Putin ressaltou que tropas russas “não ameaçam ninguém” e que Otan é que chega à Rússia

O Kremlin classificou de “conversa franca e profissional” a reunião por videoconferência dos presidentes Vladimir Putin (Rússia) e Joe Biden (Estados Unidos) na terça-feira (7), em que o líder russo assinalou que a Rússia quer “garantias formais” contra nova expansão da Otan e seus mísseis até às fronteiras russas e ouviu do chefe da Casa Branca que haverá “graves consequências” em caso de “invasão da Ucrânia”, a mais badalada fake news da atualidade em Washington.

Segundo o comunicado russo, Putin ressaltou que as tropas russas “não ameaçam ninguém” e que, pelo contrário, o que vem acontecendo é a expansão do “potencial militar” da Otan até às fronteiras russas. É a segunda cúpula dos dois em cerca de seis meses.

“A Rússia está seriamente interessada em obter garantias jurídicas confiáveis que descartem uma expansão da Otan para o leste e o deslocamento de armas de ataque para países adjacentes à Rússia”, relatou o Kremlin.

Em suma, qualquer movimento para incorporar na Otan a Ucrânia – cujo governo legítimo foi derrubado em 2014 por um golpe promovido pela CIA-neonazis – ou ali posicionar seus mísseis é simplesmente “inaceitável”.

“Nossas linhas vermelhas”, disse Putin recentemente, utilizando uma expressão que a Casa Branca gosta muito de usar.

Na véspera, o ministro russo das Relações Exteriores, Sergei Lavrov, havia repetido que era “inadmissível” que a suposta segurança de um país se fizesse à custa de insegurança para outro.

Esse princípio, da segurança coletiva, que foi corporificado nos anos 1980 na criação da Organização de Segurança e Cooperação da Europa (OSCE), possibilitou na época deter a ameaça de guerra nuclear no teatro europeu, quando os mísseis então existentes ameaçavam atingir as principais cidades em torno de dez minutos.

Também foram intensificadas as ameaças de Washington à Rússia – das sanções ao Nord Stream 2 até à exclusão do sistema de pagamentos globais SWIFT –, assim como as fake news sobre as “tropas russas prestes a invadir” a Ucrânia. Isso depois de semanas seguidas de provocações dos EUA/Otan no Mar Negro e no Báltico, inclusive ensaios de ataque nuclear à Rússia a 20 km da fronteira.

O que está impedindo que prevaleça uma solução negociada na Ucrânia é o flagrante desrespeito de Kiev aos protocolos de Minsk, que estabeleceram um roteiro de solução pacífica – separação de forças, troca de prisioneiros, negociações diretas Kiev-Donbass e aprovação de leis de anistia, autonomia, respeito à língua russa, para a realização de eleições e normalização da fronteira.

Nos últimos dias, Kiev enviou à linha de separação a metade do exército ucraniano, realizou provocações contra alvos no Donbass e inclusive operou drones de guerra de fabricação turca.

Os protocolos foram assinados pela França, Alemanha, Rússia e Ucrânia e sacramentados pelo Conselho de Segurança da ONU, com o conteúdo central de uma negociação direta entre o regime de Kiev e as autointituladas repúblicas de Donetsk e Lugansk.

A Rússia não tem interesse em invadir a Ucrânia arruinada pelos oligarcas ladrões, vassalos da CIA e neonazis, mas qualquer tentativa de Kiev de se lançar a um genocídio contra a população de ascendência russa no Donbass não passará, faça Biden quantas “advertências” quiser.

A Rússia já deixou claro que não vai permitir uma “Anti-Rússia” na sua fronteira e cheia de mísseis nucleares norte-americanos.

Havendo vontade de negociar, a “crise na Ucrânia” se resolve rápido: sem Otan e com a aplicação dos protocolos de Minsk. Aliás, o presidente Zelensky se elegeu prometendo a paz, traiu e agora sua aprovação atual mal chega a 24%.

Não há nada de extraordinário na proposta da Rússia. Há o precedente da formalização da neutralidade da Áustria, em 1955, por norte-americanos e soviéticos, que persiste até hoje e transformou Viena numa das capitais mundiais da diplomacia.

O contrário disso é aquilo a que o próprio Putin havia se referido: no atual estágio da tecnologia, mísseis na Ucrânia significam ameaça direta a Moscou em cinco minutos, tornando inviável qualquer postergação de um contra-ataque nuclear, caso um ataque – ou suposto ataque – fosse detectado.

Também é notório que Washington desrespeitou o compromisso assumido com os soviéticos, no processo de reunificação da Alemanha, de não expandir a Otan para leste. É sabido que o próprio secretário do Pentágono de Bill Clinton, William Perry, em 1996, se disse contrário à expansão. Hoje em dia, Perry dirige uma entidade que adverte sobre o risco de hecatombe nuclear.

Analistas que não podem ser tachados de sectários questionaram como é que os EUA agiria se fosse a Rússia, ou a China, que estivesse instalando mísseis em algum lugar do Caribe ou da América Central?

Pelo andar da carruagem e da histeria que domina a política interna norte-americana, sejam republicanos ou democratas, quando sentem que o ‘excepcionalismo ianque’ está sob risco, já há quem tema que o mundo esteja sendo empurrado a uma ‘crise europeia dos mísseis’.

Sobre o estado febril que grassa em Washington, pode-se citar a declaração da secretária de imprensa da Casa Branca, Jean Psaki. “Consultamos nossos aliados e acreditamos em maneiras de infligir danos significativos e graves à economia russa. Podem chamar isso de ameaça, podem chamar de fato”.

A cúpula também se ocupou de outras questões, como as dificuldades envolvendo a restauração do acordo nuclear com Teerã, rompido por Washington, as supostas investidas de guerra cibernética contra os EUA e outros aspectos das relações (ou falta de) bilaterais EUA-Rússia.

Em outra frente, Putin propôs a Biden a retirada de todas as medidas retaliatórias contra as missões diplomáticas dos dois países adotadas nos últimos meses. Há uma fornada de expulsões pronta para estourar no início do próximo ano.

“O lado russo propôs fazer uma limpa de todas as restrições acumuladas em relação ao funcionamento das missões diplomáticas, o que poderia permitir normalizar outros aspectos das relações bilaterais” entre as duas potências, disse o Kremlin em seu comunicado.

Por motivo do 80º aniversário de Pearl Harbour, os dois presidentes lembraram a aliança de russos e norte-americanos contra o nazismo na II Guerra Mundial e, conforme a avaliação do Kremlin sobre a cúpula, prevalecendo a compreensão de que os sacrifícios feitos então não devem ser esquecidos e que a própria aliança serve de exemplo para construir contatos e trabalhar conjuntamente nas realidades de hoje.

A propósito, as “realidades de hoje” incluem a ‘cúpula das democracias’ de Biden, dirigida ostensivamente contra a China e a Rússia e para recriar o clima de guerra fria, e a mais recente provocação gratuita a Pequim, o desdentado ‘boicote diplomático’ aos Jogos Olímpicos de Inverno 2022 de Pequim. Já convidado pelo presidente Xi Jinping, o presidente Putin garantiu que irá com muito gosto.