Legenda: Kremlin diz que Putin e Biden devem discutir "estabilidade estratégica" e "luta contra Covid"

O Kremlin e a Casa Branca confirmaram na terça-feira (25) que a cúpula bilateral entre os presidentes russo Vladimir Putin e o norte-americano Joe Biden irá acontecer no dia 16 de junho na Suíça – país tradicionalmente neutro -, na cidade de Genebra, que é sede de instâncias da ONU localizadas no continente europeu.

“Conforme o acordo alcançado (com Washington), o presidente da Federação Russa, Vladimir Putin, manterá conversações em Genebra no dia 16 de junho com o presidente dos Estados Unidos da América, Joseph Biden”, anunciou o Kremlin.

“Pretende-se discutir o estado atual das relações russo-americanas e as perspectivas de seu futuro desenvolvimento, bem como questões de estabilidade estratégica e questões atuais da agenda internacional, incluindo a cooperação na luta contra a pandemia do coronavírus e a resolução de conflitos regionais”, acrescentou a mensagem russa.

Comunicado simultâneo da Casa Branca registrou que “o presidente Biden se encontrará com o presidente Putin em Genebra, Suíça, em 16 de junho de 2021″, quando discutirão “toda a gama de questões urgentes, enquanto buscamos restaurar a previsibilidade e a estabilidade da relação EUA-Rússia.”

As relações Rússia-EUA estão no ponto mais baixo em décadas, após a transformação da russofobia em elemento de disputa política doméstica e a decretação de uma enxurrada de sanções contra Moscou, além da quebra, por iniciativa de Washington, de acordos que eram a espinha dorsal da arquitetura internacional de segurança estratégica.

O último desses acordos, o Novo Start, que limita as armas nucleares e respectivos meios de disparo, só foi prorrogado quase no último minuto, no início do ano. Depois de vários acenos ao Washington para que retornasse ao acordo Céus Abertos, de monitoramento aéreo mútuo, que ficaram sem resposta, a Rússia se prepara para completar sua saída, já votada pela Duma.

A cúpula ocorre após o presidente Putin ter convidado Biden a debater ao vivo todas as questões entre os dois países, depois de ter desejado “saúde” ao mandatário norte-americano, que gratuitamente anuíra à provocação, feita por um entrevistador, de que o líder russo era um “assassino”.

Depois de lembrar que há vários assuntos duros na história das nações, Putin em sua resposta, também lembrou do dito infantil russo de que “tudo o que você diz [sobre os outros] é o que você é”, se referindo ao mecanismo psíquico que a psicologia conhece como ‘projeção’. Ele acrescentou que a Rússia iria desenvolver relações com os Estados Unidos, mas nas áreas em que é de seu interesse e nas condições que considerar vantajosas.

Episódio que levou a Rússia a chamar seu embaixador de volta para ‘consultas’ e depois a ‘convidar’ o embaixador norte-americano em Moscou a fazer o mesmo, retornando aos EUA.

Biden já se encontrou com Putin em 2011, na condição de vice-presidente de Barack Obama. Reunião na Islândia na semana passada, entre os chanceleres russo Sergei Lavrov e o norte-americano Antony Blinken, delimitou o encontro Putin-Biden.

Ao avaliar sua reunião com Blinken, Lavrov a considerou “construtiva” e acrescentou haver consenso “quanto à necessidade de superar a situação insalubre que se desenvolveu entre Moscou e Washington em anos precedentes”.

O que, com destacou Lavrov, requer que se dê início a “um diálogo que leve em conta a totalidade dos aspectos e dos fatores que afetam a estabilidade estratégica: nucleares, não-nucleares, ofensivos, defensivos. Não vi qualquer rejeição desse conceito, mas ainda têm que ser desenvolvido pelos especialistas”.

Ele se referiu, ainda, à disposição da Rússia de discutir qualquer questão, desde que com base nos fatos, numa discussão honesta e com respeito mútuo. Também lembrou das ‘leis da diplomacia’, que pedem “reciprocidade, em especial quando se trata de responder a algum tipo de ação inamistosa”.

Diante da escalada de sanções impulsionada desde Washington, e acatada por certos países, a Rússia teve de tomar as medidas adequadas e, conforme afirmou recentemente a porta-voz Maria Zakharova, “conseguimos virar a situação a nosso favor”, com substituição de importações, desenvolvimento de indústrias internas avançadas e competitivas, diversificação de parceiros comerciais e desdolarização.

