenado pela segurança e proteção de nossa democracia e de nosso povo”.
Outro dos promotores indicados pela Câmara, o deputado Joe Neguse, contestou as alegações da defesa sobre ‘falta do devido processo’ e de que a convocação aos arruaceiros para “lutarem” era só “retórica”.
“Tivemos uma apresentação completa de provas, apresentações da defesa, moções. O presidente foi convidado a testemunhar. Ele recusou. O presidente foi convidado a fornecer provas justificativas. Ele recusou. Você não pode alegar que não há o devido processo quando você não participa do processo”, disse Neguse em seu argumento final.
“Sabemos que este caso não exige uma análise jurídica complicada. Todos vocês vivenciaram isso. Os promotores e eu vivemos isso. Nosso país viveu isso”, acrescentou.
Sobre a encenação da defesa, mostrando vídeos em que democratas faziam a convocação a lutar, ele enfatizou: “o que você não vai encontrar nessas montagens de vídeo que eles mostraram é qualquer um desses discursos culminando em uma violenta insurreição no Capitólio de nossa nação”. “Essa é a diferença”.
Neguse advertiu sobre um futuro sombrio se os senadores não “se mostrassem à altura” e condenassem Trump. “As apostas não poderiam ser maiores”, disse ele.
“Porque a fria e dura verdade é que o que aconteceu em 6 de janeiro pode acontecer de novo. Senadores, isso não pode ser o começo”, concluiu. “Não pode ser o novo normal. Tem que ser o fim. Essa decisão está em suas mãos.”
Na manhã de sábado, chegou a ser aprovada a convocação de testemunhas (por 55 a 45), o que foi uma espécie de prévia do resultado da parte da tarde.
Acabou havendo um acordo bipartidário para que, ao invés da convocação de testemunhas, fosse incluída nos autos declaração da deputada republicana Herrera Beutler, que presenciou um acalorado telefonema entre o líder da minoria republicana na Câmara, Kevin McCarthy, e Trump, em que o então presidente se negou a agir em socorro dos parlamentares ameaçados pela turba.
A ligação havia sido de Trump, que queria convencer um senador republicano, Tommy Tuberville, a aderir ao complô da não-certificação da vitória de Biden.
O episódio é importante ainda porque nesse telefonema Tuberville informou Trump de que o vice-presidente Pence estava sendo evacuado do local pela segurança – e minutos depois Trump postou nova tuitada insuflando contra Pence.
Advogados da defesa de Trump e senadores da ‘bancada da sedição’ ameaçaram convocar “300 testemunhas” e sabotar qualquer entendimento bipartidário sobre o pacote de ajuda emergencial de Joe Biden de US$ 1,9 trilhão.
Com a extensão em vigor do seguro-desemprego prestes a expirar em meados de março, manter o país parado para discutir os crimes de Trump mostrou-se até mesmo aos líderes democratas um risco que não valia a pena correr, diante da urgência da aprovação do pacote emergencial e das tarefas da vacinação em massa.
Acabou prevalecendo o entendimento de completar o julgamento no sábado, sem a convocação de testemunhas, que chegou a ser votada.
Nova pesquisa Ipsos-Reuters divulgada no sábado mostrou que a maioria dos adultos dos EUA – 53% – acredita que o ex-presidente Trump deve ser impedido de concorrer a cargos públicos novamente. 50% disseram que votariam pela condenação de Trump no julgamento de impeachment no Senado, se votassem.
A pesquisa descobriu que 71% dos adultos dos EUA acreditam que Trump foi parcialmente responsável pelo tumulto. Metade dos republicanos entrevistados na pesquisa concordou que Trump foi parcialmente responsável. Foram ouvidos 998 adultos norte-americanos, com uma margem de erro de 4 pontos percentuais.