Robert Reich: sob o capitalismo é difícil manter a democracia atuando
O aumento da desigualdade de renda nos EUA, a níveis nunca vistos por quase um século, torna “difícil manter uma economia” e uma democracia em funcionamento, diz o ex-secretário do Trabalho de Bill Clinton, Robert Reich.
Por Mark Gruenberg*
Isso vale para versão do sistema capitalista nos EUA, acrescentou.
Robert Reich, que agora é professor na Universidade da Califórnia em Berkeley, disse que o abismo crescente entre os ricos e o resto da população, e o aperto resultante da classe média – especialmente da classe trabalhadora branca e dos que moram em zonas rurais – produz uma mudança eleitoral no rumo da demagogia .
“Quanto mais longa é a escala de renda, mais difícil é para alguém na base subir”, explicou. “Se faltarem degraus [de renda] no meio, fica cada vez mais difícil para as pessoas que estão espremidas”.
Esses eleitores, disse, “tornam-se menos generosos e mais suscetíveis à demagogos”, como o derrotado ocupante da Casa Branca do Partido Republicano Donald Trump.
E esses demagogos, por sua vez, também acusam o “outro” – imigrantes, os pobres, muçulmanos e pessoas de cor, nas citações de Trump – como o inimigo, disse.
Enquanto isso, os “EUA se movem em direção ao mesmo sistema oligárquico” que há em outras nações, “dada a conexão muito estreita entre riqueza e poder político.”
Reich falou em 16 de novembro em uma palestra patrocinada pela “National Press Foundation“, com sede em Washington, sobre a cobertura da mídia de questões de raça, classe, pobreza e desigualdade de renda.
Não há dúvida, disse ele, que, nos últimos 40 anos, a diferença entre o 1% mais rico e todos os outros se transformou em um vasto abismo. Ambos os partidos foram responsáveis por criar esse abismo, disse ele.
Os republicanos fazem isso por meio de cortes de impostos para empresas e para os ricos, de forma demagógica e encobrindo seus objetivos reais – enriquecer os ricos influentes – com retórica populista.
Mas os democratas também o fizeram abandonando os eleitores da classe trabalhadora em favor daqueles com curso universitário, de todas as raças e sexos. Isso inclui a eleição de 2020, observei.
Ele percebeu essa tendência ao percorrer o país durante seu mandato como secretário do Trabalho do presidente democrata Bill Clinton. Clinton era um democrata pró-negócios que defendeu, entre outras ideias, os chamados tratados de “livre comércio”, principalmente o Nafta.
Trabalhadores “no Sul e no Cinturão de Ferrugem me disseram”, há um quarto de século, “estou trabalhando mais duro do que nunca. Por que não estou progredindo?” E isso mesmo com “mais mulheres entrando no mercado de trabalho porque foram obrigadas”.
Mas a votação de 2020 reforçou outra divisão nos EUA: entre as ricas cidades centrais, seus subúrbios e áreas costeiras a leste e oeste de um lado e o interior do país do outro.
Reich mostrou um gráfico revelando que as cidades costeiras e subúrbios são azuis (democratas) e estão ficando maiores e mais azuis.
O interior, exceto em grandes aglomerados azuis ao redor de Chicago, as Cidades Gêmeas [Minneapolis-Saint Paul, em Minnesota. Nota da Redação], Denver, várias cidades do Texas e algumas áreas metropolitanas menores, está perdendo pessoas e ficando mais vermelho – mais republicano.
Em essência, ele disse, os dois principais partidos mudaram seus eleitorados, com o Partido Republicano agora representando aqueles sem curso universitário e os democratas, aqueles que tem.
Mas Reich, autor de 18 livros, incluindo o mais recente, “The System: Why is Rigged And How To Fix It” [“O sistema: por que é manipulado e como corrigi-lo“], que analisa em profundidade essa diferença de renda e o impacto político resultante, diz que o problema não é apenas de demagogos individuais como Trump ou políticos ligados a ricos doadores de campanha. É o próprio sistema.
Isso porque o sistema econômico nos EUA não é capitalismo em sua forma pura, mas, em uma frase que já foi usado, “socialismo para os ricos”, e o chamado capitalismo de livre mercado para todos os demais.
E esse “capitalismo” é distorcido pelos ricos e pela influência política empresarial, que usa seus ganhos para promover seu próprio benefício, acrescentou. O 1%, observei, “agora detém metade do mercado de ações”. Usam essas pilhas de riqueza, acumuladas do resto de nós, para dirigir a política.
“O dinheiro agora tenta impulsionar a opinião pública”, disse Reich, citando como evidência os US $ 207 milhões que a Uber, Lyft e outras empresas gastaram em um plebiscito na Califórnia para derrubar a lei estadual AB5, que havia declarado que os trabalhadores uberizados são “empregados” de acordo com a lei trabalhista , com direito aos benefícios trabalhistas.
Uber, Lyft e empresas aliadas venceram, o que significa que esses trabalhadores agora voltam a ser “contratados independentes”, virtualmente sem direitos.
Muito disso tem a ver com o legado de racismo e escravidão, que deixou as pessoas de cor mais vulneráveis ao desastre econômico, uma condição ampliada pela pandemia do coronavírus.
A única pergunta que Reich não conseguiu responder completamente é como reverter essas tendências e começar a fechar a brecha entre riqueza e renda. Ele defendeu mais educação da classe trabalhadora, tanto branca quanto negra, para convencê-la de seus interesses comuns contra a exploração pelo 1%.
Ele também disse que os democratas, tendo presumivelmente retomado a Casa Branca com a eleição do ex-vice-presidente Joe Biden, terão que agir para atender às expectativas dos trabalhadores, não dos ricos. Biden poderia usar ordens executivas e mudanças regulatórias para reverter muitos, mas não todos, os danos de Trump – incluindo perdas que o Departamento de Trabalho de Trump infligiu aos trabalhadores.
Mas se Biden não fizer isso, ou se um Senado controlado pelo Partido Republicano frustrar seus planos de reforma abrangente – chamado por Biden de “Construindo Melhor”, – o caminho está aberto para uma terceira alternativa ocupar o vazio deixado pela desconfiança e o desespero resultantes.
Caso contrário, advertiu Reich, haveria ainda mais viradas para a demagogia e o uso de bodes expiatórios, e mais movimento em direção à oligarquia.
Citando o famoso juiz da Suprema Corte Louis Brandeis, que era advogado trabalhista antes de ingressar na Suprema Corte, Reich acrescentou: “Ou podemos ter uma grande riqueza nas mãos de poucos, ou podemos ter democracia. Não podemos ter os dois.”
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*Mark Gruenberg dirige o escritório de People’s World em Washington.