Putin e Biden decidem iniciar negociação por limites a armas nucleares
Os presidentes Vladimir Putin (Rússia) e Joe Biden (Estados Unidos) concluíram nesta quarta-feira (16) sua primeira cúpula em Genebra, na Suíça, com as duas partes considerando as conversações “cordiais” e “construtivas”.
A retomada dos respectivos embaixadores aos seus postos é a primeira manifestação desse princípio de entendimento, após meses de tensões com as relações entre as duas maiores potências nucleares no ponto mais baixo em décadas.
Putin e Biden também reafirmaram o princípio de que “uma guerra nuclear não pode ser vencida e nunca deve ser travada”.
Os dois presidentes concordaram em iniciar negociações sobre limitar armas nucleares com o objetivo de substituir o atual tratado Start, que expira em 2026 e que quase foi liquidado por iniciativa de Washington.
Biden reverteu isso quase no último minuto, mas manteve a liquidação do tratado de Céus Abertos e do Tratado de Proibição de Armas Nucleares Intermediárias INF, cometida pelo antecessor Trump.
Putin e Biden compartilharam um aperto de mão e posaram para fotos, antes do início da cúpula na Villa la Grange. “Muitas questões se acumularam nas relações russo-americanas”, declarou Putin no início do encontro, quando agradeceu a Biden pela iniciativa. Já o norte-americano respondeu que “é melhor quando nos vemos cara a cara”.
Putin presenteou Biden com um conjunto de artigos de papelaria decorado no estilo tradicional da pintura russa de Khokhloma, enquanto o presidente dos Estados Unidos deu a Putin um par de óculos de aviador e uma escultura de cristal de um bisão.
Durante noventa minutos, o encontro foi em um formato mais reduzido, com os dois presidentes acompanhados pelos respectivos ministros das Relações Exteriores, Sergei Lavrov (Rússia) e Antony Blinken (EUA) e tradutores.
Como Putin disse a jornalistas, “os temas [das discussões] provavelmente são conhecidos por todos: estabilidade estratégica, segurança cibernética, conflitos regionais, relações comerciais e também falamos sobre cooperação no Ártico”.
Após um breve intervalo, ocorreu uma sessão ampliada, com a participação adicional, pelo lado russo, dos assessores presidenciais Yuri Ushakov e Dmitry Peskov, mais o chefe do Estado-Maior das Forças Armadas Russas, Valery Gerasimov, e o embaixador nos EUA Anatoly Antonov.
Pelo lado norte-americano, o assessor de Segurança Nacional Jake Sullivan, a subsecretária de Estado Victoria Nuland, o diretor de Segurança Nacional para a Rússia Eric Green e o embaixador na Rússia John Sullivan.
Ao final, não houve uma coletiva de imprensa conjunta, com cada presidente falando à mídia em separado. Entre as questões em que se registraram avanços, estão discussões sobre a segurança no Ciberespaço, tema sobre o qual a Rússia vem propondo, desde 2015, um tratado internacional além da cooperação no Ártico.
Porta aberta ao diálogo
Como Putin salientou, as conversações, apesar das diferenças de pontos de vista, permitiram esclarecer posições e propiciar caminhos para sua elaboração.
Respondendo a um jornalista, o presidente russo descreveu Biden como um “estadista”, que abordou as discussões de forma positiva. “Eu vi por mim mesmo que o Sr. Biden é uma pessoa muito experiente, você não tem conversas tão longas com todos os líderes”, acrescentou Putin.
Na coletiva de imprensa, jornalistas norte-americanos se empenharam em indagar de Putin se ele tinha se “comprometido” a “isso e aquilo”, como se o presidente russo ali estivesse para atender aos preconceitos deles sobre a Rússia ou aos ditames de Washington.
Com aquela fleuma e precisão que o caracterizam, Putin respondeu às provocações. Como as feitas por um repórter da CNN sobre o mascote de Washington, Alexei Navalny, e a “perseguição à oposição”.
Sobre a questão, Putin apontou dois aspectos. O primeiro, que em 2017 os EUA designaram a Rússia oficialmente como “inimigo” e assumiram como política “conter o desenvolvimento russo”.
Então, organizações que funcionavam na Rússia e que recebiam dinheiro de fora, foram forçadas a se declararem ‘agentes estrangeiros’ [é o caso da ‘Fundação Anticorrupção’ de Navalny]. O que já é lei nos EUA desde a década de 1930, e só virou lei na Rússia recentemente.
