É necessário não permitir uma hipertrofia do poder dessas plataformas, que já têm um poder enorme, diz Orlando. Foto: reprodução

Coordenador dos debates na Câmara dos Deputados sobre o projeto das fake news, o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) diz que um dos desafios do parlamento é evitar que seja criado um sistema privado de censura. Segundo ele, a ideia é não permitir que as plataformas tenham poder absoluto para remover e restringir conteúdo sem transparência. É preciso que a sociedade conheça os critérios utilizados na chamada moderação feita pelas mídias sociais.

“Tem gente que aplaude quando o Twitter, por exemplo, do presidente da República é retirado. Eu fico cabreiro, porque hoje é ele e amanhã pode ser eu. Quem disse que essas plataformas têm de ter todo esse poder para arbitrar sem critérios objetivos o que deve ou não ser retirado do ar. A meu ver é necessário não permitir uma hipertrofia do poder dessas plataformas, que já têm um poder enorme”, argumentou.

Segundo ele, é nesse contexto que o projeto em questão se transformou numa matéria sobre transparência nas redes, pois há uma série de deveres para as plataformas. Ele lembrou que, a partir do termo de uso, quando se baixa um aplicativo, todos autorizam o acesso aos dados pessoais e o consentimento para ser feita a moderação. “Moderação significa remover e retirar conteúdo, restringir o acesso a conteúdo. Essa moderação é feita pelas plataformas com regras que nós não conhecemos”, explicou.

Por meio dos algoritmos, o parlamentar diz que as plataformas têm um poder “fabuloso”, pois elas selecionam para onde chegam as mensagens. “Aliás, parte da polarização política no Brasil se deve a aplicação desses algoritmos, porque os algoritmos induzem a formação de bolhas”, disse.

Destacou que quando mais radical é o discurso, mais favorece a formação de bolhas, haja vista que no mundo digital a busca pela audiência segue a mesma regra da mídia tradicional.

“Então para ter audiência esses canais, que divulgam o discurso de ódio, radicalizam, radicalizam, radicalizam e quando mais audiência têm mais monetizam, mas dinheiro têm. São as plataformas que pagam esses canais que fazem a radicalização. Então vejam como é complexo esse sistema. E nós temos que tomar cuidado para não aumentar o poder deles e criar um sistema privado de censura”, alertou.

O deputado defendeu procedimentos e regras claras, um lugar onde se possa editar normas infralegais em que a sociedade, a indústria e o governo estejam presentes. “E essas normas vão se adequando às mudanças que as inovações (tecnológicas) trazem nesse terreno, porque a inovação é a marca do terreno digital (…) Pode melhorar itens? Pode. O texto pode ser aperfeiçoado? Pode”, afirmou.

Campo neutro

Sobre a inovação tecnológica, Orlando destacou um ponto positivo no marco civil da internet que é a neutralidade. “Essa lei também tem que ser neutra do ponto de vista da tecnologia. Eu achava que o Orkut era a maior maravilha do mundo. O Orkut já não existe praticamente. Então não podemos fazer uma lei para o WhatsApp, uma lei para o Facebook, porque eles existem, mas amanhã podem não existir mais. O aplicativo que mais cresce no mundo é Tik Tok. É o que mais cresce no Brasil. Veja que é necessário que a lei seja neutra do ponto de vista da tecnologia”, explicou.

Para resolver questões como essa, o texto fala em “auto-regulação regulada”. Seria uma instituição com representações da sociedade, governo e empresas com responsabilidade de tratar esses tipos de casos.

Poder público

O texto também trata sobre a atuação do poder público. “As contas dos homens e mulheres públicos, seja prefeitos, governador, deputados, presidente, senadores são contas de interesse público, o impulsionamento tem de ter regras. O governo não pode financiar site que vive de produzir desinformação”, defendeu.

O deputado fez referência a alguns casos considerados esdrúxulo na Câmara. Segundo o Estadão, parlamentares contrataram empresas com dinheiro da cota parlamentar para fazer edição e montagem dos vídeos nos seus canais no YouTube. “O deputado usa a estrutura do mandato para uma canal, monetiza aquele canal e ganha dinheiro para isso. Então o agente público tem que ter regras, sobretudo com desrespeito a transparência naquilo que tem relação com dinheiro público”, disse.

Privacidade

Para Orlando Silva, a questão da privacidade é tão importante quanto liberdade de expressão. Por isso, ele se preocupa com a rastreabilidade das mensagens como está colocada no projeto de lei.

“Pode ser uma coisa boa? Pode. Mas também pode ser um coisa ruim. Vou dar um exemplo prático: os movimentos sociais quando vão organizar um ato o cara manda um WhatsApp, manda mensagem para um para outro. Pela proposta, se tiver cinco reencaminhamentos, se alcançar mil pessoas, já tem que ser guardado. E essa guarda vai ser manejada por quem?”, questiona.

Alertou para o fato de todos os anos milhões de dados serem vazados pelas plataformas e podem ser manejados por interesses autoritários. “Estão usando o estado brasileiro para investigar policiais antifascistas”, lembrou. O deputado destacou ainda o importante papel da denúncia anônima como forma de resguardar o cidadão. Preocupa-se ainda com dados vazados de lideranças sindicais, geralmente perseguidos nos seus locais de trabalho.

“Exige de nós preservar conceitos constitucionais básicos, que é a liberdade de expressão e a privacidade. Mas reconheço que esses conceitos não são absolutos. A liberdade de expressão não pode ser escuto para o discurso de ódio. Aí você vai estar ferindo outros aspectos relativos a dignidade da pessoa humana, relativos a democracia, ao pluralismo político, questões também que são caras ao texto constitucional”, diz.

Lei Alemã

O parlamenta argumenta que o desafio é grande de produzir uma lei que não tem similar no mundo. Aliás, só a Alemanha tem uma lei nesse sentido, mas restrita ao discurso do ódio. “Aqui é a desinformação que entra num terreno bastante amplo é muita coisa. Eu defendo que nós focalizemos mais, miremos melhor, calibremos melhor para o que nós buscamos, para que não atiremos no que vê e acertamos no que não vê”, afirmou.

Outra preocupação é com a educação midiática. “Porque no mundo na era digital a alfabetização passa a ser essencial para a cidadania. Esse é o desafio, ou seja, fazer um texto equilibrado, denso, dialogando com todo mundo, conceitualmente sustentável para que a gente possa dar contribuição pata fortalecer a democracia.”

Em suma, ele lembrou que o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) introduziu dois temas na lei: proibiu o disparo em massa e exigiu que a coligação e candidato que veicular uma notícia falsa obrigatoriamente têm de dar direito de resposta. “É uma tentativa do TSE de avançar um pouco no terreno, mas ainda assim é uma intervenção tímida na minha impressão”, concluiu.

Por Iram Alfaya

 

(PL)