O elevado crescimento e renascimento chinês das últimas 4 décadas é um feito excepcional no alvorecer do século 21, iniciado com a proclamação da República Popular, em 1949; e ganha nova configuração sistêmica desde 1978 e avança ininterruptamente até os dias atuais.

 

Por Renato Rabelo*

 

Contudo, para atingir esse estágio desde a grande vitória de 1949, a China percorreu trajetória sinuosa, teve altos e baixos como os exemplos das experiências socialistas contemporâneas, ao desbravar caminhos desconhecidos – construir uma nova sociedade que suplante o capitalismo. Eu estive na China em 1967, em plena Revolução Cultural, para estudo da experiência revolucionária chinesa. Era uma situação na qual os dirigentes do Estado e do Partido ainda buscavam o caminho a seguir, não distinguindo a alternativa concreta que respondesse à realidade peculiar da China de então – para abrir caminho ao rumo pretendido do socialismo. Era uma economia atrasada na qual ainda existiam regiões em que prevalecia o pré-capitalismo.

Desse modo, a partir de 1978, a pertinácia do PCCh, e dos seus grandes líderes, desde Mao Tsetung e adiante Deng Xiaoping, seguindo uma base teórica inspirada em Marx e Lenin, encontraram a alternativa viável a seguir. Resultando da fusão da revolução com o desenvolvimento atual asiático, em um país continental, contando com o curso de uma civilização milenar, e a par do exemplo da experiência da União Soviética.

Esta tem sido uma gigantesca tarefa de emancipação nacional e social da China, que teve atrás de si uma revolução anticolonialista e que veio se desvelando para encontrar o próprio caminho. Em quatro décadas, em curto período histórico, vêm realizando enorme feito transformador. O socialismo com características chinesas vai se conformando como forma histórica, no contexto de um período determinado, em concordância com as condições nacionais.

A recente epopeia de Wuhan (a cidade onde começou a Pandemia) resultou no surpreendente encerramento de uma quarentena de 72 dias, num país de um bilhão e quatrocentos milhões de habitantes. Assim, há uma demonstração eloquente da existência de muito envolvimento de toda sociedade; de uma elevada coesão social e índole nacional, arraigada, sobretudo, da extensa luta revolucionária percorrida até a conquista da República Popular. É uma prova também da legitimidade dos comunistas diante da dimensão do empreendimento realizado. E mais, a sociedade e o Estado chineses estão demonstrando a possibilidade de novas sociabilidades, ao mesmo tempo em que cresce a capacidade de planificação de sua economia.

A economia chinesa é assim por ser provida de capacidades estatais construídas nas últimas décadas: como soberania monetária exercida por grandes bancos públicos, ampla base de oferta sob o controle de conglomerados estatais, grandes reservas cambiais, um Estado capaz de se antecipar e prover soluções rápidas e se mover em torno de grandes projetos; ao contrário das economias capitalistas ocidentais, financeirizadas e moldadas no rentismo.

O grupo do socialismo contemporâneo da FMG, sob o protagonismo do professor Elias Jabbour, do seu estudo e pesquisa, compreende da experiência chinesa perspectivas promissoras: que, o resultado da ação coordenada de todo esse desenvolvimento produtivo, financeiro e institucional foi o surgimento de uma economia com imensa capacidade de planificar em níveis cada vez mais elevados; e onde o projeto programado pode ser a transição de uma economia capaz de construir mercados futuros. Surge daí uma variação de nível superior do “socialismo de mercado”. Estudo baseado na obra de Ignácio Rangel, o qual apresentou elementos de uma “Economia do Projetamento” no período avançado da União Soviética.

Seguindo esta manifestação, hoje na China pode-se localizar essa Nova Economia nas ações que iniciam a execução de grandes programas como o Made in China 2025, a Iniciativa da Nova Rota da Seda e da geração de um mercado de energia limpa e renovável com destaque ao grande número de veículos elétricos à disposição da sociedade; e já contando com a maior rede mundial de trens de alta velocidade.

Deste estudo, começa-se a situar uma Nova Economia do Projetamento (expressão maior de uma maxi racionalização do processo de produção e planificação pela via da alta tecnologia). Isto equivale a uma economia voltada à consecução de grandes projetos e que tem na demanda seu elemento propulsor. E, até mesmo, a superação das capacidades ociosas na economia sob controle estatal.

Em suma, ressalta também um grande significado da dimensão social dessa economia: a China retirou 840 milhões de pessoas da linha da pobreza nos últimos 40 anos, sendo responsável por 83% dos seres humanos retirados da miséria no mundo no período. E, para completar, a China é hoje — pelo critério da paridade do poder de compra — a maior economia do mundo: e volta a crescer 9,2% em 2021, alavancado a própria economia mundial.

A China é uma das únicas sociedades com capacidade de se autorreferenciar para tomadas de decisões estratégicas. Hoje, sob a direção do presidente Xi Jinping, há a previsão em prazo mais longo, da construção completa de um país socialista modernizado em meados deste século – cem anos após a Proclamação da República Popular de 1949.

 

*Intervenção de Renato Rabelo, presidente da Fundação Maurício Grabois, em evento promovido pela Comissão de Relações Internacionais do PCdoB, em 23 de julho de 2021.