Robert Mugabe (1924-2019): a queda de um gigante
Robert Mugabe, ex-presidente do Zimbábue, morre aos 95 anos. Os últimos anos no governo foram caracterizados pela crise financeira e política.
Robert Mugabe, um herói da luta pela independência da África, cujo longo domínio no Zimbábue terminou em grave crise política, morreu nesta sexta-feira (6), aos 95 anos, informou o presidente Emmerson Mnangagwa.
Em uma declaração no início da manhã, Mnangagwa chamou Mugabe de “um ícone da libertação, um pan-africanista que dedicou sua vida à emancipação e capacitação de seu povo. Sua contribuição para a história de nossa nação e continente nunca será esquecida. Que sua alma descanse na paz eterna.”
Monica Mutsvangwa, ministra da Informação, confirmou a notícia e disse: “Sim, é realmente triste. Alguns de nós eram, para ele, como seus filhos. Nunca podemos escrever nossa história sem mencioná-lo.
A morte do ex-presidente, que governou o Zimbábue por quase quatro décadas antes de ser derrubado por um golpe militar em novembro de 2017, marca o fim de uma era na história da ex-colônia britânica.
Em novembro de 2018, Mnangagwa, que governa o país desde 2017, informou que Mugabe já não conseguia andar.
Mugabe já foi amplamente celebrado por seu papel no combate ao regime racista e enraizamento colonial de Ian Smith na então Rodésia (atual Zimbábue). Mugabe havia se tornado, nos últimos anos, o centro de uma grave crise em seu país. Seus últimos anos no poder foram caracterizados pela crise financeira, perseguição política e luta interna pelo poder que colocou sua esposa, Grace, 41 anos mais nova que ele, em confronto com Emmerson Mnangagwa, que fora seu braço direito. A rivalidade foi resolvida quando Mnangagwa assumiu o governo depois da renúncia relutante de Mugabe após um golpe militar.
As primeiras reações à morte de Mugabe sublinharam a natureza controversa de sua vida e legado. Muitos lembram o exemplo de sua liderança na luta pela independência do Zimbábue. Na África do Sul, o Congresso Nacional Africano (ANC), partido do governo, descreveu Mugabe como um “amigo, estadista e camarada revolucionário”. Em uma declaração, reconheceu que às vezes “diferia vociferantemente” de Mugabe, mas lembrou que foi “um fervoroso e forte defensor da unidade e autoconfiança africana”, que havia sido uma inspiração.
Nelson Chamisa, líder do principal partido da oposição no Zimbábue, o Movimento pela Mudança Democrática, disse: “Um gigante caiu”. “Embora tenhamos grandes diferenças políticas com o ex-presidente, reconhecemos sua imensa contribuição para a luta pela libertação”, escreveu Chamisa no Twitter.
Nas décadas desde que o Zimbábue conquistou a independência da Grã-Bretanha, em 1980, o poder se concentrou nas mãos de Mugabe. Antes de Mnangagwa assumir, uma geração inteira de zimbabuanos não conheceu outro líder. Após seu afastamento do poder, em 2017, Mugabe recebeu o status de pai da nação e uma pensão do novo governo.
Educado em escolas missionárias católicas, Mugabe tornou-se professor em Gana e depois retornou à Rodésia (denominação colonial do Zimbábue), em 1960, para lutar contra o domínio da minoria branca. Foi preso por 10 anos e fugiu para o vizinho Moçambique, onde se tornou um dos líderes da guerrilha que combatia o regime de Ian Smith.
Quando alcançou a liberdade, Mugabe prometeu respeitar a população branca do país, que liderou num período de crescimento econômico e desenvolvimento educacional admirado em toda África. Mas houve conflitos contra a população de origem européia, e contra seu rival Joshua Nkomo. A oposição cresceu em 1999, quando a economia fracassou e os sindicatos se organizaram em torno do Movimento pela Mudança Democrática. Mugabe iniciou um programa de reforma agrária que distribuiu terras apropriadas por fazendeiros brancos, que foram despejados à força para dar lugar a zimbabuanos negros sem terras e nem capital para cultivá-las.
A crise ajudou a arruinar a economia, com ameaça de fome para no país. A hiperinflação foi tumultuada e as prateleiras dos supermercados ficaram vazias. A escola e o sistema de saúde, outrora orgulhosos, refletiram as enormes dificuldades econômicas. O ambiente político se tornou cada vez mais hostil, e Mugabe foi acusado de fraudar a eleição de 2008, contra o oposicionista Morgan Tsvangirai, do MDC.
As críticas francas da segunda esposa de Mugabe, Grace, ao braço direito do marido, Mnangagwa, foram o gatilho do golpe militar de 2017. Mas Mugabe continuou dedicado àquela a que chamava de “minha Grace”.
Acredita-se que Mugabe tenha morrido em Cingapura, que visitava com frequência nos últimos meses, para receber atendimento médico.
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Tradução, seleção de trechos e adaptação: José Carlos Ruy