Major-general português Raul Cunha foi conselheiro militar da ONU para o Kosovo, de 2005 a 2009

Em entrevista à Bandnews e à Rádio Bandeirantes, o major-general português Raul Cunha afirmou que a grande responsabilidade de tudo que está acontecendo na Ucrânia passa em primeiro lugar “por um conflito entre duas superpotências, os Estados Unidos e a Rússia, e a tentativa de aproximar ainda mais as forças ocidentais da fronteira com a Rússia”.

O que começou – ele aponta – em 2014 quando o presidente ucraniano pró-russo foi afastado pelo que rigorosamente “foi um golpe de Estado” instigado pelos EUA e União Europeia.

Mudança de regime que trouxe para o governo da Ucrânia, “no meio de alguma gente boa, também gente de um nacionalismo extremo, que não vê com bons olhos a presença de muitos cidadãos russos na Ucrânia, que são 18% da população, e começaram a extremar as ações contra os russos”.

Por sair do script oficial repetido dia e noite na mídia, uma entrevista que Raul Cunha concedeu à Rádio Televisão Portuguesa (RTP) viralizou nas redes sociais no Brasil. Ex-conselheiro militar do representante especial do secretário-geral da ONU em Kosovo, de 2005 a 2009, o major-general português tem mestrado em Ciências Militares e doutorado em História e Estudos de Segurança e Defesa.

Para ele, o que levou Putin a iniciar a operação militar especial foi o fato de que as potências ocidentais “não exerceram nenhuma pressão para a Ucrânia cumprir os acordos de Minsk”, a que se somou a “ausência de uma declaração de neutralidade da Ucrânia”.

Em sua análise, foi o anúncio do presidente Zelensky, dias antes, de que queria “ter armas nucleares”, que fez com que Moscou decidisse a não se limitar ao Donbass.

O major-general português também não poupou críticas à distribuição de 30.000 armas à população de Kiev pelo governo Zelensky: uma coisa “completamente inaceitável”.

“Conseguiu armar gente pouco recomendável, a circulação de pessoas em Kiev virou perigosa, há conflitos entre gangues estabelecendo seus territórios dentro de Kiev, não são russos, os russos ainda não estão em Kiev”.

“Em desespero, tudo se faz, mas antes, o senhor Zelensky, nas negociações, tomou uma posição irredutível em relação a cumprir os acordos de Minsk e a declarar a neutralidade. Se o tivesse feito, teria poupado essas vidas todas que estão agora a morrer. E, sobretudo, teria poupado essa catástrofe humanitária e as repercussões que está a ter”, enfatizou.

Raul Cunha também alertou que no momento atual, o que Zelensky mais parece querer “é uma guerra mundial, pelo visto, já que pede a intervenção da OTAN, pede a interdição do espaço aéreo pela OTAN”.

Para o militar, “há uma nítida contenção das forças russas quanto a bombardeamento de zonas onde há um grande número de civis”, a doutrina militar russa prevê “prevê evitar o combate urbano”.

Neste momento, os russos estabeleceram cordões humanitários para saída de civis das principais cidades. O lado ucraniano, sob várias desculpas, “está a evitar que os civis saiam”.

Ele citou Mariupol, onde estão lá 300 mil civis, que querem sair e, sob a desculpa que um dos corredores leva para a Rússia, Kiev está a recusar. “Ora, desses, mais da metade são russos, que de algum modo estavam a ser perseguidos pelos nacionalistas ucranianos”.

Para Raul Cunha, só porque “não se alinhou à retórica oficial” e disse que “não era preto e branco, havia algumas cores que estavam a ser ignoradas”, passou a ser rotulado de “putinista”, de estar a serviço do Kremlin, “logo eu que toda a minha vida militar combati a União Soviética e o outro lado”.

Apesar de toda a gravidade da crise, para Raul Cunha ela poderá evoluir para a reafirmação do multilateralismo. “Multilateral é melhor do que unipolar”.