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Uma nova categoria de trabalho semi-escravo explodiu na capital de São Paulo no último período. Os chamados “bike boys”, entregadores por aplicativos, que se utilizam de bicicletas, se multiplicaram nas ruas, avenidas, próximos aos grandes centros comerciais, batalhando para uma entrega.
São quilômetros percorridos, 12 horas por dia, sete dias por semana, para receber uma média de R$ 936 no mês. Esse é o levantamento feito pela Associação Brasileira do Setor de Bicicletas (Aliança Bike), coordenado pelo instituto Multiplicidade e apoiado pelo Laboratório de Mobilidade Urbana da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que traçou o perfil desses trabalhadores.
Sem qualquer vínculo empregatício, garantias trabalhistas ou direitos, já são cerca de 30 mil entregadores ciclistas cadastrados nos aplicativos somente na capital paulista.
Após entrevistas com 270 ciclistas em São Paulo, o levantamento concluiu que 75% desses profissionais têm idade entre 18 e 27 anos. Realizam diariamente dez entregas, a R$ 5 cada. Seis em cada dez ciclistas trabalham todos os dias da semana, sem folgas.
O entregador Erick Abrão, de 19 anos, conta que esse é o primeiro emprego dele. Ao completar 18 anos, ele começou a procurar trabalho. “Peguei a carteira de reservista no ano passado e fui tentar um emprego.
Erick visitou fábricas, lojas do centro de São Paulo e cadastrou seu currículo em sites de agências de emprego. “Só consegui umas entrevistas”, diz ele, que pegou sua bicicleta no começo de setembro e se cadastrou para as entregas via aplicativos. O plano, diz, é guardar dinheiro para prestar vestibular nos próximos anos. “Quero fazer engenharia civil”.
É mais uma consequência da política avassaladora de desemprego no país, que acaba deixando milhões de pessoas na miséria, ou criando “categorias”, como essa, que submete o trabalhador a um “emprego”, sem qualquer vínculo empregatício, ou garantias mínimas de segurança e saúde. E que anda é chamado de “empreendedor”.
De acordo com levantamento realizado pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Trabalho da Prefeitura de São Paulo, publicado no dia 3 de julho deste ano, os registros de microempreendedores individuais (MEIs) cadastrados no setor de entregas rápidas tiveram uma alta de 165% na comparação entre 2017 e 2018.
O índice é o maior representa a maior alta percentual entre todos os cadastros de MEIs. Com isso, a categoria de serviços de entregas rápidas passou ao 3º lugar entre as mais exercidas por “microempreendedores”.
DESCASO
Em julho, um entregador do aplicativo colombiano Rappi, especializado em delivery de comida, morreu após sofrer um acidente vascular cerebral (AVC) durante o trabalho. Segundo testemunhas, Thiago Jesus Dias, de 33 anos, teve um mal súbito e ficou aguardando socorro por cerca de duas horas.
De acordo com a cliente do aplicativo, a advogada Ana Luísa Pinto, logo ao chegar no local de entrega, o motoboy disse que estava com muita dor de cabeça, náusea e muito frio.
“Sentamos ele no chão, trouxemos cobertores para aquecê-lo e logo ele nos pediu para avisar a Rappi que a entrega tinha sido feita”, disse Ana Luísa.
Segundo a advogada, a empresa pediu para que a cliente registrasse o pedido para que a empresa conseguisse avisar os próximos clientes que não receberiam seus produtos no horário previsto.
“Entramos em contato com a Rappi que, sem qualquer sensibilidade, nos pediu para que déssemos baixa no pedido para que eles conseguissem avisar os próximos clientes que não receberiam seus produtos no horário previsto”, explicou.
A Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo (OAB-SP) classificou a morte de Thiago como um resumo “do desmonte de políticas públicas somada, concomitantemente, à ampla fragilização das relações de trabalho no Brasil”.