Não é só Francia Márquez, candidata à vice-presidência da Colômbia nas eleições deste domingo, 29 de maio, que representa a força política das mulheres no país irmão. O crescente protagonismo feminino é perceptível, também, nas lideranças de partidos e de cargos no Legislativo. O que as une, para além do gênero, é o programa construído pela coalizão Pacto Histórico para tentar, pela primeira vez, destronar a direita na Colômbia.

Na avaliação de Yamila Santos, secretária-geral do Movimento Alternativo Indígena e Social (MAIS), o que se vive já é algo histórico: ”Desde Jorge Eliécer Gaitán [assassinado com três tiros em 1948, quando era o favorito a ganhar a eleição presidencial no país], há 70 anos, não surgia um líder como Gustavo Petro para disputar a presidência. É algo que desperta a esperança no povo e, em especial, nos grupos étnicos em nosso país”, diz. “Há preocupação, claro, com a possibilidade de que algumas instituições trabalhem para barrar a vontade do povo colombiano, mas estamos felizes, prontas para lutar e confiantes na vitória”.

Em relação à potente candidatura de Francia Márquez, nascida na região do Cauca colombiano e que trabalhou como faxineira, tendo que superar todas as dificuldades para formar-se advogada e receber, em 2018, o Prêmio Goldman (equivalente ao Nobel do Meio Ambiente), Yamila é assertiva: “É a primeira candidata que vem dos territórios, que representa a luta da mulher negra. É a primeira vez que nós, mulheres negras, somos líderes de um processo que pode trazer a mudança na Colômbia”, frisa Yamila.

Segundo a dirigente do MAIS, “os negros e os indígenas na Colômbia tiveram seus direitos reconhecidos somente com a Constituição de 1991. Hoje, afirmamos: nós, negros e indígenas, queremos chegar ao Palácio de Nariño [Palácio de Governo colombiano]”.

“Na Colômbia, além de termos Francia Márquez, que é uma referência na defesa dos direitos dos afrodescendentes, do meio ambiente e das mulheres, o Pacto Histórico assegurou a paridade de gênero nas listas, garantindo a alternância das suas candidaturas ao Senado. Assim, dos 20 senadores, dez são mulheres, o que representa um exemplo para a nossa luta”, declara Rosalba Gómez, diretora do Departamento da Mulher da Central Unitária dos Trabalhadores (CUT) da Colômbia.

“Este resultado amplamente positivo”, avalia Rosalba, “nos estimula a seguir em frente e a fortalecer ainda mais a luta pelas nossas bandeiras por uma sociedade igualitária”.

Unidade na diversidade

Com 200 anos de um bipartidismo que alterna a direita e a ultradireita no poder, representadas por famílias da oligarquia nacional, a Colômbia vive a expectativa de uma mudança sem precedentes nesta eleição. A chave para este cenário, segundo Katherine Miranda, congressista pela Aliança Verde, é a amplitude de forças políticas reunidas em torno de Gustavo Petro.

“A união entre diferentes forças políticas é o que está nos permitindo, pela primeira vez na história, tentar chegar à presidência da República. Isso só está acontecendo porque vários partidos distintos se unificaram em torno de uma única candidatura”, explica Katherine. “Petro não apenas reúne os partidos políticos para fins meramente eleitorais, os reúne em torno de um programa, que é profundamente democrático. Essa união é histórica, pois entende a diversidade e as necessidades da população colombiana”.

Deputada pelo Pacto Histórico e pertencente ao Polo Democrático, Luz Maria Munera exalta a construção da frente “multicolorida” que enfrenta o obscurantismo no país. “A Colômbia não é construída só pelos partidos alternativos. O país tem partidos de esquerda, de centro, de centro-esquerda, de direita. O que queremos é um país diferente do que temos hoje. Um país no qual caibam todas e todos”, opina.

Segundo Munera, a unidade com tantos setores é necessária e não é em torno de um indivíduo, mas de um programa que pode trazer bem-estar para o conjunto da nação colombiana. “O debate não é se você é vermelho, azul, verde ou amarelo. É sobre aderir a um projeto que busque promover a dignidade humana, o Estado de bem-estar social e, como diz Francia Márquez, para viver saborosamente”.

Uma das principais temáticas que mobilizam o debate público e eleitoral na Colômbia tem a ver com o que será feito a respeito das máfias que enriquecem ao custo de uma guerra sangrenta e que já dura mais de cinco décadas no país, custando centenas de milhares de vidas e milhões de desalojados. “Eles têm medo da possibilidade de termos paz na Colômbia. É preciso, enfim, avançar no processo de pacificação”, ressalta a dirigente do Polo Democrático.

O governo atual, presidido pelo uribista Iván Duque, trabalhou contra o cumprimento do Acordo de Paz assinado em 2016 entre as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia – Exército do Povo (FARC-EP) e o Estado colombiano, sabotando de todas as formas.

Dar fim à guerra, porém, significa golpear um sistema de corrupção que envolve narcotraficantes, paramilitares, generais, empresários poderosos e políticos corruptos. “São bilhões de pesos colombianos roubados anualmente produto da corrupção. Eles estão assustados com a possibilidade de perder esse esquema, por isso tentam instaurar um clima de terrorismo e de medo”.

“A maioria dos colombianos querem um basta à violência, querem o direito à vida digna”, acrescenta. “Não se pode construir um novo país se não desfrutamos das riquezas que temos aqui. Qual o valor agregado das matérias-primas que exportamos? Zero. É este nosso desafio. Produzir riqueza e distribuí-la”.

A tragédia de Duque e Bolsonaro

Maria José Pizarro, artista plástica eleita senadora pelo Pacto Histórico nas eleições de março deste ano, acredita que há uma similaridade acentuada entre as situações da Colômbia e do Brasil nas eleições de 2022. “Acabamos de chegar do Brasil, onde acompanhamos o lançamento da candidatura de Lula para as eleições de outubro. Lá, estivemos com o povo brasileiro, que vive uma situação similar à do povo colombiano: como reunir as forças democráticas do país e gerar um grande tecido que dê um novo rumo aos nossos países, superando a grande tragédia que representam Duque e Bolsonaro?”.

Conforme argumenta, a unidade programática entre amplas forças partidárias, somadas ao protagonismo feminino, de negros e indígenas, é uma receita que já vem dando certo para reconectar as bases sociais ao progressismo no continente.

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Fonte: ComunicaSul

 

(PL)