MINNEAPOLIS, MN - MAY 28: Protesters cheer as the Third Police Precinct burns behind them on May 28, 2020 in Minneapolis, Minnesota. As unrest continues after the death of George Floyd, police abandoned the precinct building, allowing protesters to set fire to it. (Photo by Stephen Maturen/Getty Images)

A revolta é uma resposta à pobreza e à opressão. E embora nem sempre seja o caso, a pesquisa mostra que pode ser eficaz na conquista de mudanças sociais.

Por Paul Heideman*

O liberalismo dos EUA tem uma relação contraditória com protestos de negros. Por um lado, os liberais se imaginam os melhores amigos (na linguagem atual, “aliados”) da causa da igualdade racial. Por outro lado, desde pelo menos a década de 1930 recuaram na militância negra convencidos de que servia a pouco propósito, a não ser fortalecer os reacionários.

Com as revoltas agora agitando cidades em todo o país, a mente dividida do liberalismo foi revelada mais uma vez. Algumas das tentativas de manter o equilíbrio entre apoiar a causa e condenar os levantes foram ridículas, como a idéia ridiculamente paternalista de que a destruição de propriedades é “anarquista branca”. Além de ser uma regurgitação das racionalizações policiais para a repressão, esse tipo de argumento apaga efetivamente as muitas formas de protesto negro que não se enquadram no modelo aprovado pelos liberais.

Pensadores mais sofisticados encontraram meios mais sutis de expressar seu desconforto com as revoltas. Argumentam que os distúrbios, por mais justificáveis que sejam, só fortalecem os reacionários. Esses pensadores estão com sorte – um novo artigo do cientista político Omar Wasow foi publicado recentemente argumentando que os distúrbios na década de 1960 assustaram os eleitores brancos e os levaram a Nixon.

O artigo de Wasow é uma peça da ciência social, e suas conclusões não se sustentam. É perfeitamente possível que as revoltas da década de 1960 realmente tenham aumentado o apoio à campanha de lei e ordem de Nixon.

O artigo recebeu grande atenção nesta semana por parte daqueles que buscam estender suas conclusões muito além de sua base empírica. Ross Douthat, o escritor conservador do “New York Times” que costuma articular melhor os argumentos liberais, usou-o para dizer que os liberais têm “um ônus especial para impedir e conter” distúrbios, se querem impedir uma reação política maior.

Apenas duas semanas atrás, os liberais criticavam o governo Trump por extrapolação imprudente.

No entanto é exatamente isso que estão fazendo agora ao afirmar que os anos sessenta provaram que os distúrbios são sempre contraproducentes. A ideia de que distúrbios podem ter efeitos diferentes em momentos diferentes é uma complexidade que preferem não contemplar.

Para Douthat, as revoltas do Black Lives Matter (BLM – Vidas Negras são Importantes), em 2014-15, foram levantes que torpedearam o entusiasmo conservador por reforma nas prisões, e acabaram levando ao próprio Trump.

Mas há poucas evidências para esse argumento. De fato, os dados de opinião pública sugerem fortemente que esses episódios contribuíram para idéias mais progressistas em questões raciais. Na última década, o Centro de Pesquisas Pew vem perguntando às pessoas se o país fez o suficiente para garantir a igualdade entre brancos e negros ou se precisa fazer mais. Uma olhada em seus resultados torna óbvio o impacto do BLM.

Entre a população total, de 2014 a 2015 houve um grande salto na proporção de pessoas dizendo que o país ainda precisava mudar para garantir direitos iguais. O tamanho do salto mal diminui se for olhado apenas para os estadunidenses brancos. Mesmo entre os republicanos, há um aumento muito claro da crença de que são necessárias mais ações para a igualdade racial. (Entre os policiais, por outro lado, mais de 80% consideram que não são necessárias mudanças adicionais.) Outras pesquisas acadêmicas comprovaram esse impacto com mais rigor.

Na história recente dos distúrbios, Ferguson e Baltimore não são excepcionais. Há muitas evidências de que os protestos trouxeram mudanças progressistas. Um artigo recente examinou as consequências da revolta de Rodney King e descobriu que em Los Angeles os protesstos aumentaram a mobilização de eleitores para o Partido Democrata e o apoio às escolas públicas.

No Reino Unido, houve tumultos em 1990, quando Margaret Thatcher tentou impor um imposto extraordinariamente regressivo sobre os serviços locais. Embora a corrente dominante do Partido Trabalhista tenha condenado os protestos como ação de “anarquistas”, surgiu uma campanha para defender os acusados durante os protestos e fez parte do movimento geral para resistir aos impostos. Esse esforço de baixo para cima criou uma crise para o Partido Conservador que provocou a renúncia de Thatcher e a revogação do imposto de renda.

Mesmo o caso da década de 1960 é mais complicado do que sugere a história liberal sobre os eleitores brancos assustados de Nixon. Por um lado, há evidências substanciais de que os protestos levaram a maiores gastos do governo nas cidades carentes onde ocorreram. O livro pioneiro de James W. Button, “Black Violence” (“Violência negra”), de 1978, documentou as maneiras pelas quais os protestos obrigavam os formuladores de políticas a prestar atenção aos efeitos de suas políticas sobre os pobres urbanos, um grupo que eles negligenciavam.

Numa época em que muitos cientistas sociais viam até os movimentos de protesto como uma espécie de psicose em massa, Button mostrou que os eram uma resposta racional ao fato de serem ignorados.

Pesquisas posteriores mostraram que os protestos poderiam aumentar os gastos com assistência social, mesmo em áreas onde o racismo branco era mais forte. Em outras palavras, mesmo que os protestos levassem a opinião pública branca a uma direção conservadora, eles também trouxeram benefícios importantes para as áreas em que ocorreram.

Embora os efeitos políticos dos protestos sejam mais complicados do que os contos morais liberais sugerem, há um sentido importante no qual eles estão fora de questão. Afinal, quaisquer que sejam seus efeitos políticos, os protestos acontecem com certa regularidade nas cidades americanas. Quando as pessoas são desapropriadas, quando a disponibilidade de suas vidas é visível todos os dias em vídeos deles sendo mortos por agentes do estado, e quando o sistema político ignora completamente sua situação, eles, mais cedo ou mais tarde, tentam forçar nacionalmente seus problemas, por todos os meios necessários.

Como Cardi B disse em um vídeo honesto: “Ver as pessoas saqueando e ficando extremamente indignadas, sabe, isso me faz sentir que sim! Finalmente! Finalmente, filhos da puta vão nos ouvir agora”.

Embora os liberais gostem de falar muito sobre o valor de ouvir em momentos como estes, eles deixaram bem claro que preferem não fazê-lo.

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Paul Heideman* é pós graduado em estudos americanos pela Rutgers University, Newark.