Presidenta do PCdoB, Luciana Santos avalia os desafios da transição do governo Lula
A presidenta nacional do PCdoB e vice-governadora de Pernambuco, Luciana Santos, falou ao Portal do PCdoB sobre os rumos da transição de governo. Em sua opinião, a equipe de transição está no rumo certo: primeiro um grande movimento para garantir a maioria política na governabilidade. “Nós precisamos de estabilidade política e de paz para que o governo Lula dê certo”, enfatizou.
Um dos principais desafios, de acordo com a dirigente partidária, é colocar em prática a agenda do programa eleitoral vitorioso; ou seja, enfrentar essa desigualdade social e a mazela da fome.
Luciana adianta que o PCdoB definiu três áreas nas quais deve dar uma contribuição prioritária nesta fase: Ciência e Tecnologia, Trabalho e Cultura. Mas afirmou que o partido irá oferecer nomes de dirigentes e lideranças para contribuírem em todos os grupos temáticos. “Não há uma política pública importante e estratégica no país, que não tenhamos quadros experientes com grande capacidade de formulação teórica e prática”, enfatizou.
Ela também traçou desafios para a legenda no próximo período: precisamos nos enraizar mais na luta do povo, para crescermos nossa influência e nossa contribuição com a luta política do país.
Leia outros trechos da entrevista:
O PCdoB foi o primeiro partido a defender a frente ampla. Na época, nem esse termo era usado pela imprensa, mas acabou se consolidando na eleição. Qual foi o papel do PCdoB na consolidação desse amplo arco de alianças em torno do chapa Lula-Alckmin?
O PCdoB sempre entendeu que esse é um país plural com muita diversidade regional. É um país continental com um histórico de conformação de forças políticas muito complexas. Que tem realidades e dinâmicas regionais que interferem no plano nacional. O entendimento desta complexidade sempre nos levou a defender que qualquer que seja a perspectiva de um projeto democrático popular e nacional, ele necessariamente tem que levar em conta essa diversidade e pluralidade.
Por isso, formulamos com muita convicção a necessidade de construção de frentes amplas para viabilizar um projeto com este caráter. Ainda mais, que temos pela primeira vez no país um governo com as características de Bolsonaro: autoritário na política, retrógrado nos costumes e ultraliberal na economia. Um governo de extrema-direita.
Sempre reunimos convicção de que não bastava o nosso campo para enfrentar a extrema-direta, tínhamos que atrair outros setores. Muitas vezes fomos incompreendidos, mas prevaleceu a centralidade da defesa disso como uma tática para ganhar as eleições. Prevaleceu a justeza das nossas ideias. Por isso, hoje, podemos comemorar a vitória dessa formulação política.
Qual o papel do PCdoB nessa fase de elaboração de plano e discussão do novo governo?
O próprio presidente Lula não economiza elogios ao papel do PCdoB nesse período todo, de aliança política. Nós temos essa aliança básica com o Partido dos Trabalhadores, desde a primeira eleição do Lula, em 1989. E sempre procuramos entrar nessa discussão com ideais-força, como o programa do nosso Partido. Somos um partido programático, ideológico e temos a defesa de uma perspectiva de construção do socialismo com as características brasileiras. E sempre procurando entender que temos um caminho para isso.
O caminho é o nosso programa poder garantir no país uma agenda de aceleração do crescimento, de reindustrialização, de defesa dos direitos fundamentais do povo, do cuidado com as pessoas. Somos respeitados exatamente porque o que nos move é a questão programática e os nossos compromissos. E a contribuição na elaboração desses desafios brasileiros.
Lembro-me que, desde a primeira disputa para a eleição para presidente da República, nós sempre defendemos uma combinação de unidade do nosso campo e frente ampla para poder ganhar as eleições no Brasil. Só quando esse rumo foi assimilado é que foi possível ganhar aquela eleição de 2002.
Depois, uma agenda desenvolvimentista tem o DNA do PCdoB. Isto é quase um mantra nosso. Uma insistência e um debate permanente que a gente coloca na ordem do dia.
Quais os principais problemas a serem enfrentados logo nos primeiros dias de governo?
A nossa equipe de transição está no rumo certo: primeiro um grande movimento para garantir a maioria política na governabilidade. Nós precisamos de estabilidade política e de paz.
