Rússia: “míssil que atingiu estação de Kromatorsk é ucraniano”
Cerca de 50 pessoas, incluindo cinco crianças, foram mortas e 98 ficaram feridas na sexta-feira (8) em um ataque com míssil a uma estação ferroviária em Kramatorsk, na região de Donetsk, leste da Ucrânia, segundo as autoridades locais.
Após responsabilizar “dois mísseis russos Iskander” pela matança – o que foi reproduzido na mídia ocidental – o regime de Kiev passou a dizer se tratar de “mísseis Tochka-U russos”, depois que surgiram fotos de fragmento do míssil perto da estação ferroviária,
O Ministério da Defesa russo prontamente rechaçou a acusação: “Todas as declarações do regime ultranacionalista de Kiev sobre o alegado ‘ataque com mísseis’ da Rússia no dia 8 de abril contra uma estação ferroviária da cidade de Kramatorsk são uma provocação e não correspondem absolutamente à realidade”.
“Os mísseis táticos Tochka-U, cujos fragmentos foram encontrados perto da estação ferroviária de Kramatorsk, são usados apenas pelas forças armadas ucranianas”, destacou o porta-voz, general Igor Konashenkov.
O comunicado reitera que as forças russas “não tinham e não planejavam nenhum ataque à cidade de Kramatorsk no dia 8 de abril”.
Foi com um míssil Toschka-U, lançado em 14 de março, que o regime de Kiev causou a morte de 17 civis e feriu 36, a maioria aposentados, no centro da cidade de Donetsk, que é parte da república antifascista constituída em 2014.
Na época, os militares russos responsabilizaram a 19ª Brigada Ucraniana de Mísseis pelo ataque. Segundo o líder da República Popular de Donetsk, Denis Pushilin, desde o início da atual fase do conflito os sistemas antiaéreos antifascistas já interceptaram 24 mísseis Toschka-U ucranianos.
Estação apinhada
Na descrição da Associated Press, fotos da estação em Kramatorsk “mostraram os mortos cobertos com lonas no chão e os restos de um foguete com as palavras ‘Para nossas crianças’, pintadas em russo”.
A estação estava apinhada de gente após convocação por Kiev de evacuação de civis da região, que é vista como cenário da grande ofensiva que a Rússia está ultimando no Donbass. Milhares de pessoas aguardavam os trens de evacuação.
O prefeito Oleksandr Goncharenko disse que, mesmo com 30 a 40 cirurgiões trabalhando para tratar os feridos, o hospital local estava lutando para dar conta da situação. “Há muitas pessoas em estado grave, sem braços ou pernas”, acrescentou.
O Ministério da Defesa russo disse acreditar que o ataque foi realizado para “interromper o êxodo em massa de moradores da cidade” e para permitir que as forças ucranianas “usem civis como escudos humanos”.
Ainda segundo Moscou, o ataque partiu do sudoeste ucraniano, e foi realizado por “um batalhão de mísseis das forças armadas ucranianas da área da cidade de Dobropolye”.
Madame Von Der Leyen
O ataque também coincide com a ida a Kiev, com uma passagem por Bucha, de uma comitiva europeia encabeçada pela presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, para anunciar mais armas à Ucrânia e mais sanções contra a Rússia.
Von der Leyen chamou o ataque à estação ferroviária de “atroz”, acrescentando que “quase não há palavras para isso”. “O comportamento cínico (da Rússia) quase não tem mais referência.”
Curiosamente, o ‘ataque da maternidade’ em Mariupol, em março, coincidiu com a videoconferência do presidente Zelensky ao Congresso dos EUA.
Antes de qualquer investigação ou testemunho, e já com o erro na descrição do míssil constatado, o chefe da diplomacia da UE, Josep Borrell, de pronto condenou, pelo Twitter, o “ataque indiscriminado contra uma estação de trem em Kramatorsk pela Rússia”.
Note-se que, quando o regime de Kiev atacou com um míssil Tochka-U o centro de Donetsk, matando ou ferindo 53, Borrell se manteve em silêncio.
Agora, ele postou que o suposto ‘ataque russo’ é “mais uma tentativa de fechar rotas de fuga para aqueles que fogem desta guerra injustificada e que causa sofrimento humano”.
Na interpretação da agência de notícias Associated Press, que cita um ‘especialista’, apenas a Rússia “teria um motivo” para atacar a infraestrutura ferroviária civil em Donbas, e a Ucrânia “não mataria deliberadamente seus próprios civis” em “uma guerra de sobrevivência”.
