Vice-chanceler da Rússia, Alexander Grushko em Bruxelas

Em entrevista coletiva após a reunião Rússia-Otan em Bruxelas na quarta-feira (12), o vice-chanceler russo Alexander Grushko reafirmou o princípio da segurança coletiva indivisível – segurança para todos – e chamou de reinterpretação “seletiva” a visão da Otan de que só se aplica aos próprios membros, de que a expansão para leste, para as fronteiras com a Rússia, é o principal corolário.

A questão essencial já foi posta sobre a mesa pelo presidente Putin em sua coletiva de imprensa anual: “Estamos implantando mísseis perto da fronteira dos EUA? Não, nós não estamos. São os Estados Unidos que vieram à nossa casa com seus mísseis e já estão à nossa porta. É ir longe demais exigir que nenhum sistema de ataque seja colocado perto de nossa casa? O que há de tão incomum nisso? Deixamos claro que qualquer movimento posterior da Otan para o Leste é inaceitável. Há algo obscuro sobre isso?”

É isso que Washington e sua mídia amestrada tentam esconder sob o alarido diuturno de “ameaça russa à Ucrânia”.

Na avaliação da agência de notícias Russia Today (RT) após as conversações, “não há uma agenda positiva unificadora entre a Rússia e a Otan”: “as discussões foram ‘diretas’ e ‘sinceras’, mas ao mesmo tempo expuseram diferenças fundamentais de pontos de vista”.

Grushko salientou que tal reinterpretação pela Otan, que ignora a história e os acordos anteriores sobre segurança coletiva que mantiveram a região sem guerra por décadas, é “intolerável” para a Rússia. Antes da reunião, ele alertara que seria “a hora da verdade para a Otan”.

“Voltar à Guerra Fria”

A aliança liderada pelos EUA voltou à estratégia completa da Guerra Fria de “contenção” em relação à Rússia e busca “dominância de espectro total”, acrescentou o vice-chanceler russo.

O comportamento da OTAN está criando uma ameaça “inaceitável” à Rússia que Moscou terá que deter, acrescentou. Ele também responsabilizou Washington pelo “colapso” dos acordos de controle de armas, ao deixar unilateralmente os tratados INF e Open Skies, e só assinando a prorrogação do Novo START no último minuto.

A Rússia propôs medidas de desescalada, mas a Otan até agora as ignorou, acrescentou o diplomata. Ele considerou que a pretensão da Otan de que a segurança é algo que se aplica apenas aos seus membros está em violação direta de numerosos tratados internacionais.

Grushko advertiu que, se a Otan persistir com a política de contenção, dissuasão e intimidação, Moscou não terá outra forma senão responder na mesma moeda.

O vice-chanceler lembrou a chamada ‘Crise dos Mísseis no Caribe’ na década de 1960, em que acabou sendo encontrada uma saída muito pragmática e que atendeu às necessidades de segurança de todas as partes.

Ele registrou, ainda, como na reunificação alemã se chegou a um acordo para limitar o tamanho do exército alemão. A propósito, foi nesse processo que Washington se comprometeu a não avançar “uma polegada” para leste (que vive negando ter feito).

A delegação russa enfatizou as legítimas demandas da Rússia: de que a Otan, em termos militares, volte às fronteiras de 1997; que os dois lados não posicionem sistemas de armas nas fronteiras um dos outros que tornem a eclosão de uma guerra questão de minutos; que parem as manobras e deslocamentos de forças nas fronteiras com a Rússia; e que “nunca, jamais” a Ucrânia e a Geórgia sejam anexadas à Otan.

Grushko também apontou que foi a Otan que declarou a Rússia “oponente”. Igualmente foi a Otan que praticamente inviabilizou o Conselho Rússia-Otan ao expulsar representantes russos arbitrariamente e reduzir a representação russa em Bruxelas a um número ínfimo. E que encerrou toda e qualquer cooperação com a Rússia em questões importantes de segurança comum, como a luta contra o terrorismo, tráfico de drogas ou pirataria.

Grushkov disse que o lado russo se esforçou na reunião em deixar claro que os riscos para a segurança inclusive da Otan com a expansão a leste são “muito maiores” do que os supostos “benefícios”.

“Discussão franca e aberta”

Mais cedo, o secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, disse a repórteres que os dois lados tiveram uma “discussão franca e aberta sobre uma ampla gama de questões, obviamente focando nas tensões dentro e ao redor da Ucrânia”.

No entanto, Stoltenberg descartou qualquer acordo sobre o fim da expansão da OTAN, dizendo que “a Rússia não tem poder de veto” sobre esse processo e que “apenas a Ucrânia e 30 aliados podem decidir quando a Ucrânia se tornará membro”.

Questão sobre a qual Putin já foi muito direto. Como ele explicou em um programa de tevê russo. Não se trata de uma “linha que não queremos que alguém cruze”.

“A questão é que não temos para onde recuar. Eles [Otan] nos espremeram contra uma linha da qual não podemos nos mover. Eu já disse – eles colocarão sistemas de mísseis na Ucrânia, 4-5 minutos tempo de voo para Moscou. Para onde podemos ir? Eles simplesmente nos levaram a tal estado que temos que dizer a eles: parem”, disse o presidente russo.

4 a 5 minutos para a hecatombe nuclear, é disso que se trata toda essa discussão.

A reunião de Bruxelas foi precedida por uma reunião EUA-Rússia em Genebra, também marcada pela “sinceridade” e falta de acordo, em que estiveram em discussão as propostas de Moscou apresentadas aos EUA no dia 15 de dezembro, após telefonema Putin-Biden.

No entender do vice-chanceler Sergei Ryabkov, a reunião de segunda-feira se encerrou com Washington ainda longe de se dispor a entender a “gravidade da situação”. “Está tão perigosa e tão – eu diria – precária que não podemos mais atrasar a resolução desta questão fundamental” de fim da expansão da Otan para leste e garantias jurídicas vinculantes, acrescentou.

Para o vice-chanceler, é possível “um equilíbrio geral de interesses que satisfaça todas as partes, um equilíbrio de interesses entre a Rússia, por um lado, e o grupo da Otan, por outro lado, se houver disposição”.

A bola está agora no campo da Otan, que precisa se decidir a dar um “passo verdadeiro” para encontrar um terreno comum com a Rússia, concluiu. Na quinta-feira, haverá uma reunião em Viena da Organização pela Segurança e Cooperação Europeia (OSCE), com a presença da Rússia, demais países europeus, integrantes ou não da Otan, inclusive a Ucrânia, e dos EUA.