Fui convidado para participar do Encontro Nacional Sindical do PCdoB e de um debate sobre a atual conjuntura política.

Por Renato Rabelo*

A responsabilidade do PCdoB, do movimento sindical e dos trabalhadores é enorme nesse momento do país. Nunca vivemos um período em que a unidade das forças de esquerda, das forças progressistas, das forças mais consequentes fosse tão necessária. A alternativa imposta pelo golpe, pelas forças golpistas – um consórcio da classe dominante – fracassou completamente!

Governo resultante do Golpe é rejeitado por mais de 90% da Nação

O governo Temer, produto do golpe de Estado, é o mais rejeitado pela Nação em toda a história recente do Brasil. A retomada do crescimento e do emprego tem sido um verdadeiro fracasso: o crescimento é débil, frágil, sendo reduzida constantemente sua previsão, talvez não passando de 1% do PIB. Chegamos a 13 milhões de desempregados. O pouco emprego que aparece é informal, precarizado.

Mesmo a propalada responsabilidade com o controle da dívida pública, que era o centro das críticas golpistas ao governo Dilma, não entregaram nada do que prometiam. As contas públicas, no último mês de abril, tiveram o pior resultado em 17 anos. E mais: a dívida bruta atinge um recorde de quase 4,854 trilhões de reais. Temos o menor investimento público nos últimos 50 anos, o qual é de apenas 1,7% do PIB. Além disso, há um processo crescente de exceção, autoritarismo, com uma fachada de Estado de Direito, num pano de fundo marcado pela instabilidade institucional

Recentemente, para impedir a greve da FUP (Federação Única dos Petroleiros), a multa judicial passou de R$ 500 mil para R$ 2 milhões por dia. Houve ameaça de que as contas seriam bloqueadas, não só do sindicato, mas dos dirigentes; e ameaças de que a Polícia Federal estaria de prontidão podendo até prender os dirigentes sindicais. Não é uma ditadura militar propriamente, mas um tipo de ditadura expressa pelo sistema judiciário. O judiciário vem se tornando um poder paralelo no país.  O regime atual está vendendo o país a preço vil e retirando drasticamente os direitos dos trabalhadores.

Hoje, a nossa luta imediata é pela restauração da democracia, pela salvação nacional, e retomada e garantia dos direitos sociais e trabalhistas. A política econômica adotada é uma volta à predica imposta pelo Consenso de Washington, na contraofensiva do imperialismo, aliado às oligarquias locais, na América Latina. Na Argentina, que segue esse propósito, também não está dando certo, a crise se aprofunda.

O capitalismo globalizado e autonomizado divide toda sociedade

A realidade do capitalismo contemporâneo é de globalização financeirizada e autonomização. É autonomização porque as máquinas passam a ter autonomia própria. E essa realidade provoca o quê? O uso da ciência e tecnologia pelo capitalismo acelera a valorização do capital e desvaloriza o trabalho. Torna possível a ampliação daquilo que se chama de “tempo livre”, que é o excedente. Com a tecnologia e avanço da inovação, há uma produtividade do trabalho muito maior. E o tempo livre, excedente, fica com quem? Haverá mais criação, liberdade, a sociedade vai usar esse tempo em proveito de todos? Nada disso! Esse excedente está enclausurado nas relações de propriedade. A propriedade privada impede isso. Essa é a base essencial do capitalismo. Não é só o problema da propriedade intelectual, tudo isso é propriedade privada. O tempo livre, excedente, é apropriado pelos detentores da riqueza financeira. Esta é a questão. E isso foi previsto por Karl Marx. Ele não analisou o capitalismo do século dezoito, ele tratou o capitalismo nas suas estruturas fundamentais, que prevalecem até nossos dias. Por isso, sua análise é válida na atualidade. Os capitalistas bem sucedidos acumulam este excedente sob a forma de capital fictício. E este vai engordando os portadores de ativos financeiros. Por outro lado, o que acontece com a grande maioria? São os mais fracos, que são destituídos do trabalho.

Há uma ameaça constante e crescente de desemprego, precarização da nova ocupação e se por acaso conseguir, haverá queda do salário real e exclusão social. Daí essas “reformas trabalhistas” que estamos vendo no mundo, não só no Brasil. Cem países já fizeram, ou estão fazendo a reforma trabalhista, para se adaptar à desvalorização do trabalho vivo.  O capitalismo globalizado e autonomizado divide toda sociedade. Fica um cortejo de vencedores que detêm a soma desse capital fictício, ou seja, os ativos financeiros, uma camada parasitaria, e a grande multidão de perdedores.

