O Ministério Público Federal (MPF) decidiu recomendar ao Ministério da Saúde a suspensão da orientação para o uso da hidroxicloroquina em pacientes diagnosticados com Covid-19, inclusive com a administração em pessoas com sintomas leves e em estágio inicial da doença.

Não há nenhum estudo clínico reconhecido pela comunidade científica que comprove a eficácia da cloroquina no tratamento da Covid-19. O que existe é um efeito antiviral in vitro, isto é, em laboratório, que, infelizmente, não se confirmou ao ser aplicado em seres humanos.

Alguns trabalhos recentes, um deles publicado pela revista New England e outro na The Lancet, reafirmaram que a cloroquina não apresentou eficácia no tratamento da Covid-19.

O trabalho da New England foi feito em Nova Iorque em mais de 1,3 mil pacientes. Os médicos contaram com dados de pacientes que foram hospitalizados em decorrência da Covid-19. Ao todo, foram avaliadas 1.376 pessoas. Dessas, 811 receberam hidroxicloroquina e 565 não. Conforme revelaram os autores, dos 811 que usaram hidroxicloroquina, 262 tiveram como desfecho a intubação ou morte. No outro grupo, 84 evoluíram para intubação ou morte.

“Nosso estudo não deve ser tomado como regra de benefício ou prejuízo do tratamento com hidroxicloroquina. No entanto, nossos achados não apoiam o uso de hidroxicloroquina atualmente, fora de ensaios clínicos randomizados que testam sua eficácia”, concluíram os médicos que assinaram o artigo do NEJM.

Segundo a análise, os pacientes que tomaram a hidroxicloroquina tiveram mais chances de ter insuficiências respiratórias do que aqueles que não a tomaram.

Segundo a revista médica, o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina, combinando ou não com a azitromicina, é baseado apenas em relatos de médicos e não foram comprovados, até o momento, cientificamente. O principal estudo que ganhou relevância internacional, mesmo sem validação científica, foi conduzido na França, mas tinha uma amostragem pequena de pacientes e não houve grupo de controle, ou seja, um grupo de pacientes avaliados que não recebeu os medicamentos.

Alguns pesquisadores basearam o seu otimismo com o uso precoce de cloroquina em trabalhos observacionais que não seguiram os protocolos de ensaios clínicos, métodos que são recomendados para esses casos. Ou seja os trabalhos não fizeram comparações cegas com grupos controle. Os resultados desses trabalhos tiveram um grau de subjetivismo acentuado.

Como o índice de cura espontânea da infecção pelo corona vírus é maior do que 90%, sem os ensaios clínicos randomizados e duplo cegos, a chance de se confundir a cura espontânea com o efeito da medicação é muito grande. E o que os trabalhos randomizados e duplo cegos mostraram é que a cloroquina não é eficaz e ainda faz mais mal do que bem.

Chamaram a atenção nos efeitos colaterais a arritmia cardíaca, muito frequente com o uso desse medicamento. A mais perigosa é a chamada Torsades de pointes (do francês “torções das pontas”) que pode levar à parada cardíaca. Outros dois estudos publicados na revista científica British Medical Journal também apontaram a ineficácia da hidroxicloroquina no combate à Covid-19. Ambos foram publicados quase simultaneamente: um deles desenvolvido por pesquisadores franceses, e o outro por cientistas chineses. A pesquisa da Lancet foi multicêntrica e pesquisou 96 mil pacientes. Seu resultado, na mesma direção dos outros, influenciou a decisão da OMS de suspender os uso de cloroquina mesmo experimentalmente.

Diante destes resultados o documento do Ministério da Saúde, imposto por Bolsonaro, depois de derrubar dois ministros e não contar com o aval da Anvisa, tornou-se ainda mais escandaloso.

A decisão de pedir sua suspensão foi aprovada por procuradores da República em São Paulo, Sergipe, Rio de Janeiro e Pernambuco para que a 1ª Câmara de Revisão e Coordenação do Ministério Público Federal tome providências. O MPF ainda apresentou uma representação ao Tribunal de Contas da União (TCU) pela suspensão da nota informativa sobre a administração do medicamento.

Os procuradores afirmam que a Organização Mundial da Saúde (OMS) suspendeu os ensaios clínicos que estavam sob sua coordenação em todo o mundo até a confirmação de que essas drogas são seguras para os pacientes.

Os procuradores apontaram ainda que não foi respeitado o processo legal de registro dos medicamentos na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e de incorporação de tecnologia no Sistema Único de Saúde (SUS), sem a necessária avaliação. Tanto a cloroquina como a hidroxicloroquina já são empregadas há muitos anos no tratamento de diversas enfermidades, mas não de Covid-19.

A Anvisa publicou uma resolução definindo critérios e procedimentos extraordinários para medicamentos específicos para pessoas infectadas com coronavírus, incluindo regulamentação temporária de novas indicações terapêuticas para remédios já existentes. As duas substâncias ganharam aval da agência para o uso em pacientes graves por uso compassivo. O Ministério da Saúde, porém, expandiu a indicação para casos leves e moderados.

É contraditório o uso compassivo, isto é, mesmo sem eficácia comprovada, por falta de nenhuma outra alternativa, com o uso precoce.

Na avaliação do MPF, essa nova abordagem não atende aos critérios mínimos de segurança e eficácia e do monitoramento dos pacientes durante o uso, estabelecidos na resolução da agência. Para a incorporação no SUS dos medicamentos também há mecanismo para análise célere pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias do SUS – Conitec, mas que exige a análise da eficácia, segurança e custo-efetividade. Para os procuradores, o plano de testagem nacional não é capaz de atender a demanda no início dos sintomas.