Declaração que se choca com o fato de que a Rússia, até aqui, não se dedicou ao “carpet bombing” – quando uma cidade é arrasada até o chão, modalidade de guerra típica dos norte-americanos, de Pyongyang, na década de 1950, a Raqqa e Mossul, no século 21. E não bombardeou as muito mais importantes estações ferroviárias de Kiev e Kharkov.
Há ainda o inconveniente de que a guerra, pelo lado dos ucranianos, como lembrou o embaixador russo junto à ONU, Vasily Nebenzia, vem sendo encaminhada por “nazistas, que combatem como nazistas”.
Ou, como ele próprio se referiu à provocação de Bucha, inspirada “no manual dos Capacetes Brancos” da Síria, onde não faltaram atos contra civis para atrair a intervenção dos EUA e Otan.
Acidente?
Mas uma provocação – por mais vil ou desatinada que pareça – não é a única explicação, segundo aventou um especialista ouvido pelo jornal russo Izvestia, que citou episódios anteriores em que o míssil ucraniano, já bastante defasado e deteriorado – o projeto é de 1975 – acabou causando danos e vítimas inesperados.
“A confiabilidade dos Tochka-U ucranianos é uma questão muito problemática”, disse Dmitry Kornev, editor do portal Militaryrussia, ao jornal.
Em 2001, um míssil Tochka-U ucraniano desviou 100 km de seu alvo no campo de treinamento e atingiu um prédio residencial de nove andares em Brovary, um subúrbio de Kiev. Apesar do fato de que a munição estava com uma ogiva inerte de treinamento, o prédio foi seriamente danificado e três pessoas morreram e cinco ficaram feridas.
O Ministério da Defesa ucraniano negou por dois dias que a explosão tivesse sido causada por um míssil lançado durante o exercício e, pelos dados oficiais, o míssil atingira com sucesso o alvo. Somente após a descoberta dos destroços, o chefe do departamento militar do país foi forçado a admitir a culpa.
Kornev lembrou ainda o incidente de 2008 em que um Tochka explodiu logo após o lançamento e caiu de 9 a 10 km do lançador. Ele acrescentou que a produção dos Toscha realmente cessou na década de 1980, a data de validade expirou há muito tempo.
“Ninguém sabe como eles foram mantidos nos últimos anos. Portanto, tudo é teoricamente possível, incluindo uma falha grave de automação ou mau funcionamento da munição”, observou o especialista.
Quanto a não se tratar de uma provocação, mas um acidente, como sugerido, se choca com a inscrição em russo, fotografada no fragmento de míssil, “para nossas crianças”.
Já o especialista militar Alexei Leonkov explicou ao Izvestia que os mísseis Toschka-U (ucraniano) e Iskander (russo) “são muito diferentes”.
“Em Kramatorsk, a cauda do foguete está bem preservada. Olhando para isso, você pode definitivamente dizer que o golpe foi desferido pelo Tochka-U. Isso é evidenciado pela localização dos lemes de controle (as ‘barbatanas’): nos destroços de Kramatorsk, eles estão localizados a uma distância considerável do final do foguete – isso é um sinal de Tochka-U. Nos Iskanders, essas “barbatanas” são presas no final do foguete”.
Ele aponta, ainda, que na foto de Kramatorsk, “os lemes aerodinâmicos são claramente visíveis – são lâminas de malha (que se assemelham a favos de mel) no final do foguete. Apenas o Tochka-U tem esses também”.
Desativados em 2019
O especialista observou que os últimos Tochka no exército russo foram desativados em 2019, conforme registrou a mídia na época. “Todos os Tochka russos foram eliminados”, disse Leonkov. “Em primeiro lugar, a vida útil estava terminando. Em segundo lugar, de acordo com o plano, nosso exército mudou para Iskanders, o que foi feito – agora este é nosso principal complexo operacional-tático”.
Ao mesmo tempo – assinalou -, o exército ucraniano, de acordo com o boletim especializado The Military Balance, “possui cerca de 90 lançadores e 800 mísseis Tochka-U”.
Ainda segundo ele, não há relatos das repúblicas do Donbass terem capturado Tochka com mísseis que pudessem usar. Mas – concluiu – as Forças Armadas da Ucrânia “estão disparando [Tochka-U] ativamente contra Luhansk, Donetsk e também contra Melitopol e Berdyansk”.