Senado começa julgamento de Trump por ataque à democracia
Começou nesta terça-feira (9) o julgamento de Donald Trump no Senado dos EUA por incitar uma turba a invadir o Capitólio no dia da certificação pelo Congresso da vitória da oposição na eleição presidencial, em cenas que chocaram o mundo, e pondo em risco a integridade física do vice-presidente Mike Pence, da presidente da Câmara, Nancy Pelosi, e de dezenas de deputados e senadores.
Ao apresentar o argumento inicial de acusação, o professor de direito constitucional e deputado democrata Jamie Raskin afirmou que “se provocar uma revolta insurrecional contra uma sessão conjunta do Congresso depois de perder uma eleição não é passível de impeachment, então nada seria”.
Ele exibiu um vídeo de cerca de dez minutos com trechos do discurso incendiário de Trump no comício do dia 6 de convocação a marchar até o Capitólio e lutar “como o inferno” e da devastação que se seguiu.
A bem dizer, o julgamento é no “cenário do crime”. Raskin, que encabeça a equipe de promotores designados pela Câmara responsabilizou Trump pela “exceção de janeiro”. Caso Trump seja condenado, o Senado poderá decidir por retirar seus direitos políticos, impedindo-o de voltar a se candidatar em 2024, como ameaça fazer. Com o país sob crise econômica e pandemia, a expectativa – inclusive a do presidente Joe Biden – é de que o julgamento seja rápido.
As argumentações da acusação e defesa devem durar ao menos três dias. O que será seguido por uma fase de perguntas por escrito dos senadores e jurados. Caberá ao senador Patrick Leahy, que preside o julgamento, distribuí-las entre acusadores e defensores. Após isso, os senadores terão que decidir se convocam, ou não, testemunhas.
Para que o impeachment passe, 17 senadores republicanos precisam se somar aos 50 senadores democratas para constituírem a exigida maioria de dois terços, o que até aqui parece improvável. Para a retirada de direitos políticos, a votação seria por maioria simples.
A alegação central da defesa de Trump é de que seria ‘inconstitucional’ julgá-lo, já que o mandato dele acabou.
Como advertiu o documento da Câmara sobre esse tipo de alegação, “se o Senado não julgar o presidente Trump (e condená-lo), corre o risco de declarar a todos os futuros presidentes que não haverá consequências, nenhuma responsabilidade, na verdade nenhuma resposta do Congresso se violarem seu juramento”.
Quanto à incitação golpista, seria segundo a defesa de Trump apenas ‘exercício da liberdade de expressão garantida pela 1ª Emenda’, tese que também se aplicaria à sua campanha ‘parem o roubo’ sobre a inexistente ‘fraude eleitoral”. Segundo o advogado Bruce Castor, Trump até mesmo “condenou” as ações de 6 de janeiro.
Trump chegou a mudar às pressas a equipe de defesa, pois a anteriormente designada renunciou, por discordar da insistência do ex-presidente em sustentar suas fabricações sobre “fraude eleitoral”. O outro advogado, David Schoen, criticou a exibição das imagens do frenesi trumpista no Capitólio, apesar de ele também usar um vídeo de democratas pedindo o impeachment de Trump desde 2017.
Schoen também falseou os fatos, ao alegar que a Câmara dos Deputados atrasou o processo de impeachment intencionalmente, para esperar a posse dos democratas no controle do Senado. É incontroverso que foi o então líder da maioria no Senado, o republicano Mitch McConnell, que se recusou a adiantar o fim do recesso para dar início ao julgamento do impeachment.
A denúncia contra Trump dos promotores da Câmara é uma peça robusta, de 80 páginas, que reitera que a conduta dele colocou em risco “os fundamentos do nosso governo” e foi uma violação profunda de seu juramento de “preservar, proteger e defender” a Constituição.
Como observou Raskin, Trump “nunca contestou os fatos que deram origem ao seu impeachment”. “Ele apenas declarou publicamente que o que fez foi apropriado.”
Antes mesmo da eleição, Trump já dizia que só perderia se houvesse fraude, preparando o terreno para a incitação.
Nas palavras do documento, Trump “fixou em janeiro 6 de 2021 – a data da Sessão Conjunta do Congresso – apresentando sua última e melhor esperança de reverter os resultados das eleições e permanecer no poder.” Antes, foram meses de mensagens, tuitadas e incitações aos supremacistas brancos e neonazistas, tipo Proud Boys, QAnon e outros fanáticos.
O documento acrescenta que “era óbvio e totalmente previsível que a multidão furiosa … estava preparada para a violência se uma faísca fosse acesa.” Faísca que veio no comício de 6 de janeiro com o advogado de Trump, Rudy Giuliani, pedindo um “julgamento por combate”, o próprio presidente anunciando que a coisa ia ficar “selvagem” e
mentindo que o Congresso tinha o poder de derrubar os votos eleitorais dos estados que ele perdera ou que Pence poderia unilateralmente rejeitar os votos certificados pelos estados.
“Trump passou meses usando seu púlpito agressivo para insistir que a sessão conjunta do Congresso” para contar os votos “era o ato final de um vasto complô para destruir a América”. “Como resultado … a multidão estava armada, furiosa e perigosa.” Por 50 minutos, Trump insuflou os gritos de “Parem o roubo!” e convocou a “lutar como o inferno!”.
O que foi seguido pela exortação de que “você nunca vai ter seu país de volta com fraqueza!”, que precedeu a ordem de marchar ao Capitólio.
O pedido de impeachment registra como os sediosos gritavam “enforquem Mike Pence” e o testemunho de um arruaceiro de que “a louca Nancy provavelmente teria sido rasgada em pequenos pedaços, mas ela não estava em lugar nenhum”. Alguns “rebeldes carregavam amarras com zíper, na esperança de fazer reféns”, acrescenta o documento.
Resta saber ainda se o debate no Senado poderá responder perguntas como a de porque a Guarda Nacional e a Polícia do Capitólio foram desarmadas e desguarnecidas nas vésperas do comício de Trump. Ou quem é responsável por retardar por horas a permissão de que Guardas Nacionais dos estados vizinhos socorressem o Congresso dos EUA. Ainda, o papel da chamada ‘bancada da sedição’, o grupo de oito senadores e mais de uma centena de deputados republicanos favoráveis a fraudar a eleição, descertificando o resultado dos estados.