Lula fez certo ao ler um discurso no dia do resultado da eleição, em que ele disse que o principal desafio brasileiro era unir o país.
Nós já constituímos a maior frente política das eleições, desde que ganhamos em 2002. Foram dez partidos políticos no primeiro turno, mais dois no segundo turno, agora esse esforço consolidado na direção do PSD, que já está na equipe de transição e veio para a base do nosso governo. Além do esforço, agora, na direção do MDB, para além de Simone Tebet, formalizar a participação na base do governo. Isso acaba de ser anunciado na tarde de hoje [quarta-feira, 10], com a equipe de transição também consolidando esse movimento.
É preciso que a gente entenda que um dos principais desafios é que esse governo dê certo. E colocar em prática a agenda do programa eleitoral que é enfrentar essa desigualdade social. Infelizmente, Bolsonaro conseguiu colocar o Brasil na décima terceira economia do planeta, mas somos um país rico de um povo pobre. Para enfrentar isso, é preciso combater a fome, a pior mazela da desigualdade.
Para isso, o povo precisa estar no orçamento. Então, a principal batalha é mudar o orçamento para caber o Bolsa Família, que não é só uma retomada do nome, mas do conceito. No Auxílio Brasil, a pessoa recebe uma ajuda de sobrevivência de R$ 600, e acabou. O Bolsa Família exige que a criança vá para a escola, esteja em dia com a carteira de vacinação, com a atualização do SUS, – um programa estruturante que cuida das famílias. Para retomar isso, a gente precisa que o apoio social saia da regra do Teto de Gastos.
Estamos cuidando desse compromisso de campanha que é salário 1,6% acima da inflação, que significa garantir o poder de compra do povo. Garantir orçamento para vacina, para a Farmácia Popular, para o enfrentamento à violência contra as mulheres, questões que não estão previstas no orçamento brasileiro para este ano. Estamos vendo a forma de modificar isso. Se por meio de uma PEC que daria mais segurança jurídica, ou através de uma Medida Provisória Extraordinária, com a anuência do Tribunal de Contas da União e do Poder Judiciário. Numa perspectiva de cumprir com os compromissos de campanha que levaram à vitória.
O povo brasileiro vê o Governo Lula com esses compromissos. Precisamos colocar no orçamento brasileiro, porque não pode haver no Brasil um teto fiscal que leve à fome. Temos que virar essa página de que esse teto represente mais desigualdade e iniquidade social. Essa é a tarefa dessa primeira fase da transição.
O PCdoB já ocupou ministérios importantes nos governos Lula e Dilma. Fale um pouco dessa experiência.
O primeiro ministério que assumimos no ciclo político de Lula, foi o Ministério do Esporte, que nós transformamos numa grande política pública, de uma grande dimensão nacional.
Tivemos também um papel decisivo na ANP, a Agência Nacional do Petróleo. Nada mais, nada menos, somos responsáveis pelo Marco Regulatório do Pré-sal, pela Lei de Partilha, que é até hoje um patrimônio brasileiro, que deu condições para acumularmos essa riqueza e que ela pudesse retornar para o povo brasileiro. Essa é a cara do nosso Partido, que pensa o Brasil, e que, historicamente, objetivamente, deu e continua dando grandes contribuições para a formulação dos grandes desafios brasileiros. Isso mostra o quanto somos capazes de colaborar nesse enfrentamento.
Esse é o nosso papel nesse contexto. Eu já sou do Conselho Político, e vamos, ainda hoje, completar os nomes para a transição, e, com isso, completar a nossa inteligência coletiva, os quadros políticos e ilustrados a serviço do projeto nacional, do povo brasileiro e para o Governo Lula dar certo.
O partido já deu sua contribuição também na área da Defesa. De lá pra cá, tivemos uma mudança na participação dos militares no governo. Como a transição está lidando com esse tema bastante delicado, diante do que andou acontecendo durante o governo Bolsonaro?
Este é um assunto complexo que é preciso entender o fenômeno. Principalmente, em função do comando de Bolsonaro, nesse tempo todo. Nós também já dirigimos o Ministério a Defesa. Temos domínio na política pública. Não há como pensar uma nação soberana sem ter um forte aparato de defesa. Isso também dialoga com a própria tecnologia e inovação. Não tem como pensar um país próspero e avançado sem uma indústria de defesa à altura.