Que diabo de sistema é esse? Nos marcos do capitalismo isso não se resolve fundamentalmente. O capitalismo sempre vai procurar sair das crises empurrando tudo para cima da maioria: a multidão de perdedores. Se essa multidão de perdedores não reage, vai perder e continuar perdendo. Essa é a questão. Não é automático que a partir daí surja novo modo de produção e novas relações de produção – um sistema socialista. Para que isto ocorra, a realidade requer luta transformadora radical. Sem grande luta não haverá uma nova sociedade; porque a tendência do capitalismo não é desabar, implodir. A tendência à estagnação pode acontecer nas crises maiores, mas depois o capitalismo se recupera, empurrando todo ônus para a maioria trabalhadora, crescendo mais a desigualdade e a exclusão. O capitalismo contemporâneo chega a uma equação simples: a força do trabalho como mercadoria vai ficando de lado. É o dinheiro usando dinheiro para gerar mais dinheiro. Hoje os ativos financeiros globais são quatro vezes maiores que o PIB mundial.

É evidente que isso leva à crise novamente, a uma crise cada vez mais profunda. E como eles tentam encontrar saídas? Não é mudando o sistema, mas sim continuando o sistema. Vejam o impasse em que esse sistema está metido. Por isso, mais liberalismo significa mais revolução produtiva, como dizia Marx, é a fase avançada do capitalismo, que gera mais capital fictício. A saída que interessa aos trabalhadores depende da construção da sua hegemonia, aliada à luta da grande maioria, contra a elite financeira e seus aliados.

O incipiente protagonismo da classe trabalhadora

Contudo, para formação da hegemonia, em consequência dessa realidade estrutural, é preciso distinguir o perfil da classe operária, que mudou muito. Hoje, pode se constatar uma classe trabalhadora — além dos trabalhadores na indústria, os quais vêm diminuindo drasticamente sua quantidade — composta por trabalhadores de serviços, e uma legião trabalhadores intermitentes, precarizados e informais. Essa situação exige que se avance para uma identificação mais concreta. A união dessa classe trabalhadora, a sua organização e consciência de classe passa pela estruturação de uma identidade comum, que ainda é difusa e indefinida.

Ademais, para isso, a outra questão é qual o programa que deve ser empunhado para a organização e condução hegemônica dos trabalhadores, das forças populares e progressistas. O PCdoB defende um programa, desde 2009, cujo caminho brasileiro para transição ao socialismo consiste na aplicação e no avanço de um novo projeto nacional de desenvolvimento, que após o golpe de Estado de 2016, começa pela grande tarefa de reconstrução do Brasil.

A eleição é o centro de gravidade da luta política

O governo Temer, produto do golpe, impôs ao Brasil uma ordem ultraliberal a serviço do capital financeiro e submetida ao imperialismo. Ao cabo de dois anos do golpe que derrubou a presidenta Dilma, estamos sob um governo em completo ocaso. E para completar esse trágico resultado, Temer e a cúpula principal do governo estão enlaçados numa teia de denúncias de corrupção que não param de emergir. A direita e as forças conservadoras comprometidas com isso tendem a uma saída pelo autoritarismo. Por que Bolsonaro cresce? Porque sempre surge no bojo dessas forças, quando elas fracassam, uma demarcação de posição para se livrar do fracasso — apelando por mais ordem e autoritarismo — :indo à extrema-direita. Isso faz parte da história moderna, sendo a Alemanha o exemplo mais citado, porque gerou Hitler e uma guerra mundial.

O golpe de 2016 expressa a quebra do pacto constitucional de 1988. E pela Constituição vigente estão demarcadas as eleições gerais diretas em 2018, ressaltando-se o pleito à presidência da República. Agora, esse é o maior obstáculo diante deles. Eles vão se submeter ao crivo da soberania popular com essa narrativa antipopular e antinacional que defendem? Com o fracasso da sua alternativa vendida como milagrosa? Hoje ilude menos dizer que a responsável pela crise é a presidenta Dilma. Sem condições de defender seu projeto, criticam a oposição de “populismo”, de “bolivarianismo”. Por isso, hoje, para a oposição: o centro de gravidade da luta política é a realização de eleições livres neste ano. É o único caminho da saída dessa situação tão adversa para a resistência.

