Putin e Macron buscam saídas para crise açulada por Biden na Ucrânia
Os presidentes Vladimir Putin, da Rússia, e Emmanuel Macron, da França, se reuniram em Moscou por quase seis horas na segunda-feira (7), em busca de soluções para a crise da segurança coletiva na Europa, causada pela expansão dos sistemas de armas da Otan até às fronteiras russas e, em particular, para o conflito na Ucrânia, que Washington diz ameaçada de “iminente invasão russa”.
Tais acusações, desencadeadas em outubro por Washington, são repudiadas como “fake news” pelo governo russo, acrescentando que, no que depender de Moscou, não haverá guerra.
A reunião começou por volta das 16h30 (hora de Paris), os dois líderes sentados de cada lado de uma mesa branca muito comprida, devido à pandemia.
“Sei que você tem sua própria visão da situação e estou feliz por ter a oportunidade de vê-lo pessoalmente para discutir essas coisas”, disse Putin a Macron.
Após a reunião, marcada pela cordialidade, os dois presidentes realizaram uma coletiva de imprensa, em que Putin assinalou, de acordo com a RT, que seria possível avançar em algumas das soluções propostas por Macron.
Este, por sua vez, adiantou que essas ideias podem exigir mecanismos de segurança totalmente novos, para superar os atuais impasses.
Moscou e Paris concordaram em continuar a trabalhar em “várias” propostas de Macron sobre a Ucrânia, disseram os dois líderes depois da maratona de conversações que acabou empurrando a coletiva para depois da meia-noite, horário de Moscou.
Nenhum detalhe dessas propostas foi tornado público. Macron vai nesta terça-feira a Kiev, onde se reunirá com o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky, e Putin reiterou que ele e o presidente francês voltarão a conversar.
Nos últimos dias, o presidente Macron já havia falado com Putin pelo telefone pelo menos três vezes, em um esforço reconhecido pelo presidente russo.
Putin considerou “produtiva” a discussão dele com Macron sobre a desescalada da situação na Ucrânia, mas reiterou que Kiev tem se recusado a implementar os acordos de Minsk e fazer as pazes com as duas regiões sublevadas (Donetsk e Lugansk), optando por perseguir os falantes de russo na Ucrânia.
Cordialidade
Ao viajar a Moscou, Macron prometera publicamente ter uma conversa “profunda” sobre a Ucrânia para chegar a uma “resposta mutuamente benéfica para a Rússia e para toda a Europa” que “ajude a evitar a guerra”. No início da reunião, com câmeras presentes, Macron chamou Putin pelo primeiro nome, enquanto o líder russo usava o familiar “você”.
“Gostaria de agradecer o fato de a França sempre ter a parte mais ativa no processo de elaboração de soluções de princípios nessa área”, disse Putin a Macron.
“Este estado de coisas está em vigor desde o início de nossas relações modernas e é simbólico que nos encontremos hoje porque este é o dia em que o documento básico – o Tratado de Relações Especiais entre a Rússia e a França – foi assinado trinta anos atrás.”
Putin expressou ainda que a Rússia e a França tinham “preocupações comuns sobre a segurança na Europa” e saudou os “esforços (…) feitos pelas autoridades francesas para resolver a questão da segurança na Europa”, em particular o que visava “encontrar uma solução para a crise” na Ucrânia.
O presidente francês disse querer “começar a construir uma resposta coletivamente útil para a Rússia e para o resto da Europa”.
Segundo Macron, esta “resposta útil” visa “evitar a guerra” entre a Rússia e a Ucrânia e “construir os elementos de confiança, estabilidade e visibilidade para todos”. Também julgou que a situação atual na Europa era “crítica” e exigia “uma extrema responsabilidade”.
Ele acrescentou ser urgente “reduzir o campo de ambiguidades para ver onde estão os pontos de desacordo e os possíveis pontos de convergência ”. “Temos que construir os termos de uma equação que possibilite a desescalada no nível militar“, observou.
Por sua vez, o líder russo destacou que “ao longo destes anos a França tem participado ativamente na resolução de questões fundamentais da segurança europeia”. “Foi feito por seus antecessores sobre a crise que eclodiu após o ataque da Geórgia à Ossétia do Sul, sobre o trabalho sobre os acordos de Minsk e a organização do formato da Normandia.”
“Vejo quanto esforço o atual governo francês e o presidente francês estão fazendo para resolver a crise relacionada a questões de garantia de igualdade de segurança na Europa por uma perspectiva de longo prazo e abordar questões relacionadas à solução da crise no sudeste da Ucrânia”, disse Putin.
Na entrevista coletiva, o presidente Putin assinalou que as principais preocupações da Rússia em relação às garantias de segurança foram ignoradas pelos EUA e pela OTAN. “Nós nos opomos fortemente à expansão da OTAN adicionando novos membros no Leste, porque isso representa uma ameaça comum para nós – mais expansão da OTAN para nossas fronteiras, não estamos nos movendo em direção à OTAN, mas a OTAN está se movendo em nossa direção”.