O presidente russo também lembrou que Navalny tinha uma condenação [aliás, por um golpe comercial na praça contra uma empresa francesa], estava sob liberdade condicional e tinha que se apresentar regularmente à justiça, como determina a lei a qualquer um que esteja nessa situação. Deixou de fazê-lo, insistiu em não se comunicar à justiça e voltou esperando capitalizar a própria prisão.
Quanto à Ucrânia, Putin esclareceu que a única obrigação que pesa sobre a Rússia é velar pelo cumprimento dos Acordos de Minsk assinados, destinados a pôr fim ao conflito, que determinam a mudança da constituição ucraniana para preservar os direitos do Donbass, seguida pela realização de eleições e anistia, para só então tropas de Kiev retornarem à fronteira, e que é o governo de Kiev que não cumpre.
Quanto à movimentação de tropas russas, Putin lembrou que foram em território russo, exatamente como os EUA fizeram recentemente no Alaska, que é bem perto do extremo leste da Rússia. Ele acrescentou que a Rússia, ao contrário dos Estados Unidos, não posiciona equipamentos militares no exterior, perto das fronteiras da América.
Já a política de Washington é de manter presença militar próxima às fronteiras da Rússia, o que provoca aumento das tensões na região.
Sobre a pretensão dos norte-americanos de fazerem preleções aos demais países sobre “respeito aos direitos humanos”, de passagem Putin relembrou as prisões sombrias da CIA e Guantánamo, os protestos contra os assassinatos de negros nos EUA e os mortos durante a invasão do Capitólio.
Quanto ao Ártico, o presidente russo enfatizou a cooperação, embora observando que a rota do Mar do Norte, que as mudanças climáticas estão tornando uma via permanente de navegação, pertence a um mar interior russo.
Na coletiva de Biden, ele concordou em que o tom da cúpula foi “positivo” e expressou confiança de que nem a Rússia, nem os EUA querem “estar em uma situação em que estávamos em uma nova Guerra Fria”.
“Não estou aqui dizendo por que o presidente [Putin] e eu concordamos que faríamos essas coisas, então, de repente, vai funcionar. Não estou dizendo isso”, assinalou Biden.
“O que estou dizendo é que acho que há uma perspectiva genuína de melhorar significativamente o relacionamento entre nossos dois países, sem abrirmos mão de uma só coisa de nossos princípios e valores”.
“E eu realmente acredito que ele [Putin] pensa assim. Ele entende isso”, disse Biden. Ele acrescentou que embora Putin possa ter preocupações “sobre ser cercado, que na verdade o estamos tentando derrubar”, essas não são a força motriz para ele moldar o relacionamento com os EUA.
Biden apontou que o sucesso da cúpula será determinado por “decisões práticas, diretas” que devemos “tomar ou não”. “Descobriremos nos próximos seis meses a um ano se realmente temos ou não um diálogo estratégico que importa. Vamos descobrir se temos um acordo de segurança cibernética que começa a trazer alguma ordem”.
Depois de dizer isso, já de volta ao público doméstico, disse ter destacado que se a Rússia violar as “regras básicas” [de quem?] “os Estados Unidos vão responder”. Biden acrescentou ter entregado a Putin uma lista com 16 instituições de infraestrutura crítica que deveriam estar “fora dos limites de qualquer ataque”.
Na véspera da cúpula, voltou à tona a espionagem em massa cometida pela NSA – a CIA do espaço cibernético – quando Biden era o vice de Obama, denunciada por Edward Snowden, devido a ser descoberta a cumplicidade do serviço secreto dinamarquês no grampo da primeira-ministra alemã Angela Merkel.
Questão sobre a qual, piedosamente, o presidente Putin não aludiu. Em compensação, ele citou um estudo norte-americano, que classifica os EUA como campeão mundial indisputado dos ataques cibernéticos, e lembrou que empresas norte-americanas andaram pagando resgate a bandidos da internet. Putin lembrou ainda que, enquanto a Rússia atendeu pedidos dos EUA sobre crimes cibernéticos, os de Moscou ficaram sem qualquer resposta.
Quanto ao fato de ter partido de Biden a iniciativa para a cúpula com Putin, observadores registraram que, diante do soerguimento da China e do declínio norte-americano, o establishment de Washington está ficando cada vez mais preocupado com o avanço da parceria estratégica China-Rússia, por um futuro compartilhado para a Humanidade, na versão chinesa, ou para uma ‘Eurásia de paz, de Lisboa a Jacarta’, na mais recente atualização da concepção russa.