A Nação diante de uma encruzilhada

Por outro lado, o regime golpista pode até truncar a realização do pleito de 2018, e já impuseram, às pressas, fora do preceito universal do devido processo legal, a condenação sem prova, a prisão arbitrária do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva – a maior liderança politica do país e da esquerda – para abrir-lhes o caminho de uma vitória a qualquer custo, ilícita, tendo em vista manterem a presidência da República.

Nada do que prometeram ao povo cumpriram, e a classe média já começou a bater panelas de novo. Reflexo disso é a dificuldade da direita de lançar uma candidatura presidencial única, o que abre espaço para o crescimento de alternativa como Jair Bolsonaro.

A crise é tão profunda e grave que pode se alastrar em ondas maiores. A questão dos caminhoneiros é um tipo de revolta no âmbito nacional, em um setor estratégico para a economia nacional, nas condições do Brasil.

O povo precisa ter consciência de que a Nação se depara com uma encruzilhada: ou o país se reencontra com o caminho da democracia, da soberania nacional, do desenvolvimento e do progresso social; ou seguirá na rota – que lhe impôs o governo Temer – do entreguismo, do autoritarismo e do corte crescente dos direitos do povo e da classe trabalhadora.

Frente Ampla e Projeto de Nação

Qual é a saída? A alternativa da oposição tem sido a luta da resistência, mas essa luta está ligada a duas questões centrais: uma frente ampla e uma proposta de novo projeto para a Nação. A frente ampla tem o sentido da união de amplas forças democráticas, patrióticas, progressistas, até liberais democratas, porquanto em função do fracasso da alternativa do golpe podemos unir amplas forças sociais e políticas. Agir ao contrário pode-se ficar contido a pequenas forças, facilitando a investida reacionária contra a resistência.

Mas não basta unir amplas forças para derrotar o regime surgido do golpe de Estado.  É preciso propostas viáveis para essa ampla união a fim de suplantar a crise e reconstruir o Brasil, como já assinalado. Do ponto de vista estratégico ganha força a alternativa de um novo Projeto Nacional de Desenvolvimento. Recentemente, as cinco fundações ligadas aos cinco partidos de esquerda – PT, PCdoB, PDT, PSOL e PSB – se reuniram e lançaram um Manifesto intitulado “Unidade em defesa da Reconstrução do Brasil”, baseado na formulação de um novo projeto de desenvolvimento para Nação brasileira, fundamentado na articulação sistêmica da soberania nacional e da questão social, com ênfase na redução das desigualdades sociais e na afirmação da causa democrática. Trata-se de um projeto voltado para resolver os grandes desafios nacionais. O evento contou com a presença dos presidentes desses Partidos e das suas Fundações.

Unidade e Pacto eleitoral em torno de candidatura única – é o caminho da vitória

Em face do curso político marcado pelo desastre da alternativa golpista e de grande repúdio e decepção popular ao resultado dessa aventura das forças conservadoras creio que é possível à oposição — articulada em uma resistência formada por amplas forças da esquerda, de organizações populares, dos setores democráticos e progressistas da sociedade — alcançar a vitória nas eleições deste ano, mais especificamente na eleição à presidência da República. No entanto, para isso, paradoxalmente as dificuldades para a convergência de um pacto eleitoral em torno de uma candidatura única, resultante de um grande acordo, sendo este o meio eficaz de garantir o êxito eleitoral, desde o primeiro turno, não encontrou ainda seu ponto certo e sua via possível. Avançamos até mesmo em convergir para um lastro programático mínimo entre os Partidos de esquerda. Mas falta a predominância de um sentido maior que deve nos guiar — nas atuais condições do país – se trata da defesa e da reconstrução do Brasil para seguir um caminho autônomo e próprio, voltado antes de tudo para a maioria da Nação. Num contexto do qual o maior líder político da esquerda está encarcerado, produto da acirrada luta politica dos atuais donos do poder contra a resistência. Portanto, para o êxito do pacto unificador é preciso: para um começo do acordo, que todos estejam abertos para abrir mão de suas candidaturas; e qual o passo possível nas condições atuais e a candidatura que reunisse maior viabilidade para a vitória.

A pré-candidata a presidência da República do PCdoB, Manuela D’Ávila, tem dado grande contribuição na defesa de um justo e atual Projeto para o Brasil, por isso cresce a sua candidatura, e tem se portado exemplarmente no sentido de uma convergência maior, afirmando que “ela não seria um óbice” para a unidade maior e necessária para a vitória eleitoral à presidência da República.

*É presidente da Fundação Maurício Grabois e membro do Comitê Central, ex-presidente do PCdoB.