Recados do governo Biden isolam tentativas golpistas de Bolsonaro
por Cézar Xavier
O governo dos EUA, sob o democrata Joe Biden, tem dado recados ao presidente Jair Bolsonaro (PL) sobre suas tentativas de sabotar as eleições de outubro. Alguns recados são extra-oficiais, outros vazados para a imprensa, por meio de funcionários do governo.
O historiador e brasilianista James Naylor Green avalia a importância dessas declarações que “vazam” da Casa Branca. “É muito importante, porque enfraquecem as possibilidades de tentativa de Bolsonaro não reconhecer os resultados eleitorais, mobilizar sua base e fazer coisas mais violentas”, declarou ele à reportagem.
Já se somam pelo menos cinco as reportagens, declarações e gestos, nos últimos dois meses, que reafirmam a posição de Washington sobre as bravatas bolsonaristas contra o sistema eleitoral brasileiro. Tem uma proposta no Congresso que prevê sanção contra as Forças Armadas brasileiras, recomendações da CIA para que Bolsonaro, uma entrevista da subsecretária de Estado dos EUA, Victoria Nuland, com forte declaração insinuando que as Forças Armadas não devem se envolver nisso, críticas de senadores e de uma indicada de Biden para a Embaixada dos EUA no Brasil, declaração pública de Biden, ao lado de Bolsonaro, na Cúpula das Américas, reafirmando confiança nas instituições eleitorais brasileiras.
Para Green, estes episódios revelam que a situação, nesse momento, entre Brasil e EUA está sendo enxergada dentro do contexto da crise política ocorrida naquele país, em que o ex-presidente Donald Trump anunciou que se ele perdesse as eleições seria fraude, “e depois organizou mobilizações das milícias da direita fascista para invadir o Capitólio e quase matou o vice-presidente e vários parlamentares”. Na ocasião, Bolsonaro apoio as acusações de Trump e, depois, evitou reconhecer a vitória de Biden.
“Então o governo de Biden tendo em Trump uma pessoa totalmente antidemocrática, e tendo Bolsonaro como grande aliado de Trump, tem elaborado uma política muito clara em relação às eleições brasileiras. Eles enfatizam acreditar no processo eleitoral e pretendem reconhecer o resultado, sabendo muito bem pelas pesquisas que, nesse momento, Lula deve ser eleito”, disse o historiador, citando todas essas declarações e vazamentos internos.
As atuais pesquisas eleitorais mostram o presidente em segundo lugar, com mais de dez pontos percentuais atrás do primeiro colocado, o petista Luiz Inácio Lula da Silva.
Aumento da temperatura de alarme
“Existem, dentro da Casa Branca e do Senado, setores democratas conscientes sobre esta situação, que não querem fazer nada que vá contra a garantias de eleições democráticas no Brasil. Por isso, varias medidas no congresso para assegurar e demonstrar apoio ao processo democrático”, avaliou Green, ecoando declarações de outros analistas internacionais e think tanks.
Na semana passada, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Edson Fachin, deu uma palestra em Washington na qual disse que “nós poderemos ter um episódio ainda mais agravado do 6 de janeiro daqui do Capitólio”.
Em transmissão ao vivo nas suas redes sociais, em 8 de julho, Bolsonaro atacou o sistema eleitoral de urnas eletrônicas e declarou que os eleitores “sabem como se preparar” antes das eleições. “Não preciso dizer o que estou pensando, mas você sabe o que está em jogo. Você sabe como você deve se preparar, não para o novo Capitólio, ninguém quer invadir nada, mas sabemos o que temos que fazer antes das eleições”, disse o presidente aos apoiadores durante a live.
O assassinato do dirigente petista Marcelo Arruda, em Foz do Iguaçu, é vista por muitos como resultado dessa “recomendação” na live, assim como uma eventual justificativa para o presidente querer adiar o pleito. Para Green, esse tipo de gesto do governo Bolsonaro seria mal visto pelos parceiros internacionais e vizinhos, isolando o país. Para ele, o incidente antidemocrático de 6 de janeiro nos EUA foi pedagógico para brasileiros e americanos, assim como serviu de laboratório para governos autoritários e golpistas como o de Bolsonaro.
O próprio senador Eduardo Bolsonaro esteve com os manifestantes trumpistas na véspera da invasão em Washington. Para ele, o erro de Trump foi não construir uma aliança sólida com as Forças Armadas e com as polícias, naquele episódio.
Gestos claros, recados enfáticos
Na semana passada, parlamentares americanos incluiram uma emenda ao projeto de Orçamento americano, que, se aprovada, prevê a suspensão de parcerias e corte de recursos destinados às Forças Armadas brasileiras, caso elas abandonem a neutralidade política nos próximos meses. Na opinião deles, os militares brasileiros estariam dando sinais de disposição de participar do processo político-eleitoral, o que, seria um fator de instabilidade para a América Latina e para os interesses de segurança nacional dos EUA. Esta seria menos uma peça legislativa do que uma mensagem sobre os desdobramentos eleitorais no Brasil.
Antes, houve a revelação, pela agência Reuters, de uma conversa entre o chefe da CIA (agência de inteligência dos EUA), William Burns, e auxiliares de Bolsonaro em que ele recomendava que o presidente brasileiro deixasse de questionar as eleições brasileiras. A conversa, a portas fechadas, teria acontecido em outubro de 2021, negada por todos os envolvidos.
Uma semana depois, em entrevista à BBC News, Victoria Nuland afirmou que “o que precisa acontecer são eleições livres e justas, usando as estruturas institucionais que já serviram bem a vocês (brasileiros) no passado”. A declaração foi considerada enfática ao insinuar que as Forças Armadas não devem se envolver nisso.
Ainda em maio, senadores americanos descreveram Bolsonaro como um “líder que tenta minar a democracia” e apontaram “retrocessos democráticos no país”, durante sabatina da diplomata apontada por Biden para assumir a embaixada americana no Brasil.
“Você está indo para um país onde o retrocesso democrático é uma preocupação real. Estamos preocupados com o atual líder do Brasil, que tem tentado minar a essência do processo eleitoral”, afirmou o senador Bob Menendez, presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, citando Bolsonaro nominalmente, ao mencionar medidas de apoio ao processo eleitoral brasileiro.
A diplomata Elizabeth Bagley, a escolha política de Biden para vir ao Brasil, criticou diretamente o presidente brasileiro. “Bolsonaro tem dito muitas coisas, mas o Brasil tem sido uma democracia, tem instituições democráticas, Judiciário e Legislativo independentes, liberdade de expressão. Eles têm todas as instituições democráticas para realizar eleições livres e justas. Eu sei que não será um processo fácil, por todos os comentários dele (Bolsonaro), mas, a despeito disso, temos todas essas instituições e continuaremos expressando confiança e expectativa de uma eleição justa”, disse Bagley, que não foi aprovada para o cargo, o que revelou um enfraquecimento do poder de Biden, atualmente.
Em junho, Biden e Bolsonaro se encontraram pela primeira vez e, nas poucas palavras que disse diante do colega na presença da imprensa, Biden reafirmou confiança nas instituições eleitorais brasileiras. Dias mais tarde, a agência de notícias financeiras Bloomberg noticiou que durante o encontro Bolsonaro teria pedido a Biden que o ajudasse a vencer Lula nas urnas em outubro.
A BBC News questionou a Casa Branca sobre o assunto. Sem negar, nem confirmar, o governo respondeu que “falando amplamente, temos total confiança no sistema eleitoral do Brasil. Em uma democracia consolidada como a brasileira, esperamos que os candidatos respeitem o resultado constitucional do processo eleitoral”.