Argentinos exigem libertação do jornalista Facundo Molares - foto Campanha de Solidariedade

Mantido incomunicável no presídio mais perigoso da Bolívia, o repórter fotográfico argentino Facundo Molares Schoenfeld, de 44 anos, é a mais nova vítima do governo da autoproclamada Jeanine Áñez.

Frente aos inúmeros atropelos e à injustiça, uma campanha mobiliza a Argentina pela libertação de Facundo, preso ilegalmente por “homicídio, associação delituosa e instigação pública a delinquir”.

Acusado de um crime que não cometeu, “sua situação de saúde é grave e tem piorado rapidamente, correndo alto risco de vida, já que seu sistema renal não está funcionando e o lugar atual de detenção não conta com condição de atendimento”.

Diante das inúmeras arbitrariedades a que o filho vem sendo submetido, seu pai, Hugo Molares está solicitando da Cruz Vermelha Internacional e da Igreja Católica que se somem à campanha de libertação, tendo pedido à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) uma medida cautelar em virtude da extrema gravidade da situação.

“Facundo estava na Bolívia registrando fotograficamente as mobilizações e reclamações, trabalhando para a revista argentina Centenário, quando caiu doente”, declarou Hugo.

“Era um dos últimos dias de outubro quando me chamou e disse: ‘Pai, estou com febre. Parece que pode ser hepatite, dengue ou paludismo’”, explicou Hugo.

Desde este momento foi cortada a comunicação entre os dois. Hugo disse ter pensado que Facundo devia estar em algum lugar sem sinal da Bolívia, incomunicável, vivenciando momentos de dolorosa apreensão e terror.

À procura do filho, Hugo desembarcou em Santa Cruz, na Bolívia, às 20 horas do dia 12 de novembro, indo imediatamente ao Hospital Universitário Municipal Japonês. “Nós somos argentinos e junto com a minha esposa fomos voando à Bolívia para buscar o nosso filho. No Hospital, me disseram que não havia nenhum Facundo Molares inscrito; perguntei se tinham registrado alguém como NN (anônimo) e me responderam que sim. Me levaram à sala onde Facundo estava deitado numa maca, todo intubado, em coma induzido”.

Estava com assistência respiratória mecânica devido à “insuficiência renal aguda, sem ter dado entrada com nenhum hematoma ou sangramento proveniente de qualquer projétil”. Nada a ver com o relato do “militante ferido à bala”, posteriormente divulgado pela polícia e repercutido à exaustão pelos meios de comunicação.

Uma vez identificado pelo pai, contra um Facundo Molares Schoenfeld inconsciente e agonizante, o governo golpista dá início uma ação de propaganda extremamente conveniente. É acusado por “homicídio e incitação à violência” e apontado por ser um dos “masistas ou evistas” que enfrentaram os “cívicos” – fascistas – que organizaram o bloqueio da Ponte da Amizade, em Santa Cruz, numa ação que resultou em dois mortos e vários feridos.

“A questão é que nesse momento descobrem que Facundo havia militado nas Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), um dado muito conveniente para o regime e para demonizá-lo”, lembrou o pai, sendo que a partir daí o repórter fotográfico passa a ser vendido para a opinião pública como “o argentino das Farc”.

De forma ininterrupta, as autoridades do regime golpista se utilizam dos meios de comunicação para só bater nesta tecla, procurando de todas as formas vincular Facundo à imagem de Evo e ao “terrorismo internacional”.

Uma repórter de televisão chega a substituir seu sobrenome Molares por Morales, com o intuito descarado de aproximar as identidades. “Há fotografias de duas pessoas armadas num protesto, porém nenhuma delas é o meu filho. É algo absolutamente injusto”, acrescentou Hugo Molares.

O fato é que os mesmos fascistas que comprovadamente queimaram residências e tribunais eleitorais por toda a Bolívia, prenderam, sequestraram e torturaram autoridades e lideranças do Movimento Ao Socialismo (MAS), ameaçaram crianças e estupraram adolescentes, buscam agora jogar todo o peso da sua covardia nas costas de Facundo, e execrá-lo injustamente por meio de sua mídia. Este seria o “terrorista das Farc” que estaria no país andino a serviço de Evo, contribuindo com a paralisação de rodovias e caminhos. Nada mais falso.

Em entrevista ao canal boliviano Notivisión, em 14 de novembro, o doutor Víctor Hugo Zambrana, do Hospital Japonês de Santa Cruz, confirmou que “ele tem insuficiência renal aguda, ele tem choque séptico, ele tem edema agudo de pulmão, se aventa a possibilidade de envenenamento por chumbo e também alguma outra possibilidade do hantavírus. Todos esses diagnósticos fazem com que o caso do paciente se revista de muita gravidade… ”.

A tragédia clínica do paciente, que vinha se arrastando de longa data, desmonta a tese de que se encontrava na Bolívia para “prestar instrução paramilitar” e seu atendimento inicial numa clínica privada, de onde foi levado ao hospital, “sua condição de saúde e seu estado nada tem que ver com nenhuma situação de confrontação ou enfrentamento”, esclarece o pai.

