Secretário-geral da ONU adverte para risco de “uma nova Guerra Fria”
Na abertura da 76ª Assembleia Geral da ONU na terça-feira (21), o secretário-geral Antonio Guterres pediu “um multilateralismo renovado” com cooperação global, chamou de grande “falha ética” global o fato de as vacinas anticovid não serem distribuídas de forma uniforme no mundo, alertou que “o mundo nunca esteve tão ameaçado” – do assalto à paz às alterações climáticas, do fosso entre ricos e pobres e desigualdade de gênero à divisão tecnológica ou digital, passando pela pandemia – e advertiu contra “uma nova guerra fria” que poderia dividir o mundo em dois.
A “interdependência tem de ser a lógica do século 21”, exortou Guterres, alertando contra trilhar “o caminho sem fim para a destruição” ao invés de o “caminho da solidariedade”. A Assembleia Geral da ONU reúne mais de 100 chefes de Estado e Governo e representações diplomáticas de todos os 193 Estados-membros da organização. Para ele, grande parte dos problemas advém da pandemia de covid-19, que tem exacerbado as desigualdades sociais e econômicas no mundo.
Mas Guterres alertou sobre outra “doença contagiosa”: a desconfiança em vários níveis – sejam as teorias da conspiração que entram em contradição com a ciência, a população sem confiança nos seus governos ou ainda a falta de cooperação entre países em temas que necessariamente dependem do multilateralismo.
“As promessas não valem nada se as pessoas não virem os resultados no seu dia a dia”. Ele advertiu que essa constante falta de resultados e desesperança vem atiçando “os impulsos mais obscuros da humanidade”, como a apologia da supremacia cultural, domínio ideológico, misoginia violenta ou ataques aos mais vulneráveis, incluindo refugiados e migrantes.
Guterres também expressou sua preocupação com muitos locais onde “tantos foram deixados para trás”, e não prevalece a paz e o respeito aos direitos humanos, como Afeganistão, Etiópia, Myanmar, Sahel, Iêmen, Líbia, Síria e Haiti.
Sem nomear, Guterres advertiu sobre a divisão entre as grandes potências – numa referência implícita à investida dos EUA contra a China -, apontando que pode ser criado um mundo “muito menos previsível e muito mais perigoso do que a Guerra Fria”, disse o secretário-geral.
“Temo que o nosso mundo esteja a se arrastar para dois conjuntos diferentes de regras econômicas, comerciais, financeiras e tecnológicas, duas abordagens divergentes no desenvolvimento da inteligência artificial – e, em última análise, duas estratégias militares e geopolíticas diferentes”, acrescentou.
Sobre as transformações climáticas, Guterres reiterou a urgência da transição para energias renováveis e da redução da utilização dos combustíveis fósseis e carvão, assim como da redução de aos recursos naturais poluentes.
Guterres chamou a atenção para as consequências da pandemia com relação à retomada do desenvolvimento econômico. Enquanto as economias avançadas estão investindo “quase 28% do seu Produto Interno Bruto na recuperação econômica”, essa média cai para 6,5% nos países de renda média e “para 1,8% nos países menos desenvolvidos”, disse o chefe da ONU. As previsões do FMI indicam que nos próximos cinco anos o crescimento econômico per capita na África subsaariana seja 75% menor do que no resto do mundo.
No discurso, Guterres renovou o apelo pela reforma da arquitetura da dívida internacional, para que seja mais equitativa, e dos sistemas de impostos em todo o mundo, para deter a evasão fiscal, lavagem de dinheiro ou outros fluxos financeiros ilícitos.
Ele lembrou também os efeitos negativos da desigualdade de gênero e apelou por sociedades com “representação mais igual”, que são, consequentemente, “mais estáveis e pacíficas”.
“A igualdade das mulheres é essencialmente uma questão de poder. Devemos transformar urgentemente o nosso mundo, dominado pelos homens, e mudar o equilíbrio de poder, para resolver os problemas mais desafiadores de nossa época”.
Guterres defendeu, ainda, que o acesso à internet se torne um direito humano. Ele pediu estratégias para combater o armazenamento de dados pessoais que estão sendo usados comercialmente para lucros corporativos, ou ainda pelos governos para “controlar ou manipular comportamentos, violando direitos individuais ou de grupo e debilitando democracias”. Ele chamou, ainda, a criar mecanismo para “dar mais voz aos jovens, garantir educação de qualidade e dar mais poder àqueles que serão herdeiros do mundo de hoje”.
XI: “A vacina é a nossa arma poderosa contra a Covid-19”
Entre os oradores do primeiro dia, o presidente Xi chamou a vencer a Covid-19, respeitando a ciência, adotando uma abordagem baseada na ciência e seguindo as leis da ciência. “A vacinação é nossa arma poderosa contra a Covid-19”, apontou, acrescentando a necessidade de tornar as vacinas “um bem público global e garantir o acesso e o preço das vacinas nos países em desenvolvimento”. A China se esforçará para fornecer um total de dois bilhões de doses de vacinas ao mundo até o final deste ano.
