Quadrilha extraiu toneladas de ouro em terra indígena no sul do Pará
A Polícia Federal identificou a ação de uma complexa organização criminosa que atuava desde a extração do ouro, até os esquemas de lavagem do dinheiro a venda do minério no Brasil e no exterior.
A rede, que envolvia dezenas de empresas ligadas ao comércio de metais, cooperativas de ouro, dezenas de funcionários fantasmas e empresas sem qualquer vínculo com o setor, comandava a exploração nos garimpos na terra indígena Kaiapó, no sul do Pará. Dentre as empresas ligadas à organização criminosa, está uma barbearia na cidade Limeira, no interior de São Paulo, que lavou mais de R$ 12 milhões do garimpo ilegal só em 11 meses.
As investigações tiveram início em 2020, por meio da Operação Terra Desolata, deflagrada em outubro, que envolveu cerca de 200 policiais, cumpriu 62 mandados de busca e apreensão, além de 12 mandados de prisão preventiva em dez unidades da federação: Pará, Amazonas, Goiás, Roraima, São Paulo, Tocantins, Maranhão, Mato Grosso, Rondônia e Distrito Federal.
A Justiça Federal determinou o bloqueio e indisponibilidade de valores que chegam a R$ 500 milhões em contas dos investigados. Cinco aeronaves foram apreendidas. A atividade econômica de 12 empresas foi suspensa e houve bloqueio de imóveis de 47 pessoas físicas e jurídicas.
Relatórios da PF apontam que a organização criminosa atua em três frentes. A primeira refere-se aos garimpeiros comuns que extraem o ouro, sem Permissão de Lavra Garimpeira (PLG), e o vendem para os intermediários, que são os que compõem a segunda frente. Estes, por sua vez, revendem o ouro para grandes empresas, os últimos a integrar a frente, para no final inseri-lo no mercado nacional, ou então destiná-lo à exportação. Todos os anos, deixa de ficar no Brasil aproximadamente uma tonelada de ouro, obtido ilegalmente, segundo as investigações.
O nome da Operação “Terra Desolata” é uma referência à expressão italiana equivalente à expressão em português “Terra Devastada”. Se justifica pelo fato de que o ouro extraído ilegalmente no sul do Pará é enviado para à Europa, tendo a Itália como destino principal, deixando aqui apenas a terra devastada, em italiano: Terra Desolata.
Além do saque às riquezas minerais, à invasão de reservas indígenas, e consequentemente a contaminação das áreas exploradas por substâncias tóxicas, a atuação dessas quadrilhas têm outras consequências: o trabalho escravo, por exemplo. Durante uma ação da desencadeada entre julho e agosto deste ano, 80 trabalhadores foram resgatados em garimpos clandestinos no município de Ourilândia do Norte, no sudeste do Pará.
Eles estavam em alojamentos improvisados na mata, sem acesso à água potável, banheiro ou alimentação adequada, além de jornadas de trabalho desgastantes, sem qualquer proteção física ou contrato trabalhista. No local havia, inclusive, um bebê de 1 ano e 6 meses à época, filho de uma cozinheira que trabalhava para o bando. O trabalho dessas pessoas era pago em ouro, o que significa dizer que caso nada fosse produzido, nada recebiam.
Sob o governo de Jair Bolsonaro garimpagem ilegal ganhou força. Um estudo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) divulgado em agosto último, aponta que pelo menos 28% do ouro produzido no Brasil em apenas dois anos, e vendido com certificado da Agência Nacional de Mineração (ANM), tem evidências de ilegalidade.
“Na Amazônia, as evidências são ainda mais graves: 90% da produção aurífera ilegal do Brasil provem de lavras garimpeiras na Amazônia”, denunciou Raoni Rajão, que coordenou o levantamento, intitulado Legalidade da produção de ouro no Brasil, uma parceria com o Ministério Público Federal (MPF).
“Em alguns casos, até encontramos uma autorização para a produção, mesmo se tratando de uma área não autorizada”. “O que mostra, inclusive, a incapacidade do órgão do Ministério de Minas e Energia em verificar a própria legislação brasileira sobre o assunto”, ressalta o pesquisador.