Uma nova estatística desmente o presidente Jair Bolsonaro (PSL) e revela o caráter predatório de seu governo. A seis dias do final de agosto, a quantidade de incêndios no mês já superou a média histórica dos últimos 21 anos. Segundo dados do Programa Queimadas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) revelados neste domingo (25), foram registrados 25.934 focos de queimadas na Amazônia nos primeiros 25 dias do mês. A média para o mês completo (31 dias) é de 25.853 focos.

Segundo o pesquisador Alberto Setzer, do Programa Queimadas, como ainda faltam seis dias para o fim do mês, os números de agosto deverão aumentar. Neste domingo, o governo federal autorizou o uso das Forças Armadas no Acre, Amazonas e Mato Grosso para combater incêndios florestais. Ao todo, sete estados já solicitaram apoio federal nas operações. Pará, Roraima, Rondônia e Tocantins já haviam feito o pedido no sábado. Segundo o Ministério da Defesa, cerca de 44 mil militares das Forças Armadas estão continuamente na Região Amazônica e poderão ser empregados nas operações.

Foi apenas em meio à pressão internacional que Bolsonaro assinou, na sexta-feira (23), o decreto autorizando o emprego das Forças Armadas para ajudar no combate aos incêndios na Floresta Amazônica. Antes do anúncio brasileiro, o presidente francês, Emannuel Macron, ameaçou não ratificar o acordo comercial entre a União Europeia (UE) e o Mercosul, afirmando que Bolsonaro mentiu ao assumir compromissos em defesa do meio ambiente, dados como condição para o pacto. O líder da França também levou o debate sobre a Amazônia para a cúpula do G7, que ocorreu no fim de semana.

Após o francês ter convocado o debate sobre a questão na cúpula do G7, o presidente brasileiro acusou Macron de “instrumentalizar uma questão interna” do Brasil para “ganhos políticos”. No domingo, durante a cúpula, os chefes de Estado e governo do G7 denunciaram a gravidade da crise e acordaram quanto ao envio de ajuda aos países afetados pelos incêndios na Região Amazônica “o mais rápido possível”.

Danos

Na opinião de especialistas, o estrago causado pelo fogo que vem consumindo a Amazônia nas últimas semanas deve permanecer desconhecido por muito tempo. Até novembro, quando acaba a estação seca, as queimadas provocadas em pastos ou no que sobrou de áreas desmatadas podem invadir zonas de floresta fechada e provocar danos irreversíveis.

“A gente não sabe bem o quanto essas queimadas que estão acontecendo nessas fronteiras agrícolas vão escapar e causar incêndios florestais”, afirma Paulo Brando, cientista do Woods Hole Research Center e do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam). Por enquanto, satélites identificam a existência de fogo na vegetação. O sistema de monitoramento do Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe) não avalia, contudo, o tamanho da área que está queimando ou a condição de “saúde” dessa vegetação.

Os pontos em chamas sobre o mapa do Brasil despertaram comoção internacional. De janeiro a agosto de 2019, o aumento no número de focos de queimadas no Brasil foi de 82% em relação ao mesmo período de 2018. O cálculo da área devastada pelas queimadas é mais complexo. “Trabalha-se com imagem de alta resolução, analisando a resposta da vegetação ao fogo, e não o fogo em si”, detalha Brando.

Em termos de área, 1998 foi um dos anos mais destrutivos: 40 mil quilômetros quadrados de florestas foram queimados, mais de quatro vezes o desmatamento registrado no ano passado. Na Amazônia, zona de floresta úmida, o fogo é associado ao desmatamento e áreas degradadas. “Quando a pessoa desmata, ela queima depois para limpar”, explica Paulo Barreto, pesquisador do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). Com uma tendência de aumento desde 2012, a expectativa é que a taxa de desmatamento em 2019 seja uma das maiores dos últimos anos.

“Dia do fogo”

No Pará, um dos estados com maior número de focos de queimadas, o Ministério Público Federal investiga ações de fazendeiros no chamado “dia do fogo”. Em 10 de agosto, produtores rurais teriam promovido um “queimadaço”, incendiando grandes áreas florestais para demonstrar apoio a Bolsonaro. Em seguida, satélites apontaram um aumento nos focos de incêndio.

