Europa importa 40% do gás que consome da Rússia

O presidente russo Vladimir Putin anunciou na quinta-feira (31) ter assinado um decreto sobre o comércio do gás natural com os “países hostis” – aqueles que decretaram sanções unilaterais e sequestraram as reservas russas -, o que foi feito sob o pretexto de opor-se à operação especial russa na Ucrânia, para desnazificar e desmilitarizar o país, impedir o genocídio da minoria de ascendência russa do Donbass e deter a anexação pela Otan.

40% do gás consumido na União Europeia vem da Rússia e no curto prazo não há alternativas de suprimento.

“Hoje assinei um decreto que estabelece as regras para o comércio do gás natural russo com os chamados Estados hostis”, disse Putin em uma reunião sobre a indústria da aviação.

O presidente russo afirmou que os contratos em vigor de compra de gás russo serão congelados se o pagamento não for realizado em rublos.

“Ninguém nos vende nada de graça, e nós também não pretendemos fazer caridade. Ou seja, os contratos vigentes serão suspensos”, apontou.

“Na realidade o que está acontecendo, o que já aconteceu: fornecemos aos consumidores europeus nossos recursos, neste caso, o gás, eles o receberam e nos pagaram em euros, que depois eles próprios congelaram. Neste aspecto há todos os motivos para acreditar que parte do gás entregue à Europa foi fornecido, de fato, de graça”, argumenta Putin.

Ele acrescentou que “isso, claro, não pode continuar assim”.

“Ademais, no caso de novos fornecimentos de gás e seu pagamento pelo esquema tradicional, novas entradas financeiras em euros ou dólares também podem ser bloqueadas”.

“Esse desenvolvimento da situação é bastante previsível, ainda por cima com alguns políticos no Ocidente falando disso publicamente. Além disso, os chefes de governo dos Estados-membros da União Europeia estão falando nessa mesma linha”, sublinhou o presidente da Rússia.

Após a declaração de Putin, o preço de referência do gás a nível europeu, o índice TTF (Title Transfer Facility) holandês subiu para US$ 1.450 por 1.000 metros cúbicos, segundo a bolsa de valores ICE sediada em Londres, Reino Unido. Os preços dos futuros do gás no TTF para abril atingiram US$ 1.448.

As declarações de Putin se tornaram necessárias após diversos governos europeus insistirem, mesmo depois de telefonemas de esclarecimento com o próprio presidente russo, na recusa em aceitar os novos procedimentos, cuja criação eles fomentaram, ao abraçarem caninamente as sanções anunciadas por Washington em seu esforço para manter a anexação da Ucrânia pela Otan e o regime saído do golpe de 2014, que fervilha de neonazistas.

Assim, o primeiro-ministro alemão Olaf Scholz voltou a dizer que, após examinar os contratos, “deixei claro na minha conversa com o presidente russo que isso continuará assim” – pagamento em euros ou dólares.

O primeiro-ministro italiano, Mario Draghi, disse na quinta-feira que as entregas de gás da Rússia para a Itália e a Europa “não estão em perigo”, acrescentando que é “impossível” fazer pagamentos pelo gás russo em rublos, já que o contrato prevê dólares e euros.

Segundo a Reuters, o presidente Emmanuel Macron reiterou que a França “é contra o pagamento em rublos”.

Lógica peculiar, ainda mais quando são as indústrias europeias e o aquecimento dos lares europeus que estão dependendo do gás russo, e não o contrário – sem falar na elevação de preços que tal ‘opção’ [não comprar gás russo] implicaria para os consumidores e a economia europeia. Nem na inevitável recessão sem energia para manter a máquina econômica em funcionamento.

A desfaçatez demonstrada por esses líderes europeus levou o ex-secretário-adjunto do Tesouro no governo Reagan, Paul Craig Roberts, a observar que os países sancionadores “que violaram todos os seus contratos com a Rússia não têm o direito de reclamar que a Rússia viola um em troca”.

Os assim chamados países hostis incluem, além dos EUA, Reino Unido, Canadá e Austrália, os 27 da União Europeia, mais Japão, Coreia do Sul e Taiwan, e alguns outros. A grande maioria dos países do mundo não aderiu às sanções contra a Rússia.

Apesar da paúra sobre rublos, nada de complicado, como mostrou Putin.

“Estamos oferecendo um esquema claro e transparente. Para comprar gás natural russo, eles devem abrir contas em rublos em bancos russos. É dessas contas que serão feitos os pagamentos do gás fornecido a partir de amanhã, 1º de abril”, disse o presidente russo, falando em uma reunião sobre assuntos da indústria de aviação.

