Presidente do Cazaquistão admite erros e promete elevar salários
Com a ordem constitucional restaurada em todo o Cazaquistão após uma semana de distúrbios e tentativa de golpe colorido, o presidente Kassym-Jomart Tokayev, em discurso ao parlamento por videoconferência na terça-feira (11), reconheceu erros de seu governo e do anterior e chamou a melhorar a de vida do povo de maneira “sistemática e regular”, se comprometeu com a elevação dos salários e contenção da inflação, condenou o surgimento no país de uma “casta rica, mesmo para os padrões internacionais” e anunciou o congelamento por cinco anos dos salários dos parlamentares e ministros e que empresas muito lucrativas terão que contribuir “muito mais”.
Tokayev reiterou que irá até setembro apresentar propostas de reforma política. Disse ainda que as forças de paz do Tratado da Organização de Cooperação e Segurança (CSTO), lideradas pela Rússia, começarão a deixar o Cazaquistão em dois dias, e que a retirada deverá estar completa em dez dias.
“A missão principal das forças de paz da CSTO foi concluída com sucesso”, assegurou.
Na véspera, uma cúpula da CSTO por videoconferência saudou o sucesso da missão de estabilização na Cazaquistão, missão pela primeira vez realizada pela organização, criada há 30 anos, e que congrega ex-países soviéticos – Armênia, Bielorrussia, Cazaquistão, Quirguistão e Rússia.
O consenso foi de que a rápida resposta evitou a repetição de uma nova Maidan, agora em Almaty, a maior cidade do Cazaquistão, que foi tomada pelos saqueadores por dois dias.
“Uma guerra terrorista foi desencadeada contra nosso país”, disse Tokayev. “Poderíamos ter perdido o país”, completou.
Tokayev também responsabilizou o Comitê de Segurança Nacional, cujo chefe foi destituído e depois preso no sábado, o também ex-primeiro-ministro de governos anteriores, Karim Masimov, por abandonar as cidades do Cazaquistão aos amotinados durante a crise.
“Apesar de ter um arsenal militar suficiente, sem entrar em combate, abandonaram os prédios, deixando para trás armas e documentos”, relatou Tokayev, que prometeu reformular as estruturas de segurança para que a “defesa dos cidadãos” seja sua prioridade máxima.
Tokayev não poupou sequer, em seu discurso, ao seu antecessor (por três décadas), Nursultan Nazarbayev. “Por causa do primeiro presidente, o Elbasy (chefe de Estado), uma casta de empresas muito lucrativas e de pessoas muito ricas surgiu no país. Penso que chegou a hora de prestarmos tributo ao povo de Cazaquistão”, disse Tokayev, numa referência às filhas, genros, netos e figuras próximas do ex-presidente, que controlam postos do Estado e os ‘interesses econômicos’ mais importantes do país.
Tokayev afirmou ainda que o governo deve enfrentar os monopólios e garantir uma concorrência justa: a explosão de indignação, que depois foi manipulada para conduzir a um golpe colorido, teve como estopim a duplicação, na virada do Ano Novo, do preço do gás, usado para aquecer as casas no inverno e para abastecer os veículos.
Cujo móvel foi a cobiça de exportadores para ganharem quatro ou cinco vezes mais com o preço internacional na estratosfera. O governo que renunciou também tinha imposto o fim do subsídio ao gás para estabelecer o ‘preço de mercado’, o que é uma típica imposição neoliberal, insuflada por espertalhões e órgãos como o FMI.
Para alguns comentaristas russos, inclusive a duplicação instantânea do preço do gás pode ter sido intencional, para gerar o clima propício ao golpe colorido, cuja tropa de choque foram radicais islâmicos e gangues criminosas.
Há quem aponte a coincidência entre a tentativa de golpe colorido no maior país ex-soviético nas fronteiras meridionais, e o momento em que Moscou declarou o ‘basta’ ao intento de Washington de levar a expansão da Otan até à Ucrânia, e em que negociações de cúpula estão em realização sobre a segurança coletiva na Europa.
Em seu pronunciamento no final de semana, o Partido Comunista russo, através de seu líder Guenadi Ziuganov, havia convocado o governo cazaque a “ouvir a voz dos trabalhadores, apesar dos provocadores”, e instado a reverter as políticas de russofobia e divisão que ao longo dos últimos anos foram facilitadas desde o alto. Assim como a permissividade para com extremistas e organismos financiados desde o exterior.
Novo Premiê
Por indicação de Tokayev o parlamento por unanimidade oficializou o interino Alchan Smailov no posto de primeiro-ministro cazaque.
As tropas de paz não participaram das operações de contenção dos saqueadores e radicais islâmicos, mas sua presença nos aeroportos, usinas de energia, Baikonur, instalações vitais militares e de serviços públicos liberou as forças legalistas para atuarem.
A China manifestou sua solidariedade e apoio ao Cazaquistão e ao presidente Tokayev, com o presidente chinês Xi Jinping, no calor dos acontecimentos, tendo dirigido mensagem verbal ao seu homólogo cazaque, em que também condenou o golpe colorido que foi tentado.
O Cazaquistão, junto com a China e a Rússia, Índia, Paquistão e, agora, Irã, fazem parte da Organização do Tratado de Xangai, e é um importante elo na Iniciativa Cinturão e Estrada (Nova Rota da Seda), fazendo fronteira com a região autônoma chinesa de Xinjiang, e parte da interconexão China-Europa, pela via férrea.
Na terça-feira, em telefonema entre os ministros das Relações Exteriores da China, Wang Yi, e da Rússia, Sergei Lavrov, o chefe da diplomacia chinesa conclamou Moscou e Pequim a “trabalharem juntos” para resistir à interferência externa na Ásia Central.
“Os lados devem continuar a fortalecer a coordenação e a interação, resistir à interferência de forças externas nos assuntos internos dos países da Ásia Central e impedir que ‘revoluções coloridas’ e as ‘três forças do mal’ (terrorismo, extremismo, separatismo) criem o caos”, disse Wang, segundo o Ministério das Relações Exteriores da China.
Ele disse ainda que a Rússia e a China devem trabalhar em conjunto para ajudar os países da Ásia Central a lidar com a pandemia de Covid-19, além de auxiliar no desenvolvimento de suas economias.
Após a ligação, a chancelaria da Rússia disse que os dois ministros foram “unânimes” em sua avaliação dos eventos no Cazaquistão. “Eles enfatizaram sua preocupação com a interferência de forças externas, incluindo a participação de mercenários estrangeiros em ataques a civis e policiais, apreensão de instituições estatais e outras instalações”, diz o comunicado oficial.