Renato Rabelo: Manifesto que aponta alternativas e prega unidade
Eis que chega um fato que avaliamos muito significativo: o lançamento do Manifesto Unidade para Reconstruir o Brasil, um trabalho conjunto que abarcou oficinas, reuniões, revisões, e durou muitos meses, empreendido pelas cinco Fundações: Leonel Brizola-Alberto Pasqualini; Perseu Abramo; João Mangabeira; Lauro Campos; e Maurício Grabois com o apoio de seus respectivos partidos, PDT, PT, PSB, PSOL e PCdoB.
Por Renato Rabelo*
Neste momento, numa iniciativa pioneira em termos de abrangência da esquerda brasileira, as Fundações signatárias oferecem aos partidos aos quais estão vinculadas, às demais forças democráticas e ao povo brasileiro, o referido Manifesto.
O caráter do Manifesto
O Manifesto que as cinco fundações apresentam resulta de um esforço coordenado, participativo e coletivo na busca de uma alternativa em comum, democrática, soberana, progressista, que dê resposta aos dilemas e desafios da contemporaneidade vividos no curso da trágica realidade vigente em nosso país, sacando lições de sua história nacional e definindo a via de inserção soberana do Brasil no atual sistema internacional.
Antes de tudo, destaco uma concepção que regeu a elaboração deste Manifesto, desde o seu começo à sua conclusão. Ele é o início de uma base programática convergente que pode permitir o diálogo e o avanço da convergência, que até o momento, sem uma plataforma referencial e uma iniciativa conjunta, pode nos levar a uma ação dispersiva e infrutífera, malgrado múltiplos esforços de unidade.
Esse esforço de convergência não se conflita e respeita as estratégias e táticas eleitorais adotadas pelas legendas progressistas. Pode ser um lastro programático que, sendo construído conjuntamente, pode contribuir para a formação de um pacto eleitoral de ampla união, conforme a evolução da marcha política, capaz de enfrentar com melhores condições o poder das forças conservadoras no pleito de 2018.
Assim também o projeto aqui esboçado é uma obra coletiva, em andamento, contando com o saber acumulado de amplos setores nacionais e populares, de contribuição com o debate já em andamento no campo popular e progressista. Pois é no curso da luta concreta, em torno das ideias programáticas avançadas, que se poderá acumular forças e ampliar a união para descortinar horizontes e saídas para o Brasil.
E, para completar, o texto agora apresentado para exame e debate não é um ponto de fecho, de uma conclusão, mas sim um ponto de partida. Por isso, está indicado o convite a todos e todas, a instituições do campo democrático, lideranças e personalidades dos diversos setores da sociedade e dos movimentos a se agregarem ou dialogarem conosco para o êxito de retirar o país da crise e abrir novo caminho para reconstruir o Brasil.
O grande desafio
O empenho na definição e elaboração de um novo projeto de desenvolvimento situado e destinado ao Brasil atual, na dinâmica de sua história nacional e no contexto das tendências hodiernas do sistema internacional.
Partimos, por um lado, pelo lineamento de um capitalismo contemporâneo hegemonizado pela grande finança, num curso de uma crise da globalização neoliberal de gigantesca concentração e centralização do capital e da riqueza, e, por outro, pela imposição de uma nova ordem neocolonial de submissão geopolítica dos países da periferia e semiperiferia aos ditames hegemonistas e imperialistas, pilhagem das riquezas das nações e cerceamento do direito do desenvolvimento nacional autônomo para aqueles. Resulta disso um quadro mundial de ameaças, instabilidade e imprevisibilidade.
É assim que a ordem implantada pelo governo politicamente ilegítimo de Michel Temer segue esse duplo sentido hegemonista dominante: 1) de subordinação integral do país à imposição estrutural ultraliberal; 2) de atrelamento aos ditames de uma neocolonização atual realinhando o nosso país à geopolítica das grandes potências capitalistas.
