Zerar desmatamento ajudará no combate a emissões de carbono, destaca Putin

Em pronunciamento por videoconferência à 26ª Conferência das Partes das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP26), em Glasgow, o presidente russo Vladimir Putin reiterou a decisão da Rússia de atingir até 2060 a neutralidade das emissões de carbono, isto é, o zero líquido entre emissões e absorção de gases de efeito estufa.

A Rússia que abriga 20% de todas as floretas do mundo, manifestou a adesão ao acordo para o desmatamento zero até 2030.

Presencialmente, a Rússia está representada por uma delegação chefiada pelo ministro das Relações Exteriores, Sergei Lavrov.

Putin sublinhou que hoje “a parcela da energia de fontes praticamente livres de carbono, que, como nós sabemos, são as usinas nucleares, hidrelétricas, eólicas e solares, ultrapassa 40%” na Rússia, o que somado ao gás natural, que é o combustível de menor teor de carbono entre os hidrocarbonetos, “essa parcela é de 86%”, um dos melhores indicadores no mundo e que faz do país um dos líderes do processo global de descarbonização.

Putin destacou a necessidade de absorção de gases de efeito estufa no mundo e disse que a Rússia está especialmente preocupada com o derretimento do permafrost. Ele instou a que as regras de regulação do clima sejam baseadas em modelos comuns de contabilização e monitoramento das emissões de gases de efeito estufa.

Meio ambiente e crescimento

Para Putin, é imprescindível levar em conta o desenvolvimento da economia e a prosperidade das pessoas para o sucesso da luta contra as mudanças climáticas. “E o que é mais importante, é preciso abordar as questões da luta contra as mudanças climáticas de forma abrangente, em estreita relação com os passos dedicados a assegurar o crescimento econômico e, como os colegas já referiram, o bem-estar das pessoas”, acrescentou.

A Rússia é o quarto maior emissor de gases de efeito estufa, segundo a RT. Pelos compromissos assumidos por Moscou, as emissões irão atingir o pico até 2030, para serem reduzidas em 79% em relação ao nível atual até 2050. No mês passado, Putin anunciou a criação de 23 novas unidades de conservação ambiental na Rússia. As florestas são o modo como a natureza captura o carbono, retirando gás carbônico (CO2) da atmosfera.

A Declaração sobre Florestas e Uso do Solo foi assinada por mais de 100 líderes, que representam mais de 86% das florestas do mundo. Apesar de muito desacreditado pelo atual governo, o Brasil foi um dos signatários, assim como a República Democrática do Congo, Indonésia e Colômbia, países com formidáveis extensões florestais.

O acordo prevê o suporte de um fundo de US$ 12 bilhões de dinheiro público aportado por 12 países – como EUA, Reino Unido, Noruega, Alemanha, Coreia do Sul, União Europeia, Canadá e Japão – entre 2021 e 2025, além de US$ 7,2 bilhões de investimento privado por parte de mais de 30 instituições financeiras mundiais.

Na terça-feira, encerrou-se a fase da COP26 com a presença de líderes mundiais e os trabalhos continuam até o dia 12, com diplomatas e especialistas.

Desafio da humanidade

O articulista do portal russo RT, Johny Tickle, registrou como o presidente russo Vladimir Putin foi evoluindo, inicialmente de uma postura cética sobre o aquecimento global, manifestada em 2003, para uma “mudança dramática de tom” em 2015, quando na cúpula do clima de Paris “surpreendeu os observadores” com a declaração de que “a mudança climática é um dos desafios mais sérios que a humanidade enfrenta hoje”.

“A qualidade de vida de todos neste planeta, o crescimento econômico e o desenvolvimento social sustentável de regiões inteiras dependem de nossa capacidade de resolver o problema do clima” , acrescentou, então. A Rússia se tornou signatária do Acordo do Clima de Paris.

