Mulher sem teto passa por fileira de tendas em rua de Los Angeles durante o ano de 2021

A Rússia instou Washington a que resolva seus próprios problemas e supere a polarização cada vez mais profunda na sociedade americana antes de se meter a “exportar democracia”, de acordo com comunicado do Ministério das Relações Exteriores russo sobre a assim chamada ‘cúpula pela democracia’ – já ironizada por alguns como a ‘otan da democracia’ – marcada para ocorrer em 9-10 de dezembro com participantes nomeados pela Casa Branca, em um clima de estímulo ao clima de guerra fria.

Anteriormente, em artigo conjunto China-Rússia divulgado, os respectivos embaixadores em Washington haviam advertido contra a volta dessa mentalidade hegemonista, expressada na nova cúpula.

As evidências – destaca o documento russo – “sugerem que os Estados Unidos e seus aliados não podem e não devem reivindicar a condição de ‘farol’ da democracia, uma vez que eles próprios têm problemas crônicos de liberdade de expressão, administração eleitoral, corrupção e direitos humanos”.

Piedosamente, o comunicado sequer lembra que, no ano passado, aos olhos do mundo a democracia made in USA ficou marcada pela frase “não consigo respirar”: as últimas palavras de um negro morto à luz do dia por um policial racista, asfixiado com um joelho sobre seu pescoço.

“Em termos de respeito aos direitos e liberdades democráticas em casa, bem como na arena internacional, o histórico e a reputação dos Estados Unidos, da Grã-Bretanha e dos Estados membros da União Europeia estão, para dizer o mínimo, longe do ideal”, assinala o comunicado russo.

O documento, em suas conclusões, enfatiza que “para resolver problemas urgentes, instamos todos os parceiros estrangeiros a não se envolverem na ‘promoção da democracia’, não traçar novas linhas divisórias, mas retornar ao cumprimento do direito internacional e fazer cumprir o princípio da igualdade soberana dos Estados, que está consagrado na Carta da ONU. Ele incorpora a base para uma ordem mundial democrática que os EUA e seus aliados não aceitam”.

Também reforça que “enquanto a humanidade continua a combater a pandemia COVID-19 e seus efeitos colaterais, a cooperação de todos os estados com base nos princípios da Carta das Nações Unidas é necessária agora mais do que nunca”.

‘Choque e espanto’

“Alegando estar do lado certo da ideologia e da moralidade, os Estados Unidos e um pequeno grupo de seus aliados minaram a confiança em si mesmos com ações agressivas no cenário mundial sob a bandeira de ‘promoção da democracia’. Houve mais de uma dúzia de intervenções militares e tentativas de “mudança de regime” nos últimos 30 anos.

“Todos se lembram de como, após a intervenção militar da ‘coalizão de vontades’ no Iraque em 2003, o presidente George W. Bush a bordo do porta-aviões Abraham Lincoln anunciou a vitória da democracia naquele país. O que aconteceu a seguir é de conhecimento comum. De acordo com estimativas, centenas de milhares de iraquianos morreram antes do tempo”.

“A história recente mostra que as aventuras militares com o objetivo de democratização forçada culminaram em guerras sangrentas e tragédias nacionais nos países que foram vítimas dessa política, entre eles a ex-Iugoslávia, Afeganistão, Iraque, Líbia e Síria. Todos os tipos de pretextos foram usados para desencadear guerras – a necessidade de combater o terrorismo e a proliferação de armas de destruição em massa e ‘proteger os civis’.”

“A missão americana no Afeganistão terminou em completo fracasso. O êxodo caótico de americanos e outros membros da coalizão liderada pelos EUA de Cabul em agosto passado foi o triste culminar da ‘guerra ao terror’ que durou mais de 20 anos”.

“A Líbia ainda não se recuperou da operação da OTAN para ‘proteger os civis’. Apesar de todas as peculiaridades do antigo sistema sócio-político da Jamahiriya, a Líbia era um país estável que garantia padrões de vida decentes para sua população. Esta ação militar mal concebida levou, entre outras consequências, à disseminação descontrolada de armas e terroristas em toda a região do Saara-Sahel”.

“Ao mesmo tempo em que se apresenta como o ‘líder democrático global’, os Estados Unidos lideram há muitos anos o mundo em número de prisioneiros (mais de 2 milhões de pessoas). As condições em muitas instituições penitenciárias degradam a dignidade humana. Washington continua a guardar silêncio sobre a tortura na prisão da Baía de Guantánamo. Os serviços de inteligência dos EUA foram os pioneiros na criação de prisões secretas em estados aliados, uma prática sem precedentes no mundo moderno”.

“Fazer lobby nos Estados Unidos é, na verdade, corrupção legalizada. As legislaturas são de fato controladas por grandes empresas. Tanto dentro do país como internacionalmente, eles defendem principalmente os interesses de seus patrocinadores, como empresas privadas, ao invés do povo, dos eleitores”.

“Há cerca de um ano, durante a campanha eleitoral nos Estados Unidos, o mundo viu como o arcaico sistema eleitoral daquele país começou a ruir”.

“A política editorial dos principais veículos da mídia ocidental é, de fato, controlada pelas elites partidárias e corporativas. Mecanismos bem lubrificados de censura, autocensura e remoção de contas e conteúdo indesejados das plataformas digitais são usados para suprimir a dissidência na mídia, o que representa uma violação grosseira do direito à liberdade de expressão”.

“As plataformas de mídia social controladas por empresas americanas são amplamente utilizadas para desinformação, propaganda e manipulação da opinião pública. A vigilância eletrônica em massa por agências de inteligência e corporações de TI que colaboram com elas se tornou uma realidade da vida diária nos estados ocidentais”.

“Nesse contexto, a retórica democratizante vinda de Washington não só está completamente desconectada da realidade, mas também é totalmente hipócrita”.

Vassalagem

“A Grã-Bretanha também não pode se posicionar como uma democracia progressista. Esse país é um lar confortável para organizações que professam a ideologia neonazista, com crescentes incidentes de racismo e discriminação contra minorias étnicas e culturais em muitas esferas da vida pública”.

“A situação na União Europeia não é melhor. Bruxelas sempre ignora os direitos e interesses legítimos de russos étnicos e residentes de língua russa nos estados bálticos, Ucrânia e Moldávia. Ela fecha os olhos para a criação de mitos dos novos Estados membros da EU, em que ex-colaboradores nazistas que cometeram crimes de guerra são proclamados heróis nacionais”.

Coexistência  com base na não interferência

Em contraposição, como assinala o comunicado, a Rússia respeita “o direito de cada nação de definir de forma independente sua trajetória de desenvolvimento”.

“Não vamos ditar nossa visão de mundo a ninguém. Na arena internacional, as regras que seguimos são a Carta da ONU #OurRulesUNCharter”.

“Defendemos a igualdade soberana dos Estados, a não interferência em seus assuntos internos, o não uso da força ou ameaça de força e a solução pacífica de controvérsias. Defendemos relações internacionais baseadas na coexistência pacífica, cooperação e solidariedade, segurança universal igual e distribuição justa dos benefícios da globalização”.