Xi também convocou a “revitalizar a economia e buscar um desenvolvimento global mais robusto, mais verde e mais equilibrado” e esboçou a proposta de uma Iniciativa de Desenvolvimento Global, salientou.
Ele apontou que essa Iniciativa deverá ter como prioridade “o desenvolvimento com sustentabilidade”, com uma abordagem “centrada nas pessoas” para que seus frutos sejam compartilhados, “com ajuda aos países em desenvolvimento”, “compromisso com a inovação” para que todos aproveitem as oportunidades históricas criadas pela revolução tecnológica, e voltada “para a harmonia entre o homem e a natureza, criando uma comunidade de vida entre o homem e a natureza”.
Nesse sentido, Xi reafirmou os compromissos da China sobre a contenção de emissões de dióxido de carbono até 2030 e a meta de alcançar a neutralidade de carbono antes de 2060 e anunciou que seu país não financiará mais novos projetos de energia movidos a carvão no exterior.
Ele conclamou a “praticar o verdadeiro multilateralismo”: existe apenas um sistema internacional, ou seja, “o sistema internacional com as Nações Unidas em seu centro”. “E há apenas um conjunto de regras, ou seja, as normas básicas que regem as relações internacionais sustentadas pelos propósitos e princípios da Carta das Nações Unidas”.
Concluindo, ele chamou a “fortalecer a confiança e enfrentar conjuntamente as ameaças e desafios globais e trabalharmos juntos para construir uma comunidade com um futuro compartilhado para a humanidade e um mundo melhor para todos”.
Página virada
Em seu discurso, Joe Biden tentou capitalizar a fuga e derrota no Afeganistão, asseverando que “pela primeira vez em 20 anos, os Estados Unidos não estão em guerra, viramos a página”.
Poucos dias após criar uma nova aliança bélica no Indo-Pacífico, anunciando o fornecimento de submarinos nucleares à Austrália, ameaçando diretamente a China e o sudeste asiático – e criando um impasse com a França -, Biden asseverou que os EUA “não procuram uma nova Guerra Fria ou um mundo dividido em blocos”.
Como se não tivessem sido os EUA que romperam o chamado acordo nuclear com o Irã, Biden disse que Washington retornará totalmente ao acordo nuclear com o Irã se Teerã “fizer o mesmo”.
Como presidente do país que tem um orçamento militar que é maior do que o dos outros 10 países seguintes, Biden asseverou que os EUA só usarão a força militar “como último recurso” e garantiu que Washington quer abrir “uma era de diplomacia”.
A declaração seguinte deve ter causado pasmo em Paris. “Nos últimos oito meses, tornei uma prioridade reconstruir nossas alianças, revitalizar nossas parcerias e reconhecer que elas são essenciais para a segurança e prosperidade duradouras da América”, afirmou Biden.
Ainda acrescentou: “devemos trabalhar juntos como nunca fizemos antes”. “Renovamos nosso compromisso com a União Europeia” para enfrentar os desafios.
Se já não bastasse a cruzada norte-americana pela “nation building” ou “exportação da democracia” (especialmente para países ricos em petróleo), Biden anunciou o compromisso de “formar parcerias para promover a dignidade em todo o mundo” – seja lá isso que o for.
Ele também leu que “estamos em um ponto de inflexão na história”. Nosso governo é chamado a trabalhar “pela paz de todos”.
De certa forma, o discurso de Biden havia sido antecedido por chamada de capa do portal da CNN, de que ele iria para a ONU para tentar mostrar que “não era como Trump”. Um analista chinês acrescentou que a discussão vem evoluindo para que ele precisa provar que “não é pior que Trump”.
Raisi: “suspender as sanções”
O presidente Ebrahim Raisi disse que o Irã disse que é a favor de negociações nucleares para suspender “todas as sanções” e que seu país está pronto “para dar uma contribuição para a construção de um mundo melhor”.
Ele também apelou pelo fim das agressões externas e pelo direito de cada país decidir autonomamente seu destino nas urnas. Ele disse ainda que as sanções são “as novas armas de guerra da América” e denunciou seu impacto em plena pandemia.
Citando as cenas que ficaram para os livros de história “o ataque ao Congresso americano em 6 de janeiro” e “afegãos caindo de aviões americanos em agosto”, Raisi afirmou que o sistema hegemônico dos Estados Unidos está “desprovido de qualquer credibilidade dentro e fora do país”.
Tradicionalmente, o país que abre a Assembleia Geral da ONU, é o Brasil, deferência que é um reconhecimento ao papel do Brasil na derrota do nazifascismo. Como era previsível, Jair Bolsonaro só fez envergonhar o Brasil perante o mundo, tratando a Assembleia Geral das nações do planeta como se fosse o cercadinho de seus apoiadores no Palácio do Planalto, em que não faltou sequer a ‘defesa’ da cloroquina e ivermectina e uma mentirosa fala sobre a atuação ‘ambiental’ de seu governo. Entre os presidentes e chefes de Estado do G20, Bolsonaro era o único não vacinado.