“O médico me explicou que Facundo tinha uma insuficiência renal aguda e que os rins estavam sem funcionar. Nos prescreveram medicamentos, saímos do prédio para comprá-los na farmácia em frente e três indivíduos desceram de uma camioneta dizendo que eram policiais e que deveriam nos tomar um depoimento. Perguntei se dispunham de uma ordem judicial para nos levar com eles, mas longe de uma resposta, nos algemaram e meteram à força no veículo”, relatou Hugo Molares.

Continuando, ele descreveu o terror a que ele e sua companheira foram submetidos. “Nos levaram a uma delegacia que fica a 60 quilômetros do hospital, onde nos mantiveram presos por 25 horas! Fomos submetidos a interrogatórios e maltratos psicológicos, em péssimas condições, sem banho, sem água, sem comida e em celas separadas”.

“Fomos soltos quase à meia-noite do dia seguinte e então consultei se poderia voltar ao hospital. Expliquei que tive somente 15 minutos com ele e que apenas pude acariciar sua cabeça. Me disseram, sem rodeios, que se ficássemos na Bolívia eles iriam nos massacrar. Assim mesmo, com essas palavras: massacrar. Não tivemos outro remédio a não ser tomar o primeiro avião que saía para a Argentina sem poder atender meu filho”, denunciou o pai, um senhor já idoso.

De acordo com Hugo Molares, “Facundo continuava internado, mas já em terapia intensiva, quando lhe realizaram diálise”. “Neste momento, ele já tinha acordado do coma, mas não estava completamente ciente de tudo o que passava ao seu redor. Nesse estado, e sem se importar com nada, no dia 29 de novembro realizaram uma audiência cautelar dentro do hospital onde lhe ditaram prisão preventiva. Foi incluído em um processo no qual está o intendente de Montero, uma candidata à deputada, vereadores, militantes do MAS, todas pessoas que, casualmente, se opõem ao regime atual”, explicou.

“Em 2 de dezembro uma patrulha policial o leva para o presídio de Palmasola, practicamente nu e sem medicação, empunhando um certificado de uma médica alheia ao hospital”, contou Molares. Conforme recordou o jornal Página 12, Palmasola guarda um simbolismo importante, pois foi visitado pelo papa Francisco em 2015 e é reconhecidamente um dos presídios de mais alta periculosidade do país.

No dia 5 de dezembro, um médico comprovou que se somavam às problemáticas condições que Facundo já apresentava uma preocupante infecção pulmonar. “Para nosso espanto e assombro, no dia 6 de dezembro chega outra viatura e, sem ordem judicial, o leva para o presídio de Chonchocoro, situado a 4 mil metros de altura e com temperaturas extremas. A esse lugar levaram uma pessoa doente e com prisão preventiva”, condenou o pai, inconformado. Como se não bastasse o problema do clima, a “cidade-prisão” de Chonchocoro é vista como “uma sociedade em si mesma”, reunindo reconhecidamente os presos mais perigosos do país.

“Realmente, não há outra maneira de nomear: é uma ditadura. Eu não tenho outras palavras para tanta crueldade. Na Bolívia há um estado de temor generalizado e, por causa disso, fico impossibilitado de conseguir um advogado. Eu quis voltar a viajar, mas minha família me proíbe e pessoas de lá me disseram que só pelo fato de ter o mesmo sobrenome, poderiam me massacrar. Sim, essa a palavra que usaram os militares a tenho  gravada na cabeça”, desabafou Hugo Molares, que é juiz de Paz no município de Trevelin, na Argentina.

Enquanto a polícia e o Exército praticavam impunemente tiro ao alvo na população do alto de tanques e helicópteros, como foi fartamente documentado nos protestos de Senkata e Sacaba, deixando oficialmente dezenas de mortos e mais de uma centena de feridos à bala, alinhados aos golpistas, os canais de televisão, emissoras de rádio e jornais mentiam e repetiam que “na Ponte da Amizade, o argentino das FARC havia sido ferido”.

Sua presença comprovaria a existência de uma rede artificial de resistência, de um “complô internacional” em apoio ao MAS. Mentiras de fio a pavio, porque Facundo já se encontrava agonizante em cima de uma cama. “Meu filho é uma grande pessoa, sem preocupações materiais e sempre preocupado pelo outro”, descreveu Hugo, com carinho.

Em relação à participação de Facundo nas FARC, que caiu como uma luva para os golpistas, a mídia obviamente omitiu que a organização se autodissolveu após ter assinado um Acordo de Paz com o governo colombiano em novembro de 2016, sendo agora um partido legal, a Força Alternativa Revolucionária do Comum.

“Agora estamos buscando ajuda desesperadamente. É terrível a situação em que se encontra Facu, que está preso ilegalmente. O que fizeram com ele não tem qualquer justificativa. Eu só quero voltar a ver o meu filho e que ele possa voltar para a Argentina para continuar com os seus tratamentos médicos. Mas temos que tirá-lo da Bolívia, que é hoje uma ditadura muito cruel”, concluiu Hugo Molares.