No mês passado, o presidente Putin advertiu que ninguém deveria se meter a ultrapassar as “linhas vermelhas” estabelecidas pela soberana Rússia, e uma inspeção de surpresa do exército russo na frente ocidental demoveu alguns aprendizes de feiticeiro que ensaiavam uma provocação no Donbass, inclusive com navios de guerra dos EUA que iriam para o Mar Negro, mas deram meia volta.

Nos dois últimos anos, a Rússia tem colocado em operação armas hipersônicas, que foi obrigada a desenvolver após a saída de Washington do Tratado Antimísseis ABM e do alarido nos meios ligados ao Pentágono sobre a ‘primazia nuclear’, por meio de um ‘primeiro ataque nuclear de decapitação’ vitorioso.

Desde o célebre Discurso de Munique, de 2006, a Rússia vem trabalhando intensamente para contribuir para o mundo evoluir da ordem ‘unipolar’ que sucedeu o desmembramento da União Soviética, para uma nova ordem multilateral, mais condizente com as necessidades da imensa maioria da população do planeta, com as exigências do respeito à soberania como cláusula pétrea do direito internacional e com desenvolvimento da China como maior economia industrial do mundo e em ascensão na alta tecnologia.

Na Islândia, o secretário de Estado Blinken disse que os EUA querem uma “relação previsível e estável”: “Pensamos que se os líderes da Rússia e dos Estados Unidos conseguirem trabalhar juntos de forma cooperativa, o mundo poderá ser um lugar mais seguro e mais protegido”. As áreas onde os interesses se “intersectam e sobrepõem” incluem o combate à covid-19 e as mudanças climáticas, além do Irã, Afeganistão e Coreia do Norte, apontou.

Embora, falando para o público interno intoxicado pela xenofobia, Blinken haja prometido “responder” caso os “interesses norte-americanos ou dos aliados” sejam “ameaçados pela Rússia”.

Multilateralismo

O que tem tornado não só a relação com a Rússia, mas com dezenas de países, “imprevisível” é a insistência dos EUA em manter sua falida “ordem mundial sob regras”, em violação do multilateralismo, da lei internacional e da Carta das Nações Unidas, com invasões, intervenções, falsificação de acusações, sanções, execuções com drones, sabotagem e corrupção, ao qual acrescentou a guerra cibernética e o grampo em massa, como provado por Edward Snowden e pelo WikiLeaks.

Quadro que se agravou, em relação aos legítimos interesses da Rússia, com o golpe de estado da CIA junto com os neonazis em Kiev, para impor um regime russófobo visando integrá-lo à Otan, cujas tropas foram deslocadas para as fronteiras russas, usando o expediente das bases com ‘presença rotativa’, ao mesmo tempo em que planejaram uma limpeza étnica no Donbass, historicamente povoado por falantes de russo.

Futuro compartilhado

Um efeito “colateral”, não desejado pelos círculos imperialistas de Washington, tem sido a convergência cada vez maior da Rússia e da China na busca da ordem multilateral, a ‘humanidade com um futuro compartilhado’, como gostam de chamar os chineses.

Contra a China, os EUA desencadearam uma investida tentando impedir a grande nação asiática de alcançar a vanguarda na alta tecnologia, sancionando empresas como a Huawei, impondo sobretaxas e cortando fornecimento de chips; sabotando o princípio de Uma Só China e tentando incendiar Xinjiang, Hong Kong e Taiwan; e insuflando o racismo sob a acusação do “vírus chinês” ou de que o vírus “vazou de um laboratório chinês”.

Na semana passada, os EUA recuaram das sanções contra a empresa Nord Stream 2 AG, embora tenham aplicado sanções contra 13 embarcações russas que estão finalizando o gasoduto. Porta-voz da Casa Branca admitiu que os EUA não têm como impedir a conclusão de um gasoduto, em um país estrangeiro, “já concluído 95%”.

No caso, é a confissão do iminente fracasso da tentativa de forçar os alemães a pagarem mais caro pelo gás norte-americano, para beneficiar meia dúzia de bilionários do fracking poluidor, e manter a economia alemã sob ocupação.