“Roubar ativos dos outros nunca fez bem a ninguém”, adverte Putin

A Rússia pagará sua dívida externa em rublos informou o Ministério das Finanças, na quarta-feira (25), logo após a decisão dos Estados Unidos de encerrar, a partir desse dia, uma disposição que permitia a Moscou desembolsar seus compromissos externos em dólares.

“Uma vez que a recusa de prorrogação desta licença impossibilita continuar a honrar a dívida externa em dólares, os desembolsos serão feitos em moeda russa, com a possibilidade de ser posteriormente convertida na moeda original através do National Settlement Depository (NSD), que irá servir como agente pagador”, afirmou o Ministério em um comunicado.

O NSD é um organismo russo centralizado responsável pelo depósito de títulos financeiros negociados no país.

O Ministério das Finanças da Rússia também confirmou que Moscou continuará cumprindo suas obrigações de dívida, apesar do aperto das restrições externas. “A decisão do Departamento do Tesouro dos EUA de se recusar a renovar a licença infringe, em primeiro lugar, os direitos dos investidores estrangeiros em instrumentos de dívida russos e mina a confiança na infraestrutura financeira ocidental”, alertou. O comunicado acrescentou que “o Ministério das Finanças da Rússia, como mutuário responsável, confirma sua prontidão para continuar o serviço e o pagamento de todas as obrigações da dívida”.

“A situação atual não tem nada em comum com a situação de 1998, quando a Rússia não tinha fundos suficientes para pagar suas dívidas”, declarou o ministro das Finanças, Anton Silouanov, citado no comunicado. “Hoje temos o dinheiro, e a vontade de pagar também existe. Esta situação criada artificialmente por um país hostil não terá efeito na vida dos russos”, assegurou.

Divisas congeladas pelos EUA

Após o início da operação militar russa na Ucrânia, as nações ocidentais encabeçadas pelos EUA congelaram cerca de metade das reservas

internacionais da Rússia, US$ 300 bilhões. A guerra econômica contra o país – que incluiu além do confisco de reservas cambiais, desligamento da maioria dos bancos russos do principal sistema de pagamentos global, sanções autorizando o roubo dos pagamentos pelo gás, petróleo e quase todas as demais exportações russas – teve como efeito colateral fazer disparar os preços dos combustíveis, acionando a ciranda da inflação e, teme-se, a estagflação (recessão mais inflação alta). A alta inflacionárias já se estendeu aos grãos, óleo de cozinha e fertilizantes, produtos dos quais a Rússia é um dos principais fornecedores.

Como resultado, o Kremlin emitiu um decreto determinando que o pagamento das exportações de gás russo terá de ser feito exclusivamente em rublos no caso dos ‘países hostis’ – ou seja, os que decretaram sanções ilegais contra a Rússia –em 31 de março. A medida veio como uma resposta não apenas às sanções anti-Rússia, mas também à decisão dos governos ocidentais de congelar ilegalmente os ativos do Banco Central Russo em moedas estrangeiras depositadas em seus países.

O presidente da câmara baixa do parlamento russo, Vyacheslav Volodin, assegurou que “os Estados Unidos e os satélites que apoiam as decisões de Washington deveriam se acostumar com o rublo”.

O fim da isenção decidida pelos EUA ocorreu a dois dias do vencimento do próximo pagamento do serviço da dívida russa, que é de cerca de 100 milhões de dólares em juros sobre suas obrigações mas, de acordo com o Wall Street Journal, citando a agência de notícias oficial russa Tass, as autoridades já pagaram os juros.

Além do prazo de 27 de maio, o governo russo ainda precisa honrar 12 pagamentos até o final do ano.

A dívida externa russa representa, segundo o ministério das Finanças, entre 4,5 e 4,7 bilhões de rublos (de 78 a 81 bilhões de dólares no câmbio atual), ou seja, 20% de sua dívida pública total.

“Violação de regras e normas na esfera das finanças internacionais, no comércio, não leva a bom resultado. Falando em linguagem mais simples, só causará problemas para aqueles que o fazem. O roubo de ativos dos outros nunca fez bem a ninguém, especialmente aos envolvidos nesse negócio indecoroso”, afirmou o presidente Vladimir Putin, nesta quarta feira (26), durante o seu discurso no Fórum Econômico Euroasiático por meio de videochamada.

A Rússia não pretende deixar a arena econômica global, nos querem forçar a fazê-lo, mas isso é impossível, disse o chefe de Estado russo.

“Entendemos as enormes vantagens tecnológicas, a vantagem em alta tecnologia nas economias avançadas é evidente. Nós não tencionamos nos afastar disso. Querem-nos afastar um pouco, mas no mundo de hoje isto é irrealista, simplesmente impossível. Se não nos separarmos com algum muro, então ninguém será capaz de afastar um país como a Rússia”, afirmou Putin.

Cada vez mais países no mundo querem e vão seguir uma política econômica independente, sublinhou ele.

“Não é só a Rússia e não apenas a China, são muitos outros países do mundo. Cada vez mais países no mundo querem e vão seguir uma política independente. Nenhum ‘policial do mundo’ pode parar este processo global natural, não terá força suficiente”, disse o presidente.

Segundo Putin, essa é uma política imprudente, já que as sanções impostas pelo Ocidente a Moscou acabam repercutindo em todo o mundo. “Por mais estáveis que sejam as economias dos países que desenvolvem esse tipo de política míope, o estado atual da economia mundial mostra que nossa posição é correta e justificada”, afirmou.

O presidente lembrou que essas “economias desenvolvidas” vivem atualmente a máxima inflação dos últimos 40 anos, enquanto o desemprego cresce e as cadeias produtivas são interrompidas. “O roubo de ativos estrangeiros nunca trouxe nada de bom”, ressaltou.

Ele também observou que para a Rússia “nada mudou radicalmente”. “Só pretendemos nos desenvolver”, enfatizou. Apesar de haver mudanças que podem produzir algumas perdas em seus estágios iniciais, o presidente russo afirmou que o país está conseguindo reorientar sua economia e se fortalecer em vários aspectos.

Em particular, Putin comentou sobre a retirada de algumas empresas internacionais do mercado russo, um movimento que pode ser benéfico para empresas locais e regionais que “ocuparão esse nicho”. “Nossos negócios e nossa indústria já cresceram e entrarão com sucesso no caminho aberto por nossos parceiros”, expressou.