O estado do Rio de Janeiro bateu um recorde em números de violência policial. Nunca foram registradas tantas mortes por ações da corporação nos últimos 22 anos. O estado registrou 741 vítimas nos cinco primeiros meses de 2020. São quase 5 pessoas mortas por dia pela polícia no Rio, segundo os dados do Instituto de Segurança Pública do Rio (ISP-RJ).
De toda a série histórica registrada pelo ISP, esse foi o maior número de vítimas causadas por policiais no RJ nos cinco primeiros meses de um ano desde 1998. Com a apuração dos dados, os índices de mortes em ações policiais no RJ mostraram que 78% das vítimas são pretas ou pardas.
Os dois maiores índices da série histórica foram registrados nos últimos dois anos, 2019 e 2020. A especialista em segurança pública e socióloga Sílvia Ramos afirmou que os números se consolidam a partir de 2018, quando houve a intervenção militar na segurança do Rio de Janeiro.
“O que nós verificamos é que, em 2018, o ano de intervenção militar, consolidou-se uma política de segurança baseada em operações de conflito. Quando chega a intervenção, chega uma ‘coisa militar’ declarada. Muito parecido com as operações de guerra e deixa de lado a inteligência”, afirmou.
“Em 2019, com a chegada de Wilson Witzel, temos a combinação do governo com um discurso agressivo e ofensivo com as favelas. Isso culminou com uma polícia que perdeu o rumo com as operações de inteligência. São resultados muitos dramáticos. É um discurso de ‘liberalização’ da execução”, completou Silvia Ramos.
Dentro das estatísticas obtidas, estão casos de vítimas inocentes que perdem a vida nestes confrontos. Em maio, o menino João Pedro Mattos, de 14 anos, foi morto no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, na Região Metropolitana do Rio. Ele estava brincando com os amigos quando foi baleado durante uma ação das polícias Civil e Federal.
78%
Pretos e pardos representam cerca de 78% dos mortos por intervenção policial no Rio de Janeiro em 2019. A informação consta em um levantamento do ISP, através da Lei de Acesso a Informação (LAI).
Das 1.814 pessoas mortas em ações da polícia no último ano, 1.423 foram pretas ou pardas. Entre elas, 43% tinham entre 14 e 30 anos de idade. O número de mortes por intervenção legal foi o maior número registrado desde 1998. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 54% da população do estado se declara preta ou parda.
A pesquisadora Obirin Odara, que tem como área de estudo “Estado, Colonialidade e Branquitude”, diz que as constantes mortes de jovens negros e pobres no Rio de Janeiro acontecem como parte de um “projeto histórico”. Para ela, o racismo está presente nas instituições da sociedade.
“Se a gente for olhar a função da Segurança Pública, ela nasce para proteger os bens e propriedades da classe dominante. Ela não nasce para proteger o pobre, preto e favelado. Se a Segurança Pública entende que, para proteger a classe dominante, precisa matar os negros, ela vai matar”, disse Obirin Odara.
“A segurança pública é racista porque o projeto de sociedade é racista. Ela funciona de tal modo que todas as instituições dialoguem com esse projeto. A Polícia Militar vai alimentar uma execução de um projeto que é racista e vai ser racista também”, completou a pesquisadora.
Obirin Odara diz ainda que uma característica comum em mortes de pessoas negras é a presença de violência excessiva. Ela lembrou dos casos de João Pedro, da auxiliar de serviços gerais Cláudia da Silva e da chacina de Costa Barros. Segundo ela, o racismo nunca é abordado como motivo das mortes.
“No Brasil, o racismo vai tomando vários ‘nomes’. Você mata porque ele era uma ameaça, você mata porque ele tinha cara de ladrão, você mata porque achou que o guarda-chuva era um fuzil, você não diz ‘matei porque era negro’. Mas, quando a gente olha os dados, a gente fala “não”. Independente das narrativas que foram criadas, o que une essas mortes é, portanto, o fato de serem negros”, disse.