O evento foi noticiado pelo jornal Folha do Progresso, do município de Novo Progresso, no sul do Pará. “Precisamos mostrar para o presidente que queremos trabalhar, e o único jeito é derrubando. E para formar e limpar nossas pastagens, é com fogo”, afirmou um dos organizadores ao jornal.

Segundo a investigação, grande parte dos focos de incêndio ocorreu, inclusive, dentro de áreas públicas federais destinadas à preservação, escreveu o procurador Paulo de Tarso. Essas unidades no estado sofrem forte pressão por grileiros, fazendeiros e mineradores. Os procuradores investigam ainda a queda nas fiscalizações e a falta de apoio aos órgãos ambientais, como o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

“Dispensou-se, ainda, vultosa quantia que seria repassada por outros países ao Brasil a título do Fundo Amazônia para combater o desmatamento”, escreveu Tarso, fazendo referência aos recursos doados pela Noruega e Alemanha. Neste domingo (25), Sergio Moro, ministro da Justiça, afirmou no Twitter que, a pedido de Bolsonaro, a Polícia Federal vai apurar o caso e que “incêndios criminosos na Amazônia serão severamente punidos”.

Quando o fogo encontra combustível, as chamas alcançam grandes proporções. “Florestas degradadas ficam mais sujeitas ao fogo por causa do dano causado, principalmente por conta da extração de madeira”, comenta Paulo Barreto, do Imazon. Conforme a floresta primária se fragmenta devido a clareiras abertas por desmatamento e garimpo ilegal, por exemplo, as “bordas” aumentam, e as árvores ficam mais secas e inflamáveis. Em anos secos, a floresta fica mais estressada e segue uma estratégia para sobreviver. Para diminuir sua demanda por água, ela joga fora suas folhas. Sem a proteção das copas das árvores, o solo também recebe mais luz do sol, ou radiação.

É a combinação para o fogo sair da fronteira agrícola e destruir florestas primárias. “Para ter incêndio florestal, tem que ter fonte de ignição”, comenta Brando. As folhas secas no chão, a temperatura mais alta e a floresta fragmentada fazem com que o fogo arda por vários dias.

Consequências drásticas

Testes feitos no Mato Grosso pela equipe de Paulo Brando mostram que a resposta ao fogo pode ser abrupta. “Em anos de seca, a mortalidade pode chegar a 90% das árvores, principalmente na borda da floresta”, diz um estudo científico publicado recentemente, mencionando os impactos das queimadas.

Com a alta mortalidade, a paisagem muda drasticamente. “A gente observou a invasão de gramíneas na floresta, viu uma redução bastante grande na biodiversidade, no número de espécies”, explica Brando. Nessas condições, o fogo pode varrer do mapa a floresta densa que já ocupou a área atingida. “Nove anos depois dos experimentos, vimos uma degradação prolongada. A gente continuou observando a mortalidade das árvores grandes. A expectativa de vida das árvores foi encurtada bastante”, diz o pesquisador sobre os efeitos irreversíveis.

Em áreas onde houve uma certa recuperação após o fogo, a análise mostrou que florestas da Amazônia degradadas levam pelo menos sete anos para recuperar a capacidade de bombear água para a atmosfera e absorver carbono. Estudos feitos na região com a participação de pesquisadores da Universidade Federal de Lavras (UFLA) indicaram que a biodiversidade é bastante afetada depois da passagem do fogo.

Mesmo que parte da estrutura da floresta retorne, a diversidade de espécies das árvores pode não se restabelecer. Segundo os pesquisadores, a complexidade da floresta tropical mais biodiversa do mundo não permite uma recuperação fácil. E as condições climáticas na região não são mais as mesmas de décadas passadas. A Amazônia já está um grau mais quente em relação aos últimos 60 anos, e a estação seca já aumentou em média três semanas nos últimos 40 anos, pontua Brando.

As queimadas podem deixar a floresta tão degradada que ela já não tem mais cara de floresta. A invasão de gramíneas e a perda da diversidade das espécies não permitem que a floresta volte a ser densa – o que são impactos irreversíveis nesse cenário de temperatura subindo e estação de seca mais prolongada. “É um processo não linear”, diz Brando, sobre os impactos de queimadas na floresta. “E quanto mais a gente muda o clima, maior é a chance de essas transformações serem abruptas.”

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Da redação, com informações

Edição: André Cintra