Toda essa tecnologia cotidiana de touch screen, inteligência artificial e tecnologia da informação, a gente deve às agências de desenvolvimento da indústria de defesa norte-americana. E todo país do mundo que se preze e defenda a nação, precisa ter uma política de defesa nacional.
E como isso rebate no plano da política? Temos que quebrar preconceitos e paradigmas no seio da corporação, de modo a enxergar que, se existem brasileiros que defendem os interesses da nação, somos nós, os comunistas. Essa contribuição temos dado, e está na ordem do dia a gente participar desse debate no grupo temático.
Qual a expectativa de participação do PCdoB no próximo governo? Há uma discussão elaborada a respeito disso, ou ainda não?
O que conseguimos acumular, até agora, é que vamos construir politicamente uma participação destacada em três questões temáticas: a Ciência e Tecnologia, pelo acúmulo que temos; é uma área estratégica que dialoga com desenvolvimento e inovação. A questão do Trabalho, do quanto isso é tão desafiador no mundo precarizado, pela retirada dos direitos e como fazer uma agenda da defesa do trabalho.
E da Cultura. Pela nossa capacidade de elaboração e da importância que a gente dá à identidade nacional e ao debate ideológico que precisa ser feito. Este é um país plural de grande maioria de população negra e de mulheres. Temos na identidade cultural brasileira, uma cultura que se confunde com a história, com a nossa alma, como o nosso jeito de ser enquanto nação.
São temas estratégicos que têm tudo a ver com o PCdoB. Mas vamos participar de todos o grupos temáticos com atuação mais destacada nestes temas. Dos 31 temas, nós temos gente. Não há uma política pública importante e estratégica no país, que não tenhamos quadros experientes com grande capacidade de formulação teórica e prática. Vamos colocar toda a capacidade instalada de inteligência de nosso partido à disposição dessa construção da transição nos grupos temáticos.
Os partidos de esquerda e os movimentos sociais passaram os últimos anos num contexto de resistência política. Agora, a chave vira voltamos a ter a possibilidade de estabelecer outro tipo de diálogo com o estado brasileiro, pressionando por políticas públicas e ampliando a participação e o engajamento da sociedade em instrumentos de participação social, que foram totalmente desmontados, e que ajudam a construção de correntes políticas como o PCdoB. Como você vê o desafio para a construção e atuação do PCdoB nessa quadra histórica?
Precisamos ser um partido com força na sociedade. O nosso desafio como partido é no próximo período fazer com que a força das nossas ideias possa se traduzir numa capilaridade maior, num maior acúmulo para influenciar mais nos rumos do país.
Somos um partido com uma perspectiva mais adequada para um mundo de igualdade de oportunidades, um mundo justo. Mas, para isso, precisamos ser um partido com mais força, não só eleitoral, mas na base da sociedade. Esse é um exercício cotidiano.
Quando temos a possibilidade de mudar a cena da política com vitória do nosso campo, essas possibilidades se ampliam. É um desafio de um exercício interno de planejamento, um partido que possa combinar a luta teórica a capacidade de formulação política para o cotidiano das nossas lutas, e o partido que está nas ruas, nas redes, no debate de ideias. O partido ativo e presente na vida do povo brasileiro para levar esperança e a defesa de um programa avançado para o país.
Somos um partido com a cara do povo brasileiro. Somos um partido de mulheres, de negros e negras, de jovens, de trabalhadores, por isso precisamos ampliar, e cada vez mais retirar essa cortina de fumaça de um partido que sofre preconceitos pela luta ferrenha ideológica contra a nossa concepção e o que nós acreditamos.
É em momentos como esse que a gente precisa se afirmar. Dizer: esta é a cara do PCdoB, a cara do povo brasileiro. A cara de quem se preocupa com os verdadeiros sentimentos de nacionalidade e de felicidade do povo, que é ter direito à igualdade de oportunidades, ter uma vida plena para garantir que as transformações aconteçam e a gente possa ter uma vida plena com direitos fundamentais garantidos. Boto fé no que virá e na nossa capacidade política de realizar esses nossos sonhos de um país justo e de igualdade.
Por Renata Mielli, Guiomar Prates e Cézar Xavier