Como retrata Tickle, em 2003, depois que a Rússia se recusou a ratificar o Protocolo de Kyoto, o então presidente de 51 anos chegou a brincar que “o aquecimento global não seria tão ruim para a Rússia, um país que tradicionalmente sofre com invernos notoriamente frios”. Um ligeiro aumento na temperatura garantiria que os russos “gastassem menos com casacos de pele” e, ao mesmo tempo, impulsionariam a indústria de grãos do país, dissera na época Putin.

Sete anos depois, em uma visita a uma estação de pesquisa científica no Ártico, Putin observara que “o clima está mudando”, mas ainda sem apontar a ação humana como uma causa, acrescentou o articulista. “A ligeira mudança de tom era um sinal de que os abundantes dados que sustentavam o consenso científico haviam começado a mudar a opinião de Putin”.

Não foram apenas os dados que convenceram Putin, assinalou o jornalista. O século 21 viu a Rússia ser atingida por incêndios florestais devastadores anualmente, enquanto inundações mortais em áreas costeiras como a região sul de Krasnodar se tornaram mais frequentes.

Há também a questão de que 65 por cento das terras da Rússia são vulneráveis ao permafrost, e muitos assentamentos e diferentes tipos de infraestrutura são construídos nesse terreno. Se derreter, o país enfrentará graves consequências econômicas.

No início deste ano, o ministro do meio ambiente russo Alexander Kozlov estimou a perda em mais de 5 trilhões de rublos (US$ 69 bilhões) até 2050.

Outro fator é a ameaça iminente do imposto de carbono proposto pela União Europeia. Com muitas das maiores empresas russas dependentes da União Europeia como mercado de exportação, as empresas vão querer a ajuda do governo para reduzir a produção de carbono antes que as tarifas entrem em vigor em 2026.

De acordo com o diário de negócios de Moscou RBK, revelou Tickle, fornecedores russos de ferro, aço, alumínio, e os fertilizantes podem gerar taxas de € 1,1 bilhão anualmente. No mês passado, o ministro do Desenvolvimento Econômico da Rússia, Maxim Reshetnikov, revelou que o governo estava trabalhando em um sistema nacional de “precificação de dióxido de carbono”, seguindo o exemplo da UE.

Reviravolta

Para Tickle, essas razões, juntamente com uma crescente conscientização pública sobre os perigos que as mudanças climáticas representam para a Rússia, provavelmente explicam “a reviravolta pública de Putin em 2015”.

Nos seis anos seguintes, observa o articulista da RT, Putin continuou no mesmo caminho, tornando-se uma voz mais forte na necessidade de combater o aquecimento global, e passou a colocar o meio ambiente na vanguarda de seus objetivos políticos.

“Se a raça humana é responsável pela mudança climática, mesmo no menor grau, e essa mudança climática tem graves implicações, e se podemos fazer algo para, pelo menos, desacelerar esse processo e evitar suas consequências negativas, não devemos poupar esforço” , disse ele ao Clube Internacional de Discussão Valdai em Sochi em 2019.

Doze meses depois, no mesmo evento, ele se concentrou ainda mais nos aspectos da mudança climática provocados pelo homem. “A humanidade não está a salvo de desastres naturais, muitos dos quais são resultado de interferências

antropogênicas”, disse ele a uma sala de especialistas e jornalistas. “As tensões chegaram a um ponto crítico. Podemos ver isso nas mudanças climáticas. Esse problema exige ações práticas e muito mais atenção de nossa parte.”

Então, no início deste ano, em resposta a uma pergunta no evento anual da Linha Direta [em que responde a perguntas dos cidadãos ao vivo], Putin alertou que a humanidade deve parar de contribuir para a mudança climática, ou corre o risco de transformar o planeta em Vênus, que é “cerca de 500 graus Celsius quente.”

“Temos de fazer de tudo para minimizar a nossa contribuição para o que acontece na esfera global, no universo em geral”, afirmou o presidente. “Somos parte deste universo. Devemos influenciar o que quer que possamos influenciar”.