Renda básica deve se inspirar no Bolsa Família, diz ex-ministra
Qualquer programa de transferência de renda para enfrentar a devastação econômica deixada pela pandemia deve ser construído usando a estrutura e os princípios que norteiam o Bolsa Família. A avaliação é da ex-ministra de Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Tereza Campello, que nesta quarta-feira (5) participou de live a convite do Portal Vermelho. A ex-secretária Nacional de Assistência Social, Ieda Castro, também participou da bate-papo.
As duas especialistas na área comentaram o programa que Jair Bolsonaro e Paulo Guedes pretendem criar para substituir o Bolsa Família, o Renda Brasil. Para viabilizá-lo, Guedes pretende extinguir programas como o abono salarial, o farmácia popular e o seguro-defeso para pescadores.
“O Bolsonaro está apresentando para uma crise profunda a mesma coisa que já apresentou em abril e em dezembro do ano passado. O governo Bolsonaro assumiu propondo extinguir o Bolsa Família, extinguir o abono salarial [pago a] trabalhadores que ganham até dois salários mínimos, tirar dos pescadores artesanais, tirar dinheiro de doentes crônicos no [programa] farmácia popular e dividir [esses recursos] entre os mais pobres. Tira dos que são um pouco pobres e divide entre os que são muito mais, quando no Brasil o certo seria tirar dos muito ricos”, comentou Tereza Campello.
Segundo a ex-ministra, o governo faz é aproveitar o momento de tragédia humanitária para aprovar o que chamou de “um combo de maldade”. Ela lembrou que, em plena pandemia, Bolsonaro e Guedes também tentaram ressuscitar a Carteira Verde e Amarela por meio de uma medida provisória que acabou caducando no Congresso. Ao mesmo tempo, permitiu que empregos fossem destruídos ao não garantir que o crédito chegasse às micro e pequenas empresas.
“Eles destruíram a economia, 716 mil microempresas fecharam. Não fecharam por causa da pandemia. Fecharam e não voltam mais, porque o governo não viabilizou recursos para essas empresas sobreviverem”, disse.
A ex-secretária Nacional de Assistência Social, Ieda Castro, destacou que são justamente os pequenos comerciantes e prestadores de serviços quem mais empregam. “São os pequenos comércios, os comércios familiares, que a acabam agregando uma família inteira e vai gerando renda, diminuindo a pressão sobre o emprego formal. Quando você não viabiliza o retorno dessa estabilidade, ou o mínimo de segurança, você impede que essas pessoas possam continuar participando da vida produtiva”, afirmou.
Referência mundial
Tanto Tereza Campello quanto Ieda Castro defenderam ampliar o Bolsa Família, tanto em número de participantes quanto no valor do benefício pago. Para a ex-ministra, não faz sentido pensar em construir um programa de renda básica do zero, ainda mais em um momento de crise.
“Se você perguntar por um exemplo de programa de renda básica que tem escala, que tem impacto, que funciona e que possa servir de exemplo pra qualquer país do mundo, só tem uma única resposta. Se chama Bolsa Família. O Brasil tem o o maior, o melhor, o mais eficiente programa de renda básica do mundo. Aí no meio da crise todo mundo pensa: “Vamos inventar uma outra coisa”. Para que nós vamos inventar outra coisa? No meio da tragédia, você pega a única coisa que funciona, resolve jogar no lixo e fazer uma coisa nova. É um contrassenso, é um erro, é uma aventura. A não ser que o Bolsa Família não pudesse ser aumentado, adaptado para essa nova situação, coisa que pode”, declarou ela, que defendeu modificar a lei que instituiu o Bolsa Família.
Ieda Castro afirmou que o programa tem 17 anos de expertise em transferência de renda e faz acompanhamento das necessidades das famílias por meio da rede de assistência social. Além disso, permite aos beneficiários usarem o dinheiro como desejem, garantindo-lhes autonomia.
“Ele [Bolsa Família] já tem uma envergadura, uma estrutura de cadastro, de averiguação, de acompanhamento das condicionalidades que [ao ser usada para pagar o auxílio emergencial] foi automático, sem nenhum trauma, as famílias não fizeram aglomeração. Qualquer modelo que venha não pode desconsiderar um legado de estrutura de transferência monetária em que o Brasil é um verdadeiro mestre. E a pessoa tem autonomia, está na conta bancária dela”, comentou.
Segundo Ieda, o auxílio emergencial como foi formatado pelo governo não tem essa característica, já que com exceção dos beneficiários do Bolsa Família os valores ficam em uma conta virtual e só podem ser usados para pagamento de contas. “Ele [Bolsonaro] optou não por um programa social, mas financeiro. Ele pegou o dinheiro e deixou em uma conta virtual. As pessoas não sacam, então esse dinheiro não circula no município. Só circula o do Bolsa Família”, disse.
Momento ideal
A ex-ministra Tereza Campello criticou a insistência de Guedes e de outros atores políticos e econômicos em manter a austeridade, incluindo o Teto de Gastos, que foi incorporado à Constituição e engessou os gastos públicos por 20 anos. Disse ainda que os programas sociais para proteger a população dos efeitos da pandemia devem ser financiados pelos super-ricos.
“Essa política do teto de gastos é criminosa, é uma aberração. Temos que fazer o que países no pós-guerra fizeram, que é uma reforma tributária que garanta que a reconstrução seja financiada pelos ricos, não pelos pobres”, defendeu.
Para a ex-ministra, o momento atual é o ideal para promover o debate sobre esses temas. “Eu acho que existem lições do coronavírus. Então, muita gente está se dando conta e passou a defender programas de transferência de renda. Eu acho que nós, que sempre defendemos, temos que aproveitar essa onda a favor da transferência e fazer um debate profundo. E superar o preconceito contra a pobreza, contra os pobres, que é um preconceito arraigado. Eu acho que existe hoje uma situação de maior compreensão, que deve ser aproveita para que nossa luta possa avançar”, afirmou. (Por Mariana Branco)
Confira o vídeo com o bate-papo: