Os comentários de Sanders sobre a relação entre judaísmo, antissemitismo e Israel é uma intervenção oportuna em um debate acalorado

“Criticar o governo de Israel não é antissemitismo”, é o que o pré-candidato a presidente dos Estados Unidos pelo Partido Democrata, Bernie Sanders, tem insistido em afirmar em diversos momentos de sua campanha atual (ele já foi candidato a representar os democratas nas eleições anteriores, ficando em segundo lugar nas primárias que levaram Hillary Clinton a ser a candidata, afinal derrotada por Trump).

Nesta terça-feira, em uma apresentação no Estado de New Hampshire, Sanders enfatizou: “Como alguém que se orgulha de ser judeu. Ser crítico de um governo de direita, dirigido pelo primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, não é ser antissemita”.

O seu comentário surgiu em resposta a uma questão de uma mulher que estava presente ao debate e que declarou “se sentir realmente decepcionada com políticos que representam apenas uma voz judaica que é completamente acrítica com relação a Israel” e que se disse “pertencer a uma geração que entende que oposição à ocupação israelense dos territórios palestinos é um imperativo moral”.

Ela disse isso, e, dirigindo-se ao pré-candidato perguntou:  “Porquê é importante para você lutar pelo fim da ocupação?”

Ao que ele respondeu: “O que eu sempre tenho dito sobre esta questão é que a política externa dos Estados Unidos deve ser equilibrada. Nós respeitamos Israel. Israel tem todo o direito do mundo de viver em paz e segurança, mas assim também tem o povo palestino”.

Sanders aproveitou então a oportunidade que reforçar uma declaração sua anterior prometendo usar a ajuda dos Estados Unidos a Israel como forma de pressão sobre o país para que ponha fim a uma ocupação que agora completa 52 anos: “Os Estados Unidos entregam muito dinheiro a Israel e eu penso que nós podemos potencializar este recurso para contribuir para o fim de um racismo que temos recentemente visto em Israel”.

Em outubro de 2018, entrou em vigor o maior pacote de apoio a Israel – um valor de 38 bilhões de dólares – durante um período de dez anos. Isso computada apenas a “ajuda” em termos bélicos. Ela significa que todo ano, durante os dez anos que seguem o ano de 2018, Israel deve receber, 3,3 bilhões de dólares sob a rubrica “Financiamento Militar Externo” e mais US$ 500 mil para “programas cooperativos para defesa com mísseis”.

De forma independente de qualquer questão, os comentários de Sanders sobre a relação entre judaísmo, antissemitismo e Israel é uma intervenção oportuna em um debate acalorado – tanto nos Estados Unidos, como no Brasil e em todo o mundo – sobre o que constitui antissemitismo ou, usando um termo que entendo mais preciso, antijudaísmo.

Designar todos os que criticam aspectos das definições sionistas, da constituição do Estado de Israel, da ocupação dos territórios palestinos ou das políticas israelenses, sejam elas legais, militares ou policiais, de prática de antissemitismo é a arma mais comumente usada pelos funcionários dos governos israelenses de direita para escapar de qualquer tipo de condenação, em especial no que se refere a seu comportamento hostil e destrutivo com relação aos palestinos.

Acontece que esta simplificação é muito prejudicial aos judeus em geral, pois identifica a todos os judeus do mundo com a política israelense, por nefasta e desumana que se instale nos seus governos. Além disso, prejudica o isolamento e combate às discriminatórias e perigosas manifestações de real e execrável antissemitismo, ao banalizar um mal que já levou milhões de judeus ao despojamento e à morte em câmaras de gás, ou em massacres nos guetos implantados pelos nazistas durante a Segunda Guerra.

Quem acaba de perceber isso, deixando os defensores da postura acrítica a Israel em polvorosa, é nada menos do que o criador da definição adotada amplamente a partir de sua incorporação pela organização IHRA (sigla em inglês de  Aliança Internacional para a Memória do Holocausto), o promotor Kenneth S Stern. Ele incluiu entre as manifestações que se caracterizariam como antissemitas “a negação dos judeus à autodeterminação e a negação a Israel do direito à existência”.

MACARTISMO

Stern agora declara que esta definição é ampla e abrangente e que não pode ser distorcida para ser usada para designar qualquer autor ou formulador de críticas a Israel, em especial seu governo. Essa definição “nunca significou uma pretensão de abranger todas as definições de antissemitismo” e muito menos para “restringir a liberdade acadêmica, punir a livre expressão”, particularmente quando se trata de eventos pró-palestinos ou de qualquer crítica a Israel, afirma Stern.

Ele fez estes veementes alertas em matéria publicada pelo New York Times em dezembro de 2016, quando se tentou passar tais restrições a qualquer crítica a Israel, como norma do Departamento de Educação dos Estados Unidos:

“O que vem depois? Será que o Congresso deveria definir qual discurso é islamofóbico? Anti-palestino? Racista? Anti-branco? Que tal definir o tipo de discurso “anti-Estados Unidos”? Deveríamos então começar a tirar a poeira dos arquivos do Comitê de Atividade Anti-Americanas (como foi denominada a equipe que direcionou as investigações, perseguições e punições durante o período macarthista).