Putin lembrou ainda que o princípio da segurança coletiva e indivisível “como se sabe, inclui a obrigação de não reforçar a própria segurança em detrimento da segurança de outros Estados”.
“Gostaria também de observar que eles ainda estão tentando tranquilizar a Rússia com argumentos de que a Otan é uma organização pacífica e puramente defensiva, uma aliança puramente defensiva. Cidadãos de muitos estados viram por experiência própria como isso é verdade”, ironizou Putin.
Declaração feita pelo encalacrado primeiro-ministro inglês Boris Johnson, em meio ao escândalo das festinhas do lockdown que podem lhe custar o cargo.
Putin disse, ainda, que a Rússia foi designada como adversária na estratégia militar da Otan: “Não podemos ignorar isso. Na estratégia militar da Otan de 2019, a Rússia é nomeada diretamente a principal ameaça à segurança e adversária. A Otan nos designou como adversário”.
Crimeia
Putin advertiu, também, que se a Ucrânia se juntar à OTan e tentar retomar a Crimeia, os países europeus seriam automaticamente arrastados para uma guerra na qual não haveria vencedores; por sua vez, Moscou fará de tudo para encontrar compromissos que satisfaçam a todos. Após o golpe de 2014, em referendo a população aprovou por larguíssima margem a reunificação com a Rússia, da qual foi parte por praticamente trezentos anos.
“Bem, vocês entendem ou não que se a Ucrânia se juntar à Otan e tentar retomar a Crimeia por meios militares, os países europeus serão automaticamente arrastados para um conflito militar com a Rússia?”, disse Putin aos jornalistas, acrescentando querer “enfatizar isso novamente, eu realmente gostaria que vocês finalmente me ouvissem e transmitissem isso a seus leitores, telespectadores e usuários na Internet”.
Quanto à alegação de que os potenciais militares da Otan e da Rússia seriam “incomparáveis”, Putin assinalou que a Rússia “é uma das principais potências nucleares. E em alguns componentes, nos tempos modernos, estamos até à frente de muitos outros”.
“Não haverá vencedores” – acrescentou. “E você se verá atraído para isso, para um conflito contra a sua vontade. Você nem terá tempo para piscar, quando cumprir o artigo 5º do Tratado de Roma. O senhor Presidente [Macron], é claro, não quer esse desenvolvimento. E eu também não quero. É por isso que ele está aqui e vem me atormentando por seis horas seguidas com perguntas, garantias, opções de soluções”, disse Putin.
Sermão da Otan
O presidente russo acrescentou que a Otan estava tentando dar um sermão na Rússia. “Além disso, tendo movido sua infraestrutura militar para perto de nossas fronteiras, a Otan e seus estados membros se consideram no direito de nos dar uma palestra sobre onde e como colocar nossas forças armadas, e consideram possível exigir a não realização das manobras planejadas e exercícios.”
O movimento de tropas russas em seu próprio território é apresentado como uma ameaça de invasão russa, “neste caso, na Ucrânia”, observou Putin.
O presidente russo também observou que os membros da OTAN continuaram a entupir a Ucrânia de armas e enviam instrutores militares, questão que foi discutida com Macron.
Kiev ignora todas as possibilidades de uma solução pacífica para a situação no Donbass, sublinhou Putin. “É claro que, de minha parte, chamei a atenção do presidente para a relutância das atuais autoridades de Kiev em cumprir as obrigações do pacote de medidas e acordos de Minsk no formato da Normandia”, disse Putin.
Acordos de Minsk
“Na minha opinião, é óbvio para todos que as atuais autoridades em Kiev definiram um caminho para desmantelar os acordos de Minsk”, disse Putin. “Não há progresso em questões tão fundamentais como reforma constitucional, anistia, eleições locais, aspectos legais do status especial. A conhecida fórmula de Steinmeier – pelo menos para os especialistas – ainda não está consagrada na legislação ucraniana”, destacou.
Putin assinalou, no entanto, que várias ideias de Macron podem ser usadas como base para novos passos na Ucrânia. Ele disse achar que Macron “terá dificuldades” nas negociações com a liderança de Kiev na terça-feira.
“Este é um conjunto complexo [de perguntas], é por isso que conversamos por tantas horas, e amanhã, ao Sr. Presidente [Macron], eu entendo que não há perguntas fáceis lá, ele também terá dificuldades em Kiev”, ressaltou o líder russo.
“Mas nós concordamos que, após consultas, também entraremos em contato com a liderança da Ucrânia e obteremos algum tipo de feedback sobre o que a liderança ucraniana hoje considera aceitável para si mesma, o que é inaceitável, como ela vai se mover, e construiremos ainda mais nossos próprios passos”, concluiu.