A demora de duas semanas, entre a primeira morte confirmada por Covid-19 no dia 21 de fevereiro e a decisão de impor a quarentena à Lombardia no dia 8 de março, e no dia seguinte, ao país inteiro, faz a Itália pagar um preço muito alto: mais de 7,5 mil mortos pela pandemia, em meio ao colapso do sistema hospitalar.

Mais do dobro da China, que tem uma população 22 vezes maior. Os casos de Covid-19 confirmados na Itália excedem 57 mil.

Não foi por falta de exemplo: a China havia adotado medidas sem precedentes, isolando o epicentro da epidemia, a província de Hubei, de população equivalente à da Itália, e colocando o país inteiro sob quarentena, para quebrar a cadeia de transmissão, testar, testar e testar, isolar e tratar dos doentes.

Ação que paralisou sua economia em grande medida mas permitiu ganhar um precioso tempo para os outros povos e para a compreensão da doença, com o sequenciamento do coronavírus.

A agressividade de contágio do novo coronavírus foi subestimada pelas autoridades italianas, que relutaram em decretar a quarentena, sob alegação de “exagero” nas notícias e até de uma “infodemia de desinformação”.

No dia seguinte da primeira morte, o governo italiano decretou toque de recolher em 11 cidades da região mais afetada pela doença, mas só decidiu isolar a Lombardia – uma região chave para a economia do país e com Milão de capital – no dia 8 de março.

Quando no dia seguinte a quarentena foi estendida ao país inteiro, já eram mais de 400 mortes.

Ninguém expressou melhor o erro de avaliação do risco em curso do que o líder do Movimento 5Estrelas, Luigi di Maio, que seis dias depois da primeira morte pelo coronavírus, asseverou que “na Itália, passamos de um risco de epidemia para uma ‘infodemia’ de desinformação, que neste momento está afetando nosso fluxo de turistas, nossos negócios e todo o nosso sistema econômico”.

Ele ainda responsabilizou a “cobertura exagerada da mídia” pela redução no número de voos para a Itália.

Na realidade, o rápido aumento no número de casos da Covid-19 em uma semana, de 76 para 650, é que motivara vários países a restringirem as viagens com destino para as regiões mais afetadas da Itália, como as de origem nessas áreas.

Nesse mesmo dia, o governo tomou outra decisão calamitosa: definiu um novo protocolo de testes para diagnosticar pacientes contagiados pelo novo coronavírus, em que só eram examinadas as pessoas “do grupo de risco” que apresentassem sintomas.

Como se não bastasse, medidas tomadas por governadores e prefeitos em suas jurisdições, tentando restringir o contágio, eram revogadas pelo governo de Roma, sob alegação de “gerarem o caos”.

Três dias depois da primeira morte, o primeiro-ministro Giuseppe Conte suspendeu um decreto assinado pelo governador de Marche, região que até aquele momento não registrava casos de coronavírus, que previa o fechamento de escolas e a proibição de aglomerações. Também o fechamento de bares e restaurantes, determinado pelo governador da Lombardia, Attilio Fontana, foi anulado por Roma.

Em suma, sob várias alegações e autoilusões o governo italiano afastou-se das orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS) de realizar a quarentena, para deter a velocidade de transmissão e, portanto o pico de infecções que ameaça fazer os sistemas de saúde irem ao colapso, bem como de testar, testar, testar, para possibilitar o isolamento e tratamento.

Quando Conte revogou as medidas – aliás, ações ainda bastante incipientes -, conforme a OMS o total de casos de Covid-19 na Itália ainda eram cerca de 200 e seis mortes. A falta da quarentena e de testar exaustivamente a população fez com que o número de casos e mortes aumentassem exponencialmente e quando a quarentena afinal foi decretada já eram mais de 9 mil os infectados.

O resto da história é bem conhecido. No dia 19 de março, o número de mortos na Itália superou o da China. Dois dias depois, o país atingiu o pico de óbitos: 793. Uma situação dramática, com equipes médicas à beira da exaustão e tendo que decidir quem vive e quem morre, caminhões do exército em fila transportando caixões para crematórios de cidades menos atingidas e a ajuda que chega da China, Rússia e Cuba.

Em favor de Conte, pode-se dizer que ele se tornou a face pública da união do povo italiano no enfrentamento da pandemia, após tardiamente assumir a decisão de ir à quarentena.

É dele a convocação a todos os países para que sejam rigorosos no combate ao coronavírus, que chamou de “emergência sem precedentes”.

“Ninguém pode aceitar, muito menos a Itália que está fazendo grandes sacrifícios para combater o vírus, que outros países não percebam essa necessidade de máxima atenção preventiva”, disse o primeiro-ministro em pronunciamento na Câmara dos Deputados da Itália. Conte advertiu ainda que, se outros países não forem rigorosos com as medidas de prevenção e contenção, a pandemia pode se agravar.