Ministros da Economia em defesa da recuperação da alta taxa de lucros do capitalismo brasileiro não perdem a oportunidade de cortar na carne do trabalhador

Todos os números macros mostram que o capitalismo está, há décadas, com baixo crescimento produtivo, associado a baixas taxas de lucro. É por isso que a burguesia trata de cortar custos de produção ao máximo, por um lado – em especial sobre o chamado capital variável, a “mão-de-obra” e abrir guerra contra o Estado, especialmente no quesito pagamento de impostos, por outro.

Por Altair Freitas*

Na medida em que o debate político sobre a sucessão presidencial vai afunilando em torno de algumas candidaturas, pipocam, aqui e ali, pontos de vistas sobre aspectos centrais dos rumos econômicos do Brasil, o que é natural, dada a situação de catástrofe na qual se encontra o capitalismo brasileiro, às vésperas de completar o bicentenário da nossa independência. Em algum momento, mais à frente, programas de governo deverão ser apresentados, em especial pelo bloco democrático-progressista que a vida política sob o fascismo tende a compor para enfrentar e derrotar o trágico governo da extrema direita que infelicita a nação e o povo desde 2019. E nos últimos dias voltou com alguma força o debate sobre a “Reforma Trabalhista”, levada a efeito durante o governo Temer, em 2017, seus efeitos sobre a vida dos trabalhadores e para a economia brasileira. Aquela “reforma” e outras tantas medidas demolidoras dos direitos trabalhistas e sociais, adotadas no país após a derrubada da presidenta Dilma em 2016 e diversos outros movimentos de contenção, modificação, adulteração, do caráter da CLT, realizada em governos anteriores, em especial durante os anos “neoliberais” de Collor e FHC, precisam ser compreendidas no bojo de um processo mais amplo, histórico, relacionado diretamente ao funcionamento do capitalismo nos últimos quarenta anos, pelo menos.

Todos os números macros mostram que o capitalismo está, há décadas, com baixo crescimento produtivo, associado a baixas taxas de lucro. Mesmo com o incremento da tecnologia, em grau nunca antes visto, o cenário geral é esse. Estou falando do setor produtivo e não do sistema financeiro, ainda que as duas coisas caminhem de mão dadas. O diacho é que a existência do capitalismo se dá essencialmente pela produção de mercadorias, logo, se o setor produtivo cresce pouco, fica estagnado ou entra em recessão, a maior parte da sociedade, formada exatamente pela massa proletária é fortemente afetada em múltiplos sentidos (não confundir proletário com miserável, ainda que o miserável seja em essência um proletário desprovido de tudo, principalmente do emprego). E esse elemento contribuiu para a expansão desmedida do chamado “capital especulativo”. Mesmo quando existe incremento da produtividade e crescimento da produção em determinados setores, conforme os ciclos das crises vão se sucedendo, as taxas de lucro seguem baixas, muito aquém do esperado pelos donos do capital produtivo. Baixas taxas de lucro fazem o capitalista acender todos os sinais de alarme, pois começa a enxergar o seu negócio em risco. É por isso que a burguesia trata de cortar custos de produção ao máximo, por um lado – em especial sobre o chamado capital variável, a “mão-de-obra” e abrir guerra contra o Estado, especialmente no quesito pagamento de impostos, por outro, para tentar repor suas taxas de lucro em patamares mais confortáveis. Entenderam a lógica? É por essa lógica que o capitalismo, em escala global e nacional, desencadeou no final dos anos 70 uma verdadeira guerra prolongada contra os direitos trabalhistas e sociais, conjugando as duas frentes acima: diminuir direitos trabalhistas e arrochar salários na relação direta entre capital e trabalho, e na relação entre capital e Estado via pagamento de impostos que resultem em benefícios sociais e serviços públicos úteis principalmente aos trabalhadores. O objetivo é recompor taxas de lucro que permitam manter as empresas em patamares de concorrência, investindo em novas tecnologias para sofisticar a produção e os produtos despejados nos mercados. Além, claro, da manutenção do padrão de vida e da capacidade de influenciar a composição dos Estados Nacionais para manter um mínimo de controle político sobre os trabalhadores, via financiamento das eleições, legal ou ilegalmente falando. No capitalismo tudo depende de muito dinheiro especialmente o controle sobre o poder.
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Desmontar direitos sociais e trabalhistas, diminuir cargas tributárias nem que seja sonegando impostos, são elementos imprescindíveis à manutenção do capitalismo do nosso tempo, além, é claro, da manutenção da exploração sobre a força de trabalho em toda a cadeia econômica.  É aí que entra em campo, também, a máquina ideológica da classe dominante, disseminando a ideia de que “enxugar o Estado” e “reformar as legislações trabalhistas e sociais” são sinônimos de “modernidade”, fundamentais para melhorar o bem estar geral, retomar o crescimento econômico e ampliar (pasmem!) a “liberdade individual acentuando as possibilidades para que os trabalhadores se “tornem patrões”. Agora, se você chegou até aqui, releia o segundo parágrafo e me diga: como seguir defendendo um sistema que faz o que faz para seguir mantendo uma ínfima minoria controlando riqueza e poder à custa da esmagadora maioria da sociedade, que tem que dividir entre si menos da metade da riqueza que ela própria produz? Ainda mais: por que a burguesia brasileira se arrepia toda quando se aventa a possibilidade de reverter a reforma trabalhista que praticamente extinguiu na prática a CLT e diminuiu muito a capacidade do movimento sindical em desenvolver a luta contra os retrocessos em curso?

Mais, ainda: o capitalismo não é um sistema suicida, a despeito das suas sucessivas crises (cíclicas). É um sistema que tem altíssima capacidade de reciclar/recompor seu funcionamento geral após cada crise, ainda que seja para se defrontar com outra crise logo adiante. Se não é uma formação econômica e social que se extinguirá por si só – e as provas sobre isso são inúmeras, em função das crises anteriores, inclusive as que resultaram em guerras globais – é fundamental raciocinar sobre a necessidade de superá-lo, derrubá-lo. Ele não se matará, mas é de dentro dele que surgem as contradições que possibilitam o seu fim, pela ação direta de quem é mais prejudicado, em toda a sua história, passada, presente e futura – quiçá seja curta essa história futura! – ou seja, o proletariado. Aproveito esse último parágrafo para recomendar uma leitura que considero imprescindível para compreendermos de modo mais adequado o capitalismo do nosso tempo: o profundo, intenso e radical livro “Uma Economia Política da Grande Crise Capitalista (2007-2017) – Ascenção e Ocaso do Neoliberalismo”, do nosso camarada Aloisio Sérgio Barroso, resultado de sua tese de doutoramento em Economia Social pela UNICAMP. Uma pesquisa que merece ser lida, estudada, debatida, porque nela encontramos um grande conjunto de elementos, tanto sobre o capitalismo destes tempos, como sobre a produção marxista sobre ele.
*É historiador, professor, diretor da Escola Nacional João Amazonas do PCdoB, secretário de organização do PCdoB na cidade de São Paulo