Para tanto, esse governo imposto revoga conquistas de natureza democrática, patriótica e popular alcançadas pela luta do povo brasileiro – período desenvolvimentista de Getúlio Vargas e João Goulart –, as jornadas pela redemocratização que resultaram na Constituição de 1988, e mais recentemente o conjunto de realizações do ciclo progressista dos governos Lula e Dilma.
Há desalento na sociedade, a perspectiva esmaece, mas gradativamente crescem a vontade e a consciência de buscar saída e visualizar horizontes.
Mais uma vez a Nação se depara com uma encruzilhada: Ou o país se reencontra com a via da democracia, da soberania nacional, do desenvolvimento e do progresso social, e para isso se impõe contestar a subordinação do nosso país ao hegemonismo neocolonial e livrá-lo progressivamente do regime neoliberal, de predominância rentista; ou seguirá o caminho da ordem atual contra o povo e a Nação imposto pelo governo Temer, pelos partidos conservadores e as grandes forças econômicas internas e externas que lhe dão apoio.
Diante de tudo isso, se impõe a necessidade de as forças populares e progressistas definirem e elaborarem um novo projeto nacional – este é um debate atual. Ou seja, um Projeto Nacional de desenvolvimento que dê resposta aos dilemas e desafios da contemporaneidade. Apesar das ameaças, surgem também as oportunidades.
Estamos em meio a um cenário internacional de mal-estar gerado pela globalização neoliberal e a emergência de novos polos de poder que abrem a rota para uma ordem mundial multipolar. Tais tendências favorecem a concretização de projetos nacionais de desenvolvimento, soberano, autônomo e próprio.
Encarar o grande desafio
Quais os elementos, componentes e tarefas para um Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento.
Na resolução dessa importante questão, destacamos tanto tarefas imediatas quanto diretrizes ou setores e temas relevantes quem possam conformar o novo Projeto Nacional de Desenvolvimento.
As tarefas imediatas decorrem da emergência da situação presente, dos rumos da resistência diante do novo ciclo implantado pelo governo politicamente ilegítimo. E mais, o campo político popular e progressista está diante de uma grande investida estratégica das forças conservadoras e hegemonistas em todo o continente na qual está patente uma aliança de forças internas e externas (vide o caso mais extremo de preparação diplomática e bélica do governo Trump, visando à invasão da Venezuela).
E neste momento em nosso país segue o processo de radicalização conduzido pelo consórcio dominante no fragor aventureiro de prosseguir e consolidar o intento golpista. Para isso, ele tenta impor acintosamente as suas condições para a eleição presidencial deste ano, maquinando a inelegibilidade da maior liderança popular do país – Luiz Inácio Lula da Silva. O Brasil passa a viver então uma polarização aguda entre setores de poderes do Estado e financeiros da classe dominante e o campo democrático que defende a plena e justa participação de Lula na disputa presidencial de 2018.
Daí, portanto, a relação entre a resposta emergencial, que no momento requer fortalecimento da resistência, e simultaneamente a resposta de nossa alternativa à formulação de um projeto nacional de reconstrução, como referência básica para as forças democráticas, populares e progressistas.
De imediato a resistência requer decidida capacidade de unidade das forças de esquerda e progressistas, e destas poderem reunir mais extensamente reforços políticos, econômicos, culturais, sociais, em torno de bandeiras amplas e candentes: restauração da democracia; garantia da realização das eleições de 2018, com pleno respeito à soberania popular; defesa da soberania nacional e do patrimônio do Brasil; retomada imediata do crescimento econômico, da geração de empregos com foco nos investimentos.
Diretrizes para implantação de um Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento que deve ser defendido no processo eleitoral e se projeta além das eleições, podendo se tornar um lastro programático de referência para essas forças políticas.
Projeto sistêmico e articulado
O Projeto Nacional de Desenvolvimento essencialmente deve compor um sistema articulado e integrado de seus componentes, tendo um centro convergente: os grandes desafios nacionais. Desse modo foge-se da tendência voluntarista e imediatista que leva a se fixar no círculo vicioso recorrente do setorialismo fragmentado, do “curto-prazismo”, ou absolutizando o conjunturalismo.
