Os apelos por reforma e cooperação como a pandemia, o ceticismo dos EUA e as crescentes tensões EUA-China minam a organização internacional.

Os líderes mundiais se reuniram, virtualmente, nesta segunda-feira para marcar o 75º aniversário das Nações Unidas, enquanto a pandemia do coronavírus e a crise econômica desafiam a eficácia e a solidariedade da organização que foi criada após os horrores da Segunda Guerra Mundial.

Milhões de pessoas foram forçadas à quarentena e as economias foram devastadas quando a Covid-19 começou a se espalhar pelo mundo no início deste ano. Agora, alguns países estão enfrentando uma segunda onda e os 193 membros da ONU têm lutado para se afirmar diante de uma desconfiança dos Estados Unidos, de uma China assertiva e de uma rivalidade crescente entre os dois.

Em seu próprio website para marcar o aniversário, a ONU disse que o evento estava ocorrendo em um “momento de grande ruptura para o mundo, agravado por uma crise de saúde global sem precedentes com graves impactos econômicos e sociais”.

O coronavírus intensificou as tensões de longa data entre os EUA e a China. Washington acusa Pequim de falta de transparência em relação ao surto, que começou na cidade chinesa de Wuhan no final do ano passado.

Em um aparente golpe contra Washington, o presidente da China, Xi Jinping, disse na segunda-feira: “Nenhum país tem o direito de dominar os assuntos globais, controlar o destino de outros ou manter as vantagens do desenvolvimento só para si. Muito menos se deveria permitir fazer o que quer que queira e ser hegemônico, o valentão ou o chefe do mundo. O unilateralismo é um beco sem saída.”

Os comentários de Xi não constam do vídeo que ele gravou para a reunião. Eles foram incluídos em uma declaração mais longa que a missão chinesa da ONU disse ter sido submetida ao organismo mundial.

A China tem se apresentado como a principal torcida do multilateralismo depois que o desrespeito do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, pela cooperação internacional, levou Washington a abandonar os acordos globais sobre o clima e o Irã, além de deixar o Conselho de Direitos Humanos da ONU e a Organização Mundial da Saúde (OMS).

‘Razões de preocupação’

Trump foi listado como o primeiro orador entre os estados membros na agenda da ONU para o evento. Em vez disso, foi a vice-representante em exercício dos EUA na ONU, Cherith Norman Chalet, que falou no salão da Assembleia Geral.

O organismo mundial provou ser de muitas maneiras uma “experiência bem-sucedida”, disse ela, mas acrescentou que “também havia motivos para preocupação”.

“As Nações Unidas resistiram por muito tempo a reformas significativas, muitas vezes carentes de transparência e muito vulneráveis à agenda de regimes autocráticos e ditaduras”, disse ela.

A imprensa internacional avaliou que a ausência de Trump causou espanto. Indagou-se se isso seria uma afronta deliberada ou uma demonstração da falta de prioridade da ONU na agenda do governo dos EUA.

Outros líderes falaram da necessidade de os países trabalharem juntos em questões como mudança climática e a pandemia, e lamentaram as rivalidades que estavam minando a ONU e a cooperação internacional.

“Nossa casa compartilhada está em desordem. Nossas fundações estão desmoronando”, disse o presidente francês Emmanuel Macron à assembléia.

“Guerras de anexação, uso de armas químicas e detenções em massa estão ocorrendo impunemente”, continuou ele. “Nosso sistema internacional está refém de rivalidades. Ele está sendo enfraquecido por sua incapacidade de processar os indivíduos responsáveis por esses abusos.”

Mas Trump escolheu o momento do aniversário da ONU para impor sanções ao Irã por violar um embargo de armas da ONU e exigiu a aplicação por aliados dos EUA, apesar de sua decisão em 2018 de retirar unilateralmente os EUA do acordo das seis potências. Aliados dizem que ele não tem autoridade para fazer tais exigências.

Reformas

O secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, disse que a pandemia expôs as fragilidades do mundo.

“Só podemos enfrentá-los juntos. Hoje temos um superávit de desafios multilaterais e um déficit de soluções multilaterais”, afirmou. “Ninguém quer um governo mundial – mas devemos trabalhar juntos para melhorar a governança mundial.”

O Conselho de Segurança de 15 membros levou meses para apoiar um apelo de Guterres por um cessar-fogo global – para permitir que os países se concentrem no combate à Covid-19 – como resultado de disputas entre a China e os EUA.

Vários líderes pediram uma reforma da ONU e do Conselho de Segurança em particular, argumentando que era injusto que EUA, Rússia, China, França e Reino Unido fossem os únicos poderes permanentes com poder de veto.

“Uma estrutura de conselho que deixa o destino de mais de sete bilhões de pessoas à mercê de cinco países não é justa nem sustentável”, disse o presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan.

O evento especial de um dia nesta segunda-feira aconteceu antes da reunião anual de líderes mundiais da ONU, que começa na terça-feira. Nenhum presidente ou primeiro-ministro estará fisicamente presente em Nova York por causa da pandemia e todas as declarações foram pré-gravadas para transmissão no salão da Assembleia Geral.

A ONU foi criada após a Segunda Guerra Mundial, quando os países decidiram se unir para evitar outro conflito. Embora não tenha havido uma guerra dessa escala desde então, os líderes adotaram uma declaração na segunda-feira reconhecendo “momentos de decepção”.

“Tudo isso exige uma ação maior, não menos”, disse o comunicado.

Cezar Xavier com agências internacionais