Repórter da AP Matt Lee cobra - e não obtém - do porta-voz Ned Price evidências sobre acusações que acabara de fazer

Em uma conversa memorável na quinta-feira (3), o porta-voz do Departamento de Estado, Ned Price, foi desafiado por Matt Lee, da Associated Press, por vender alegações infundadas sobre um ataque iminente da Rússia à Ucrânia ao público como “fatos” baseados em “informações desclassificadas”.

Ned Price – um ex-agente da CIA – apareceu diante da imprensa, declarando: “Os Estados Unidos têm informações de que a Rússia está preparando ataques fabricados por forças militares ou de inteligência ucranianas como pretexto para uma nova invasão da Ucrânia”.

Isso envolveria, continuou Price, a “produção de um vídeo de propaganda com cenas gráficas de falsas explosões, retratando cadáveres, atores de crise fingindo ser enlutados e imagens representando locais destruídos e equipamentos militares – inteiramente fabricados pela inteligência russa”.

E continuou: “Para ser claro, o desenvolvimento de tal vídeo de propaganda é uma das muitas opções que o governo russo está desenvolvendo como um falso pretexto para iniciar e potencialmente justificar uma agressão militar contra a Ucrânia. … A Rússia indicou que está disposta a continuar as negociações diplomáticas, mas ações como essa sugerem o contrário.”

No entanto, pelo menos desta vez, a provocação não passou batida, com um jornalista da Associated Press, Matt Lee, em um raro momento de lucidez e pensamento crítico entre os jornalistas, desafiando o ex-agente da CIA e agora porta-voz Price a provar suas acusações contra a Rússia.

Na íntegra, o bate-volta:

Matt Lee: De que ações [sugerindo que a Rússia não está interessada em negociações diplomáticas] você está falando?

Porta-voz Price: A ação que acabei de apontar, o fato de que a Rússia continua engajada na desinformação.

Matt Lee: Você fez uma alegação de que eles podem fazer isso, eles realmente fizeram isso?

Porta-voz Price: O que sabemos Matt é o que acabei de dizer, é que eles se envolveram nessa atividade.

Matt Lee: Que atividade? Que atividade?

Porta-voz Price:….Nós dissemos a vocês algumas semanas atrás que temos informações de que a Rússia também já pré-posicionou um grupo de agentes condicionados a conduzir uma falsa bandeira [operação] no leste da Ucrânia. Então, Matt, para sua pergunta, é uma ação que a Rússia já empreendeu.

Matt Lee: É uma ação que você diz que eles tomaram, mas você não mostrou nenhuma evidência para confirmar isso e eu vou chegar à próxima pergunta aqui que é: Qual é a evidência de que eles planejaram [essa ação] ? O que é isso? Atores de crise? Sério? Quero dizer, este é o território de Alex Jones que você está entrando agora. Que evidências você tem para apoiar a ideia de que há algum filme de propaganda em produção?

Porta-voz Price: Isso é derivado de informações conhecidas pelo governo dos EUA, informações de inteligência que desclassificamos.

Matt Lee: OK, bem, onde está? Onde está essa informação?

Porta-voz Price: São informações de inteligência que desclassificamos.

Matt Lee: Mas onde está? Onde está a informação desclassificada?

Porta-voz Price: Acabei de entregar.

Matt Lee: Não, você fez uma série de alegações. …

Porta-voz Price: O que você gostaria Matt?

Matt Lee: Eu gostaria de ver alguma prova de que você possa mostrar que os russos têm feito isso.

Porta-voz Price: Você tem feito isso por—

Matt Lee: Isso mesmo, eu tenho feito isso por um longo tempo. … Lembro-me das WMDs [armas de destruição em massa] no Iraque, e lembro que Cabul não ia cair… Lembro-me de muitas coisas. Então, onde está a informação desclassificada além de você dizendo isso?

“Cadê a evidência?”

Com apenas uma pergunta simples – “que evidência você tem?” – Lee deixou Price a nu e expôs o fato de que a atual campanha da mídia sobre a “iminente invasão russa” da Ucrânia e “ataques de bandeira falsa” não tem mais credibilidade do que as mentiras de Colin Powell sobre “armas de destruição em massa” no Iraque.

Aliás, foi exatamente lembrando a célebre foto de Powell de 2003, que a Rússia respondeu à nova provocação fabricada por Washington. Foto em que o então secretário de Estado Colin Powell, mente ao Conselho de Segurança da ONU, exibindo um tubinho com sabão em pó que dizia ser ‘antraz’, e que seria a prova das ‘armas de destruição em massa’ de Sadam.

Quanto à possibilidade de uma operação de bandeira trocada no Donbass, quem realmente denunciou o risco de haver uma foi a Rússia, tendo em vista a presença de milicianos ucranianos neonazistas e mercenários britânicos e norte-americanos na região.

Além disso, os EUA têm um farto repertório de operações de bandeira trocada e falsas imputações, para servir de pretexto para seus crimes de guerra contra povos soberanos. Como o “incêndio do Maine” no cais de Havana, no final do século XIX, antes de invadir Cuba. Ou o “Incidente no Golfo de Tonkin”, inexistente, e que serviu para bombardear o Vietnã do Norte com B-52. Ou “Kadhafi distribuindo viagra aos seus soldados para que estuprassem as mulheres líbias”, quando a Otan destruía o país árabe. Ou os falsos “ataques com gás do governo Bashar na Síria”, cometidos por jihadistas e ‘Capacetes Brancos’.

Pego de calças curtas e bastante irritado por ser desmascarado na frente de todos, Price partiu para a tentativa de intimidar o jornalista. “Lamento que você não goste do conteúdo, sinto muito que você esteja duvidando das informações que estão em poder do governo dos EUA. … Se você duvida da credibilidade do governo dos EUA, do governo britânico e de outros governos e quer encontrar consolo nas informações que os russos estão divulgando, isso é com você.”

O ex-agente e atual porta-voz – não necessariamente nessa mesma ordem – só faltou acusar Lee de ser um “traidor” dos EUA ou “amigo de Putin”.

Esse tipo de tentativa de intimidação, em paralelo com a execução extrajudicial de um suposto chefe do Estado Islâmico, em que foram abatidas seis crianças e quatro mulheres, é sintomático de como o governo Biden, capenga nas pesquisas e na descendente, com inflação em alta e prateleiras vazias, caos nas cadeias de suprimento, e batendo o terrível recorde de 900 mil mortos pela Covid, cada vez mais vê como escapatória a saída pelo front externo, açulando à guerra.