Putin enfatizou que a Rússia continuará cumprindo suas obrigações no fornecimento de gás em volumes e preços estabelecidos nos contratos existentes. No entanto, a necessidade de pagar em moeda russa não está em negociação, segundo o presidente.

“Ninguém vende nada de graça, e nós também não faremos caridade. Ou seja, os contratos existentes [não pagos em rublos] serão interrompidos”, disse ele.

“Se tais pagamentos [em rublos] não forem feitos, consideraremos isso uma inadimplência nas obrigações dos compradores. Com todas as consequências decorrentes”, acrescentou Putin.

Após o anúncio de 23 de março da exigência de pagamento do gás russo em rublos, a moeda russa, que havia se desvalorizado sob o impacto das sanções, voltou ao patamar pré-sanções, em outro sintoma do fracasso da ‘blitzkrieg’ financeira intentada por Washington e acompanhada pelos satélites, contra a economia russa.

O Gazprombank recebeu a autorização para abrir contas em nome de compradores estrangeiros de gás russo sem sua presença direta. As contas especiais não estão sujeitas ao Código Tributário Russo até que as alterações apropriadas sejam feitas, e a suspensão ou baixa desses fundos são proibidas por qualquer motivo que não seja o pagamento de contratos de gás.

O decreto permite que a comissão do governo russo responsável pelo controle de investimentos estrangeiros emita licenças isentando a regra de pagamentos em rublos.

Sancionadores reclamam da ‘quebra de contratos

Desde que Putin instruiu a Gazprom e o Banco Central russo a definirem os procedimentos para a mudança do pagamento do gás para o rublo, uma onda de cinismo e histeria atingiu várias capitais europeias, com declarações estridentes de que de “jeito nenhum”.

“Os países do G7 não concordam” com a exigência da Rússia de pagar o gás em rublos e consideram tal medida “quebra unilateral de contratos”, asseverou o ministro da Economia alemão, Robert Habeck, na segunda-feira (28). Isso depois de praticamente terem mandado para o espaço o sistema financeiro internacional, o padrão dólar e o sistema global de comércio, com suas “sanções do inferno” contra a Rússia, das quais a Casa Branca andou se gabando.

Por sua vez o ministro das Finanças alemão, Christian Lindner (FDP), instou as empresas a “não aceitarem a chantagem” russa.

“Sem rublos, sem gás”

Tal foi o alarido, que o normalmente tranquilo porta-voz russo Peskov, precisou explicar a esses abusados que “sem rublos, sem gás”.

A repórteres, Peskov assinalou que as empresas ocidentais “devem entender a conjuntura e o ambiente completamente alterado no contexto da guerra econômica contra a Rússia”.

Elas “só precisam comprar rublos e pagar pelo gás em moeda russa”, disse ele, observando que “de fato, nada realmente muda”. Ele acrescentou que a Rússia está interessada em vender seu gás, é um fornecedor confiável e tem as melhores condições.

Questionado sobre como Moscou reagiria se a Europa se recusasse a pagar em rublos, Peskov disse: “Vamos resolver os problemas quando eles surgirem”.

O vice-primeiro-ministro da Moldávia, Andrei Spînu, afirmou que o contrato entre a Moldovagaz e a Gazprom já prevê o pagamento em moeda russa.

Alemanha em transe

Na terça-feira, os principais sindicatos industriais da Alemanha, IG Metall, IGBCE e IG Bau, se reuniram em uma coletiva de imprensa para alertar que as consequências da paralisação do gás russo “não apenas reduzirão as horas de trabalho e as perdas de empregos, mas também a rápida colapso das cadeias de produção industrial na Europa – com consequências mundiais”.

A advertência é resultante do grau de acoelhamento que aflige a elite alemã, totalmente submetida a Washington, e com a presidente da Comissão Europeia, a alemã Ursula Von der Leyen, rufando os tambores de que a União Europeia tem que se pendurar no mais caro e mais poluente gás norte-americano – apesar de que, no curto prazo, este só tem como entregar uma fração do que atualmente vem da Rússia.

Para o ministro da economia, o otimista Habeck, a partir de 2024 a Alemanha poderá sobreviver sem gás russo. No dia do alerta dos sindicatos, Berlim anunciou um ‘plano de emergência’ do gás de três estágios.

Uma semana antes, o primeiro-ministro Scholz admitiu que uma proibição imediata das importações de energia russa provocaria uma recessão econômica tanto na Alemanha quanto em toda a Europa.

“A verdade é que as sanções que já foram decididas também atingiram duramente muitos cidadãos, e não apenas na bomba de gasolina”, disse Scholz ao Bundestag em 23 de março, acrescentando que as sanções “não devem atingir os países europeus com mais força do que atingem a liderança russa”.