A visão fundante proposta no Manifesto é de um Projeto que articule de modo sistêmico a soberania nacional e a questão social, com ênfase na relação das desigualdades e afirmação da causa democrática.
Afirma-se que pelos condicionantes da realidade mundial e da presente situação nacional ganha relevância o desenvolvimento soberano e autônomo do país a fim de se poder realizar as potencialidades do Brasil e seu povo. E a realização progressiva das reformas estruturais democráticas articuladas com um novo projeto nacional. Só construções políticas nacionais podem dar conta das desigualdades sociais e regionais, bem como das assimetrias internacionais.
Estado nacional e projeto nacional
Enfatiza o papel do Estado nacional forte, portador de um projeto de Nação. Assim, a questão nacional transcende a definição do que é nação, pois se relaciona com o Estado nacional, refratário à concepção oportunista e omissa de Estado mínimo neoliberal. Em contraste é um Estado capaz de planejar e impulsionar o desenvolvimento voltado para assegurar os direitos da maioria do povo brasileiro e dos interesses da Nação.
Reforma democrática da superestrutura
Disso, então, se propõe a necessidade de reestruturação do Estado brasileiro por reformas que o democratizem e ampliem e fortaleçam a democracia. Defesa da soberania nacional, do patrimônio e da economia nacional. Política externa soberana e Defesa Nacional.
Urgente retomada do crescimento econômico
O Manifesto procura alinhar, explicitando os desafios de retomada do crescimento econômico associado à redução das desigualdades sociais. Por conseguinte, nesse sentido, enfatiza o papel do Estado e dos bancos e empresas estatais, notadamente da Petrobras, para acionar o crescimento econômico, estimulando em conjunto as empresas privadas na elevação da taxa de investimentos. Destaque à Reforma Tributária progressiva que tribute mais os detentores de fortunas e rendas elevadas.
Nova política macroeconômica voltada ao desenvolvimento, à produção e ao emprego, desestimulando a especulação financeira e rentista.
Base material da sociedade/grande mobilização produtiva
O enfrentamento do grande desafio nacional de reindustrializar e modernizar o parque produtivo, numa grande mobilização produtiva; investimentos elevados e aperfeiçoamento da institucionalidade do Sistema Nacional de CT&I. Começar pelas cadeias de valor que estão mais enraizadas no país. Política industrial combinada com edificação de forte infraestrutura que integre e articule as regiões do país.
Meio ambiente e universalidade de direitos fundamentais
O Manifesto discorre de questões estruturais desafiantes: proteção do meio ambiente com desenvolvimento sustentável. Fortalecimento da Educação como um setor estratégico do desenvolvimento nacional. Indispensável e decisivo fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS). O tema da Segurança Pública que toma grande relevância nacional.
Emancipação das mulheres e direitos civis
A emancipação das mulheres como condição indispensável para o avanço civilizacional. E destaque para a candente esfera dos direitos humanos e no esforço da construção de uma sociedade que supere os preconceitos, combata o racismo, garanta os direitos das minorias, combata as opressões e discriminações e respeite as liberdades identitárias.
Esse Manifesto é o começo. Ele pode ser a base para o diálogo e progresso da convergência, que demanda um número infindável de mãos, cérebros e corações. É grande a confiança comum das nossas Fundações, com base na ampla maioria da Nação, em retirar o país da crise e encaminhá-lo a um novo destino político de democracia, de soberania nacional e de prosperidade econômica e progresso social.
Não será fácil, mas estamos convictos de que o Brasil liderado por amplas forças da Nação e da classe trabalhadora, a exemplo de outros momentos críticos de sua história, poderá vencer mais uma vez.
*Presidente da Fundação Maurício Grabois e ex-presidente nacional do PCdoB